30 junho 2010

Soubera eu se esta crença me adivinha
teia esculpida entre duas fontes
Soubera olhar-me antes
De onde a minha voz se ouvia
e um compasso de tempo em que tudo se forma
Soubera antever um instante unico
em que o caminho se desdobra e me preciso
na clarividência da minha hora.

O Lima

O Lima é um verdadeiro homem do Norte, desbocado e preocupado, sente-se responsavel pela jornada que fazemos a meias, se tenho frio, se não durmo como devo, e antecede ainda o caminho que percorro, avisa-me do peso e das curvas, e quando chego, oferece-me um sorriso meio matreiro acompanhado de uma enxurrada de boas vindas e historias mundanas que me encantam. Contos de vida dura em que o orgulho reside no tempo em que dá carga nas bancadas maciças e naquele instante que sei do que fala. Contos de homens bons que passam por perigosos nas bocas de um mundo que não habita ali, homens que não se calam e para quem sou mais companheira que flor de estufa.
O Lima havia de ser ouvido, que enquanto engolimos uma garrafa de agua gelada antes de nos fazermos a estrada, vai mandando a todo o sitio, a vergonha das comitivas topo de gama, ao dobro da pressa que nos é permitida, rumo a coisa nenhuma, debroados a autoridade carrancuda que nos manda encostar, como se das suas mãos saisse alguma mais valia. Havia de ser ouvido na vergonha de querer ser mais que isso, e testemunha da hipocrisia que se reveste de normas sem conteudo nem coerencia.
E nós pomos o capacete de cozer cerebros como eles ditam, e as botas metalicas, que em caso de acidente nos levam mais alto, e bebemos do cantaro escondido nas pedras e já nem cantamos como dantes que não temos tempo... E o Lima abrevia "Sabes nina? Isto havia mas era de ir tudo para o c..." e eu rio e cruzo as pernas, sentada na porta do camião e olho em volta... Pois podia Lima, pois podia, mas a gente gosta disto, que o que chateia mesmo é o Cristiano não cantar o hino e o outro não ser como o Mourinho. 
E salto lá de cima, para a semana havemos de nos encontrar aqui de novo, mais cedo se possivel, e enquanto nos artilhamos de placas e luzes, nos espelhos, acompanhamos a comitiva de agentes sorridentes que já trabalharam que chegue, na fresquinha pois então, que este calor não permite, e olham de lado a gente, olham como se não vissem que daria trabalho certamente. É meio dia e o leitão está a sair, quem nos dera, Lima, que a gente merecia!
Entra em mim um ar fresco que só a noite traz.
Abro as janelas e inspiro com muita força, na esperança que a minha mente se torne leve, leve como cada sinal que avisto por detrás dos montes que escondem o horizonte. Penso por um segundo, na verdade pouco creio nas pessoas. Pego num pincel imaginário e pinto-as de cores que os meus sentidos pediam, ouço os sons filtrados de um medo e falta de fé, que nem sei de onde vem, e eu creio, por querer tanto.
Nos dias que passo, guardo pedrinhas e flores silvestres no meu bolso, descalço-me para sentir a terra crua nos meus pés e invento conversas, invento figuras, contornadas de musicas que penso existirem nelas, aqueço-me de sorrisos que escondem sombras e de sombras que aguardam nascentes de agua pura. E eu, sou mais una nas figuras, esboçadas de uma magia que não haveria sem um pouco de loucura que em mim perdurasse.
Na verdade, creio tão pouco nas pessoas, querendo mais que a vida, crer nelas, porque as minhas mãos estão vazias e cansadas de guerra fria.  
Mesmo ouvindo lágrimas, não cria. enquanto fantasmas dançantes bailavam na minha mente, naquele recanto que escondo, onde nem sei se haverá gente. Nas minhas veias calo, ruelas de incerteza de ser grande ou maior que isso, ou ser mera gota de orvalho fresco que compõe um conto ou livro.
No meu corpo pinto de firmeza, o medo de uma correnteza estranha que me leva onde não há caminho, há desencanto e uma leveza que nada contem a não ser silencio gritante de negro.
E eu sorrio, sorrio porque preciso, porque a minha cara pede Lua, pede um grito, a mesma fonte que me houvera nos instantes que fui crente e não pensante, e sei tanto, agora, que não crendo, sinto.
Sinto-me distante de cada mascara que me erguia, divago-me procurando-me, cada pedacinho espalhado de mim, sendo humana, sou estranha, ou simplesmente dispo-me de ausência.
Conheço onde cada sentido me grita e me chama, peço-lhe baixinho que me deixe, não deixando de sentir, de me bramir um canto que perdure até que creia, em mim. Fui nascente sem leito, desaguei sem foz,  fui em mesma um sopro de silencio onde me deixei. Na verdade, marquei na areia o mesmo descrédito em mim que tenho nas pessoas, e sei de onde vem, desse palco terreno onde as palavras pouco falam.
Sei tão pouco ainda, e a minha tela pintada, colorida como a glamorizei, é arco de vida renascida e tão minha, tão clara que me ofusca na saudade que não me deixa.

