O vento sopra ali fora, toca-me de quando em vez. A copa alta que me viu crescer, mais crescida que eu, dança hoje reconhecida. Tantas vezes abri esta janela sedenta de um ar que não sabia aspirar, tantas vezes olhei lá fora rostos ocupados de um movimento que não me atrevia a entender. Depois de um dia cheio de palavras, recolhia-me aqui, despia-me. O que ontem fora magnificência retornara à banalidade que me oprimia, os versos antes fascinantes eram afinal lidos e os gestos não eram ternos, eram por demais carnais e eu, eu ainda sonhava saber pintar nos rostos da minha vida, a minha fantasia, a minha procura. Entendes agora? Como, se nem eu me entendo?
Sossegavam-me as viagens porque nas paisagens correntes eu vislumbrava mil horizontes. Imaginava um rosto terno, sereno de tão desassossegado, tão molhado e faminto como o meu. Oferecia-me perder-me das horas e dançar e cantar alto, e contar-me histórias.
Não, não era só isso. Construi a tua cara enquanto dançava, desenhei-a com tanto carinho, ouvi a tua voz cá dentro, conversei tanto em silencio. Procurei-te mais ainda. Não te vejo. Não te encontro.
Toda eu me tornei medo.Turbilhão este que me não deixa. Medo que se tornou matéria, e me doi cá dentro. Enquanto de olhos cerrados, te via, era importante dar-te um abraço apertado e soprar-te ao ouvido o que deveras sou. Sou unica, pequena e grande de mim, sou mãos dadas contigo, mas espera, tenho medo, por isso, tens que saber antes que vejas, que sou igual, faço birras e sou mimada, mas amanhã vou precisar de estar só comigo se hoje é em ti que me abrigo. Dizem que tenho mau feitio, não sei o que fazer da normalidade da vida e vou-te amar se me levares onde não conheço, se me tocares onde sinto e não finjo, se as tuas palavras me derem um silencio que aguardo há demasiado tempo. Mas olha, tenho este defeito, tenho muitos, e tenho medo que me vejas, se é só isso que peço. Vês esta ruga? Vês a minha cara? Amas-me mesmo? Espera. Há tanto que calo. Faria tudo por quem gosto, mas fujo sempre. Cá dentro, em todos os momentos, acarinho os poucos que me habitam, quero-lhes bem, mas faltam-me as palavras e a presença, canso-me. Mas sinto-me tantas vezes só, só demais para o meu cansaço.
Penso agora ao teu ouvido, quando divago, os meus dedos correm, as palavras gritam e agora, agora que me dispo no teu abraço, tremo por dentro, e choro. Amas-me ainda? Não acredito que não seja menos pela doença, pelo medo, não acredito.
E depois há aqueles poemas e prosas que não sou eu que digo. Tenho medo.
Quando a árvore lá fora ainda era pequena, encenava conversas contigo. Deternos-iamos no mesmo passo do caminho, por um instante, um abraço bastaria, um compasso no tempo, um sentido novo, intimidade, palavra que mal conheço.
E agora? Que no largo da minha memória, acrescentei a vergonha? Um rasgo de fogo, o maior de todos trespassado na minha cara. Preciso que saibas que sou boa pessoa, só penso em demasia, a minha mente não pára e não me acompanha no tempo. Por isso me visto, por isso fujo, sempre. E sofro.
Tenho manias, que sei tudo, que não sei nada, desenquadrada, construo mundos, caminho em passadas largas, mas respiro cada minuto. Tenho muitos anos, mais do que crescimento, e tenho tanta sede ainda.
Hoje, arvore crescida, e eu ainda pequena.
Amas-me ainda?
Espera, aperta-me mais ainda.
Existes?
1 comentário:
que lindo Sandrinha . . . ufaaaa . . . até fiquei sem ar !
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