O dia passou por mim, sem que lhe desse nada, afundada em livros, apressada no pouco tempo, cansada de teorias que não me acrescentam, descrente na ilusão que me alimentava, mais crente numa ilha que me envolve e sempre me assustou, embarco nas horas de um compromisso consciente que é muito mais que uma vitória ou uma pauta, é como uma bandeira que hasteei cá dentro, uma batalha comigo, uma guerra contra a inercia de movimento, um grito tremendo que sei de onde vem, sei tão bem...
Na minha mente, aceito este mar revolto, meu companheiro, já faz tempo, digno de mil lágrimas e de uma culpa que não me nego, deixo que doa, que preciso, conheço a minha pele, o meu corpo, sei o que fala e o que cala, sei porque chora e não há motivo terreno nos meus passos para que assim não seja. Por isso, me sinto e me doi, uma dor que me transborda de vida, conhecedora de mim mais do que as minhas palavras.
Leio, estudo, esforço-me e simultaneamente, desenho um caminho, como se a minha terra esquecida clamasse por vida, por agua, por ser tratada com as mãos com que alberguei flores e marés esquecida da verdade de mim.
As horas passam, ouço o som das ondas, ouço as imagens que guardo, ouço uma voz que me grita cá dentro, genuina, e olho em volta, e este sossego atroz dizima-me e olho de novo e invado-me de uma vontade tremenda de gritar, de desatar a correr, preciso de ar depressa, preciso de luz, de agua, preciso de me perder num caminho qualquer. Ou se sente isto ou não, ou se anseia ou se geme ou não, sempre soube que este momento iria chegar, senti-o aproximar-se, rejeitei-o, neguei-o, tornei-me eremita numa gruta, gritei sozinha, pedi-me desculpa, fiz as maiores parvoices que uma mente pensante consegue para se negar, neguei-me no fim, isolei-me, castrei-me , apelei ao medo a razão, mas é mais que isto. Não sei explicar a ninguém o que sinto, por isso escrevo, grito, choro, e não é por sofrer, é por alivio, por verdade, por ansiar mais que tudo gritar mais alto ainda.
Sou simpatica, interessante, inteligente, tenho teorias e coisas para dizer, tenho uma sede de ser que sei ser só minha, tenho gestos que me fazem reconhecida da minha essencia, e tenho uma voz tremenda que não se cala há tanto tempo, o que é que eu estou a fazer aqui?
Estou longe das pessoas que amo, consciente pela verdade que lhes devo, estou certa que no final deste semestre darei a mim mesma sossego, sozinha, seja onde for, fora daqui, não me encontro em lado nenhum, não me vejo na minha presença, não me ouço na minha voz, não sou nenhum dos retratos pintados, não tenho o tamanho de nenhum conto, sou o que trago cá dentro que grita, que respira, que chora agora pela consciência plena da minha história.
Tenho quase 40 anos e não me vejo, porra!
Mas sou boa pessoa, amiga, simpática, prestavel, companheira. E não me vejo e tenho saudades... Tenho saudades da minha irmã, do silencio do meu pai, do sorriso da minha mãe, da noite, de dançar, de ir sem saber para onde, tenho saudades de mim como nunca tive. E eu sabia que ia chegar aqui, soube sempre!
Valeu a pena? Claro que não, claro que não!