26 junho 2010

Ia passando, meia caminheira, meia viajante, meia pensativa, meia errante, o caminho empedrado, mal o via e, presente do meu passado, era o momento mais pressa, mais passo, e a minha mente deambulava distante por detrás da planicie. 
Percebi as cores daquela terra, o Alentejo enamora-se no fim do Inverno, torna-se verde e colorido como compondo um conto iluminado, tem canto e frescura, tem o aroma das ervas frescas e do orvalho de madrugada, verde como só poderia, repleto de agua corrente e vida nova, uns espargos perdidos, um silencio renovado e ao fim do dia, fica assim aconchegado entre as horas. Mais tarde, desperta nas cores silvestres, tantas, recebe bramidos novos e brinda à vida em oferendas. É amante, é ternura, é leito de gestos e sabedoria, é poema que se solta nos fins de dia, nas soleiras de cada porta. 
E agora, agora é gente grande, é seara, é mistura de cores que só ele conhece, é amor para sempre aos olhos de quem o ouve, é quente, quente como só ele poderia.
E eu, passando, me deixo, de encanto.

24 junho 2010

Acordei, mas acordei de olhos despertos, olhos brilhantes como já não me lembrava. Acordei com vontade de me ver, de me encontrar em cada sitio que escolha hoje, cada estrada que me faça companheira. Acordei fugida  do que não me é. Acordei sedenta de um mundo que me alimenta, que me embebeda como só ele é capaz.
Já andei tanto, sem que os meus pés se movessem, já cansei o meu corpo e deixei o que sinto lá atrás. Já me troquei por um colo, já cantei sem voz.... sei disso como cada gota que me escorreu pela cara.
Tenho sede de carinho, tenho mais para dar, voltei às raizes que me ergueram, pedi desculpa pela distancia, o que não me vê, não tem espaço em mim e o que me cega é a claridade somente de um principio de lua.
Acordei e vi de outra forma a viagem que me esperava, e reconheço a caminhada arida demasiado longa que deixei lá atrás, trazendo-a nos meus ombros por promessa de peso e leveza.
Está um dia lindo no Alentejo,  prometo-me..
Por detrás das montanhas sei que existe mar, por dentro das searas, há historias, e no calor das mãos duras, há palavras doces que me acariciam a alma.
Por detrás da minha cara, há vida saudosa, há memória, que me obriga e atormenta, e nas janelas fechadas, há fachadas apenas, de uma vida que não existia.
Sem perceber, de zangada, deixei que o medo partisse, falo dele e não o vejo agora em cada dia mais claro que percorro sem companhia e porém, de mãos dadas comigo, companheira saudosa de um dia que ainda não veio.

23 junho 2010

S. João

Ó Anjo da minha guarda
Quem vos varreu o terreiro?
As cachopas de Alpedrinha
C'um raminho de loureiro.

S. João adormeceu
Debaixo da laranjeira,
Cobriu-se todo de flores,
S. João que bem que cheira.

Na noite de S.João
Vou fazer uma fogueira
Com folhas de verde louro
Com rosmaninho que cheira.

