Havia uma ruela suja, com um carreiro de agua de esgoto no meio, escura, com um cheiro nauseabundo que não sentia, naquela dormencia de sentidos. Se estendesse os braços, seria capaz de tocar os dois lados de paredes cinzentas e mesmo assim nada ver.
Curiosamente, de todas as vezes que descia aquela vereda, pensava no necessário cuidado com que se vestira, de cores e contrastes, como se pretendesse brilhar no meio da podridão... Mesmo assim nunca veria que as cores se perdiam na pobreza do seu andar.
No fim da descida, havia uma clareira de cimento, onde um bando de putos ranhosos e eternos costumavam entreter-se a jogar "ao murro e ao apalpão", também não os veria, bastava antever a costumeira agitação no recanto que ficava mais adiante. Ouviam-se gritos raivosos das mães na sua direcção, haviam estaladas soldas e sem perdão, havia tanta ilusão.... Mas na verdade, essa apenas habitava quem ali se servia, já muito antes aquelas mulheres haviam deixado atrás o ultimo rasgo de fantasia e agora esgotavam em cada passo a sua própria desilusão.
Ela não!
Ela bebia a fantasia, agarrara-a na sua mão, na outra escondia o fruto da conquista feita de mais um pedaço da sua inocência vendida a troco de quase nada, o suficiente para mais uma debandada de qualquer razão. Nos olhos envoltos no mesmo cinzento das paredes das casas, o brilho dera lugar ao vazio de louca consciente, carente e esfomeada.
Teimava sempre em ficar, aquele lugar atraia-a, não eram os putos, não eram as mães, era a materialização da loucura de ainda se dizer forasteira, vendia sorrisos e gestos consentidos, venderia o corpo se fosse preciso, mas teimava sempre em ficar...
Sentava-se no chão de cimento, a sua alma já havia partido numa viagem sem rumo, tal e qual sempre quisera, e ouvia as historias daquele homem que a olhava como se fosse sua... Nessa altura o tempo parava, nada mais importava, aquele homem seria o unico semblante de Deus que alguma vez encontraria. Naquela ruela, numa qualquer barraca, jurara promessas falsas em troca de fantasias e alienações de uma vida que não parecia ser a sua... Também essa nunca veria.
Hoje ainda guarda o cheiro dessa ruela escura, mais pequena, mais cinzenta, das caras molhadas e vozes rasgadas que sempre calou, ainda sente aquele chão frio onde se sentou, já não pertence ali mas reconhece agora que as cores e matizes com que se fantasiava não eram mais do que a pura evidência da sua negação.
De vez em quando, noutras ruelas iluminadas que hoje visita, reconhece as faces da sua própria cara nas mesmas vozes escarpadas que nunca deixou de ouvir.
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