Hei-de deixar ao relento
Uma folha de figueira
Se S. João a orvalhar
Hei-de encontrar quem me queira.


in Velhas Canções e Romances Populares Portugueses

21 junho 2010

Solsticio

Hoje, lembrei-me de uma história que a matemática me ensinou, uma história dispersa no contexto, encantada de imagens que construi... Imaginei a praça concava de Siena, os passos ancestrais, as ruelas que embocam ali, os vasos coloridos nas janelas e as caras morenas sentadas nos degraus de pedra quente, ao meio dia. E nesse instante andei no tempo, enquanto aspirava a mesma historia pintalgada de mistério.  Pitagoras, aquele homem enorme, de barbas brancas como impunha na altura, e uma vara que valeria mais que um conto. erguida por lição no mesmo instante que a via.
Nesse momento, tudo é claro, tudo é dia, os contornos formam-se em relevo, não há sombra que ligue os corpos ao cinzento, e os astros deixam um rasto de ensinamento, deuses esbeltos nos olhos de quem ousaria ver mais que via.
Deste dia, fiz claridade de mão beijada, de desejo inflamado e falado nos meus olhos presentes, de ventania fiz memoria e de um mar agitado, celebro o mesmo momento que me ilumina acompanhada de mim.
Fiz ainda, cada dia, meio dia, meia vida, fiz alegria sentida, numa tarde que em a calmaria haveria de encher-me a mim, celebro baixinho sem medo, cada memória que guardo, cada conto que me houve ser contado, cada história e enredo, um travo de mais conhecimento e este tempo, este caminho, esta neblina ainda menina que me me enebria por dentro. Não de alegria de Verão, um sorriso pequeno, um olhar estonteante para cima, erguendo o pescoço o mais que possa, olhar o sol e agora a Lua e ficar assim, ,meia tonta!


Com a mente à volta, os braços abertos, como no tempo de menina em que rebolava por uma encosta até não saber parar, levei-me mais longe, onde as pedras silenciosas perpetuam a homenagem. Danço sem par, sem compasso, danço ao som dos elementos, danço de sentidos que me despertam cá dentro, e assisto em silencio à magnificência tamanha da vida.

19 junho 2010

Marguerite

"A felicidade é uma obra-prima: 
o menor erro falseia-a, 
a menor hesitação altera-a, 
a menor falta de delicadeza desfeia-a, 
a menor palermice embrutece-a"

Marguerite Yourcenar "Memórias de Adriano"

Desde nova, desde que os livros se tornaram vivos mal os abria, desde que escolhi entre eles, amigos, que me acompanham, que descobri nas palavras, nascentes de imagens que sonhava saber manejar, que a admiro, como uma estrela que me ilumina o caminho, fonte de agua fresca onde me encontro, a cada momento em que a minha alma me pede, caminho.

O primeiro livro que li, numa viagem de comboio, fez da distancia mais viagem ainda, "Contos Orientais", eram migalhas lendárias, historias pequenas de um mundo que imaginava, sublime como só nos seus olhos, vivi a caminhada buscando mestria, bebi o leite dos seios empredrados, ergui sonhos feitos de homens cujos olhos me veriam, e de mãos quentes nas minhas, abrindo-me a mente de uma vida que não encontrava nas escarpas cinzentas das ruas, nas palavras ditadas, iguais, dos casais que se amavam, sem que esse amor me tremesse a alma, sem que a claridade da calçada fosse assim adivinhavel. Queria mais... Não era um tuareg secreto e esbelto, montado num cavalo árabe cinzento, que me salvasse de mim mesma, era mais que isso, era uma voz de dentro que me brilhava nos olhos de busca, era um silencio mais profundo de entendimento, era um despertar num segundo, com a vontade una de não ficar, era uma historia que escrevia antes de saber não existirem palavras que a descrevessem. Por isso, adormecia no desejo.
Fui maga de erros e hesitações, fiz delas pedras no meu caminho descalça, embruteci as palavras e julguei-me guerreira, desprovida de imagem e de lua que me alumiasse caminho. Tive tanto medo do silencio e das feridas que me correm nas veias, neguei sentir-me menos ou limitada, como se o silencio fosse a arma para a força que precisei, em momentos que me levaram, sonhos e imagens.

Na minha mala, por encher ainda, fui lendo cada livro, como se faltasse sempre o motivo de um encanto crescente, uma porta entreaberta ao lado escondido do meu horizonte. Leio ainda, quando me sinto assim, meia despida, meia perdida, quando o silencio não me abraça nem me avista, quando me pergunto, mal acordo se ainda é tempo de mergulhar na delicadeza dos gestos, na sapiência da alma, e na minha essencia impensada.


Senhor Cruz

Tenho vergonha de um pais assim, tenho pena de tantos que não puderam ser vistos nas suas casas, de árvore de natal por detrás, em retrato de família, como ele. É arguido, ponto final!
Não sei se é culpado, pedófilo, comedor de crianças ou amigo dos animais, é arguido num processo que enoja, que cansa, que nos sai dos bolsos todos os dias.
É arguido, e ninguém tem ainda que eu saiba, que lhe pedir desculpas por isso, nem a ele, nem ao senhor primeiro ministro, contra quem nada se prova nem provará. Somo um povinho encolhido, com o sr Dr, sr Eng e aquele apresentador que dava uns prémios e ficava tão bem a divulgar o euro.


Entramos na era das cabalas? Não temos mais nada que fazer que andar a perseguir este e aquele personagem como se fossem alvos inimigos de grande dimensão? A nobreza do silencio é sublime, senhores, e eu prescindo de manobras natalícias. Sou capaz de mudar de opinião, porquanto me atreva a crescer, ou a mais saber, por ora, o senhor é arguido, está a ser julgado, esteja calado.  
Ou algum Lisboeta se descarta de, tal como eu, ser testemunha muda do abuso criminoso e dos carros faustosos no parque Eduardo VII, enquanto fumava um cigarro na relva e comentava o caso? Não fiz nada, tal como nada fiz nas saídas diárias para a 24 de Julho, testemunha do cheiro a cola nas copas das árvores junto ao mercado. Enoja-me o povo boquiaberto como que cego do que sempre se soube, enoja-me doutas considerações e nenhuma politica exemplar para cada cabrão que se julgue com direito a abusar de uma criança.
Quero lá saber se este senhor é culpado ou não... Eu sou de certeza, por isto e muito mais!

18 junho 2010

Eu fui. Mas o que fui já me não lembra:
Mil camadas de pó disfarçam, véus,
Estes quarenta rostos desiguais.
Tão marcados de tempo e macaréus.

Eu sou. Mas o que sou tão pouco é:
Rã fugida do charco, que saltou,
E no salto que deu, quanto podia,
O ar dum outro mundo a rebentou.

Falta ver, se é que falta, o que serei:
Um rosto recomposto antes do fim,
Um canto de batráquio, mesmo rouco,
Uma vida que corra assim-assim.

José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"
Sabes, há uma árvore majestosa, albergue de vida sabia e silenciosa, numa estradinha empedrada, rumo a Alpalhao. Uma árvore que se adivinha, ao longe, antes da curva rodeada de muros de granito e antas esquecidas que o tempo guarda. Uma árvore onde habitam 3 ninhos de cegonhas, mais altas que as outras, contornos apenas, perante o Sol Poente no horizonte.
Já me sentei naquela pedra ancestral um dia, tinha nas mãos as palavras que escreveria assim que chegasse. Já me estive ali muito tempo, perdida nas minhas ideias e viagens, já bebi agua que trazia e dancei naquela seara ainda verde, admirei aquela árvore com olhos que eram mais meus nesse tempo, com um sonho cravado nas veias e uma sede de me dizer.
Esta árvore tem vida crescente, sempre que ali passo, há uma magia que me chama, uma paz que o alentejo canta, um murmúrio de vento e planície. Ao longe, vejo a serra, adormecida, a pedra cinzenta que esculpiu a minha vida e, neste sitio distante, sem estrada conhecida, acalma o ensaio das cegonhas que ficam, já não partem, e eu sinto um carinho que nem sei de onde vem.  Fico ali esquecida das horas, com outras palavras na mente, de mãos dadas no meu ventre, perdida numa corrente que passa por mim. 
Mais a frente, chama-me a pressa da vida, o senhor de olhos azuis que me ensinou que os homens duros e arrogantes sabem amar, e à tardinha, tenho o Luís, o eterno Luís que se multiplica, de barbeiro passou a careca, de testa brilhante, camisola aberta, de pelos a mostra e uns jeans rotos e sapatilhas... E as gaivotas, ficaram mais sábias ainda, e a anta espera na sombra, outra visita, e eu cansada, sozinha e cheia de vida, não espero volta nenhuma, há mais sítios, onde as ervas se agarram ao vestido e a neblina se solta mal o dia termine.

Sabes, há homens que se ultrapassam, que se dobram na sede de mais que vida, mais que horizonte, há homens que deixam nos passos mais de si do que uma estante apinhada de trofeus. Há homens que eu creio, existirem por mais se ser, que apenas um punhadinho de ideias. Até sempre Saramago!

17 junho 2010

Esta manhã encontrei o teu nome

Esta manhã encontrei o teu nome 
nos meus sonhos
e o teu perfume a transpirar na minha pele. 
E o corpo doeu-me onde antes os teus dedos foram aves
de verão e a tua boca deixou um rasto de canções.

No abrigo da noite, 
soubeste ser o vento na minha camisola;
 e eu despi-a para ti, 
a dar-te um coração que era o resto da vida 
como um peixe respira na rede mais exausta. 

Nem mesmo à despedida
foram os gestos contundentes: 
tudo o que vem de ti é um poema. 
Contudo, ao acordar, 
a solidão sulcara um vale nos cobertores 
e o meu corpo era de novo
um trilho abandonado na paisagem. 

Sentei-me na cama 
e repeti devagar o teu nome, 
o nome dos meus sonhos,
mas as sílabas caíam no fim das palavras, 
a dor esgota as forças, 
são frios os batentes nas portas da manhã.

Lisboa estava sossegada nesse dia, guardava ainda papelinhos e cheiros distantes, amante de uma lua clara espelhada no rio, escutava os passos deambulantes das caras perdidas e das vozes caladas, raiava cor nas praças iluminadas, nas avenidas frescas, na vontade tremenda de me voltar ali.
A noite deixou-me respirar sentido, sair da minha boca cada palavra que guardo sem eco, sentada entre duas caras que neste tempo aprendi a conhecer. O meu amigo, brincava contente com um gancho que encontrou em qualquer lado, e as horas foram passando, e as historias passavam por nós como só uma. 
Pergunto-me como é possível ver-se em mim o que não sei descrever, como adivinho nos olhos o mesmo que sinto.
De vez em quando, o meu amigo olhava-nos concordante, visitava-nos com uma lambidela rápida e parecia dizer-me que seria feliz ali, se o levasse sempre comigo. Os livros amontoados no banco de trás, contavam o esforço e a conquista, e nele, arquitectamos em conjunto. Não as conhecia, são de longe, de uma cidade à beira mar, bonita, são vida contida como a minha, são elas mesmas bonitas, cuidadas e viajantes como sempre admirei saber-se ser. Falava de mim, sentia-me ouvida, na obra que me ergo sozinha e onde existe espaço para mim e para tudo o que me habita. Respirava e esperava a sentença que, me era devolvida em historias sentidas do mesmo. 
A musica entrava nas palavras e, ao longe o fresco da noite movia-nos o corpo presente, ali, como se nada fosse, como se nada importasse, ninguém esperava, ninguém via.

Verdade distante, invisivel

As viagens feitas comigo, companheira, traiçoeira tantas vezes do que transparece em mim, solitárias e acompanhadas de uma fantasia que não saberia descrever, distancias exequiveis ao preço de um cansaço, só sentido à chegada, é um tempo de embaraço nos laços que me libertam, nos quilómetros que me situam onde sei que me vejo.
Corro acompanhada de um perigo com que cresci, da ignorância e arrogância de mentes que, sem saber, julgam, de um abraço caloroso dos homens de mãos calejadas e tez queimada de jornas e suor, homens que me acalmam o medo e relembram que sou rija, que sou capaz e que a coragem se faz mais do que se diz. Outrora, não acreditaria no alento que isso me dá, no património que construí sem voz, nos entardeceres, no cimo onde o tempo espera, porque há respeito no erro, há coragem no medo, há força de um sentir que so ali entendo.
Corro de músculos contraídos, agarrada a um volante que manda mais que eu, e vou pensando, cantando, vou ensaiando comigo o que diria se houvesse voz onde me encontro.
Sinto no meu corpo, a cada dia que passa, o meu lugar desconexo, a minha praça repleta de gente sem cara, as varandas dançantes de rendas, as flores de papel nas ruas caiadas, as calçadas marcadas de passadas iguais às minhas, conversas que ninguém ousa ter, que falar de dentro é rasgar-nos da razão que os deuses oferecem, entendo as velas rasgadas, entendo a cara lavada em lagrimas com o farol urgente no horizonte, entendo a demência que encerra coerência de sentir, sem mais nada, entendo o bater de asas, reticente e atrasado do ensaio, entendo o nada que me rodeia.
Entendo as pinceladas cinzentas com que a minha imagem se desvanece aos poucos, vejo por detrás, a verdade muda que só eu via, entendo o desembargo fugidio e os passos despidos de imagem que o violino perpetuou. Tenho em mim, o silencio das lágrimas, tenho em mim a madrugada que não me deixa cegar, tenho em mim um mar azul que testemunhou mais que palavras. Tenho em mim, todas as histórias que falam de mim como ninguém falou e as musicas que cada abraço tornou mais límpidas e, se por um instante, um segundo, alguém tivesse olhado mais fundo que os meus olhos, saberia o sentimento, muito mais que o desencanto.
Passado este tempo, sofri, sofri como não julgava poder ainda, sofri por mim e por tudo, sofri e marquei no meu corpo o desalento do silencio que antes me trouxera tanta paz. Entendi o caminho que percorri até me ferir tanto, entendi o medo e a solidão, a minha cara numa multidão mascarada, pintalgada e oferecida sem preço, e eu não me reconheço assim. Entendi poder ser como não, que não há uma mão capaz de me tocar cá dentro e sentir, entendi a promiscuidade e o alento de um pedido maior que eu, e o violino toca ainda na minha alma, despido para sempre do som distante e invisível que em mim habita a cada instante.
Passado este tempo, alem de lágrimas tenho mais que isso, tenho as mãos cansadas de uma guerra solitária, de uma pedra batida por cada maré revolta, de consciência e razão, de medo e vontade, de fé e descrédito, de sentimento e alucinação. Passado este tempo, tenho na memoria uma vela içada ao vento, mais que desencanto e riso, tenho um livro sem capitulo que o descreva mais que o sinto.
Entendo o cinzento, reduzido a um conto. Parece não falar de mim, mas é assim escrito, e logo, quando o dia findar e eu me sentar numa pedra qualquer, num entardecer alentejano que nunca me deixará de encantar, talvez me saiba dizer afinal, o que me doi e o que me existe.

15 junho 2010

Acordei estremunhada, vinda de um sonho que me presenteou de uma historia mais feita de mim, que o momento em que me reuno ao amanhecer. Sinto que deixo parte de mim ali, uma parte só ouvida quando a minha mente navega sem que lhe tome forma, sem que lhe dite rumo ou motivo. Sinto as presenças de um conto de personagens irreconheciveis que, no entanto, sei quem são, porque me visitam nas noites mais profundas, sei das palavras envoltas de imagens e de gestos sentidos. Sei de mim no espaço que o sonho me liberta, lembro cada episodio fora do enredo, sem credo ou forma coerente, mas repleto da reminiscencia que me ergue leve, como se chegasse de um paralelo magico um instante breve encerrando as formas que não sei desenhar.
Como me doi deixar-me ficar... Assim, ergo as mãos, bocejo a medo da minha boca em silencio, faço-me vestida de cores e façanhas, escrevo um conto imaginando ainda ser lido, escrevo nas pedras que a estrada respeita, nas velas dos barcos que rumam distantes ainda, nas asas do albatroz magnifico, partido e branco de verdade. Escrevo como se nas palavras transpirasse o meu corpo, como se os dedos bailassem mais depressa que o medo, escrevo porque no meu sangue cuja cor não decifro, guerreiam-se lua e adamastor, voo e caminho, abraço e solidão, doença e crença, e eu, ofereço-me em seguida, assim que desperto.
Ouço vozes, ensinamentos, nada fica, porque em mim já não cabe querer decifrar mais ainda. Da solidão, fiz claridade, temida, magoada, senti-me livre e sofrida,  ferida de uma magoa que nunca pedi e as minhas mãos conheciam. Não sei porque me despeço assim se, em cada dia, me preciso, se em cada conto me lembro, não sei porque sorrio perante um banco tosco à beira mar, de um mar revolto, irado, cinzento de querer tanto, um barco que teima em partir.
Continuo riscando os itens da minha lista, buscando nas grutas, mais arestas que formas, mais sentidos que palavras, coesa na verdade que nenhum homem me contou.  E encontro-me assim, em silencio...

Assim

Tinha um bilhete pequeno, preso com íman na porta do frigorífico, antigo, cheio de cores e letras desenhadas com o jeito que só uma criança teria. O íman perdeu força e o bilhete caiu, e nesse instante, as minhas mãos leram o sentido mais que as palavras : " Não te esqueças de gostar de mim", dizia..
Esquecida na algazarra urgente, distante da calmaria que aclara o brilho nos olhos, da procissão temente de julgamentos e condões que separa o vibrar do compasso de cada coração, dos batentes crueis de cada porta que se fecha em ar de ignorância e cegueira de alvorada sem partida nem chegada. Lembrada das madrugadas em que só a soma de cada parte em mim ecoava, lembrada da pressa de me sentir por dentro e dos meus passos tropegos em busca de mero afago de alma, perdida numa estrada iluminada, despida de todas as historias que em mim embarcaram, fugida na pressa de chegar a nenhum lado, na obra de me deixar onde nem me conheço.... Embarquei num momento que encantada, me ouço. As migalhas que fui deixando, sem o medo de as não ver mais, as pegadas que cada maré levou, guardando na minha memoria mais forte ainda, as vozes que de mim sairam, soando mais fortes na minha garganta a cada soar do tempo, são agora a orquestra que ouço bramindo, são os gestos mais simples que a mente não é capaz de ofuscar. 
Lembro-me agora das questões mundanas de deve e haver, de ser e não ser, poder, fazer, como se a construção se erguesse nas vozes mais altas, nas escotilhas abertas de costas para o mar. Lembro-me agora de cada gesto que não se anuncia ou se ve chegar, lembro-me da urgencia nas palavras.
Não me posso esquecer de gostar de mim, nunca nunca, assim... Se em mim, guardo tanto de sorriso como de lagrima.
I

08 junho 2010

Intervalos de Confiança...

Cada pedaço do meu corpo chama. Canta o passado abraçado de força e essência, chora a agua que me passa, grita feroz o presente por entre as horas que me deixo. Lançam formas desconexas as palavras medianas de aceitação. Estou tão longe que me vejo, lembrada das madrugadas que batalhava apenas comigo, guerreava os medos no meu sangue, calava horizontes percorridos, sonhava noites mal dormidas, de um viajar colorido pelos cantos do mundo. E as pedras, as pedras feridas nos meus pés, sangram de pedido que me não esqueça, que me envolva da natureza, mais que ornamentos ou vestidos.
Sai porta fora, fui abraçar o vento, sentir agua desperta na minha cara. fui correr num campo cheio de vida, fui brindar comigo de orvalho e esperança, fui-me dizer que estou certa, de tão errada me lembro. Este instante, entendo-o pela força do meu querer tanto, como se todas as coisas invisíveis e perdidas rumassem comigo, chamando. 
Queria ter alguém aqui, agora, este instante, que brindasse comigo, erguesse uma taça ao tempo, à esperança, queria poder dar um abraço enquanto chorasse e risse, queria ser genuína por um momento. Foi uma guerra tremenda, contra a inercia que o medo me oferece, contra a linha doente de mais não se  pretender.  Uma luta mais comigo que com as palavras que me não sentem. Tem sido instantes plenos de pensar tanto, de desacreditar no segredo guardado nas minhas mãos, nos passos a medo por um caminho que vai deixando ao longe, as luzes feitas ancora, as gentes enfeitadas de caricias tropegas e sem vida.
Queria ser voz a forma como as minhas mãos tremem, e este sorriso que me ofereço, consigo, sinto-me, dorida de uma força que me pede mais que isso. Fui capaz, sou capaz se acredito!

O Alentejo está tão bonito....

Respirei fundo como só aqui me deixo, trouxe palhas no meu vestido, trouxe um cheiro e as cores do entardecer por detrás dos montes, trouxe a voz que adivinho vir de mais longe, uma velhinha linda de lenço sentada à soleira cismada se me comporto, trouxe as buchinhas em pão caseiro, trouxe a calma e um momento comigo.
Está tão bonito o Alentejo!
Se o olhar se ouvisse, pediria um gesto baixinho, um pedido a medo, um abraço. Um peito cheio de alma, braços quentes de aconchego, mãos de lua,  que adornassem cada lágrima que me embarga a garganta. Se no reflexo da agua, se formassem palavras esquecidas, faladas de sentir mais que dever, ouvir-se-ia um gemido de cansaço ou pensar profundo, nem sei, cheiraria a feno molhado no sitio onde me encontro, cimo de uma caminhada isolada, de cajado em punho, rumo a qualquer tempo que tanto preciso.
Se lá no alto, lançasse um fio de prumo, balançaria com a leve brisa que o meu sopro almeja, e pela janela entreaberta entraria um cheiro que me não pertence, um rumor conjunto, uma luz divina que me não deixa embarcar cega. Se a voz da Lua fossem notas que conhecesse, cantar-lhe-ia um conto, grandioso como a história do Adamastor e Tormentas, mas pequeno de letras, que de sentir foi lição e de silencio uma vaga solta, mil palavras fechadas num instante. Esta claridade doi tanto, cravada no meu peito como uma gargalhada contraditória, que tanto ri de mim como me ama, tanto me ensina como me desdobra em personagens que mal conheço, reconhecendo-me em cada uma.  
Estou cansada, os meus olhos pedem mais que livros, mais que contas, os meus olhos têm fome, fome de me verem no reflexo das fontes, de me molharem de agua vinda de muito longe, desse abraço forte. Estou forte, sinto-me forte de tão fraca que parti, forte de guardar o mesmo gesto esperando que rume onde se encontre.
Correm rios de bruma nestas madrugadas, correm-me lágrimas, sangue nas veias que chama de mim.
E eu não tenho como expressar.
Um abraço!


Vermelho seria a forma de o sentir, perpetuado no que fica depois do gesto, no sentido que as palavras não levam, no silencio que um momento me despertou. Um abraço amigo somente, seria tanto! 

03 junho 2010

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No ponto mais fresco e doce que conheço, por entre rasgos de pedra branca e o horizonte entrelaçado ao longe, lá em cima, onde se ouvem sons sibilantes e se sentem cores dançantes, num bailado encantado de flores e palavras que me avistam, deixei a minha voz, num brado baixinho que soaria a uma prece, não fosse ser descrente por ruidosa a minha mente. Deixei sossegada a vontade de mil palavras caladas na minha garganta, deixei o brilho das rugas que o meu pai oferece, a força das palavras ditadas sem tempo... Lá em cima, deixei uma lágrima misturada com um sorriso que só me conheceria se fosse visto numa madrugada clara, deixei um tempo sentada numa pedra solta, tentando adivinhar os contornos da ilha que avisto sem visão, deixei um respirar fundo que guardei tanto tempo e mil pensamentos que me invadem e me pareciam atropelados, calados pela gritaria dos dias. 
Por entre a brisa que esconde a minha cara ardente, deixei-me ali, partida de uma realidade ofuscada e descabida, de guerras ensanguentadas de mim, sem retorno ou evasão, deixei-me como me encontro, num instante que só a mim pertence.
Como estava enganada ao precisar preservar, se de ausência, a minha alma enraíza presença, se de amarga, a minha boca tem sede e os meus pés descalços não sentem pedras ou agua, sentem a maciez da poeira, o silencio como um livro e aquela ilha, companheira.
Enroscada no meu colo, avistava o passar dos instantes como se deles pudesse colher frutos, deixava-lhes em troca memorias de um futuro que me chama, e do presente que, urgente, diz tudo. Ali no cimo da serra, onde a arte toca nas mãos, os contornos são esboços fluidos e as cores... As cores fantasiam-me e descobrem-me, lá no fundo, onde me escondo e desabrigo. 
Enroscada no meu colo, chamei... Deixei-me ali, na esperança de ouvir, um sussurro, um raiar madrugador, a ilha clareada, brilho, presença, sentir.  Que ao fundo, ofusca o caminho, claro, tão claro!