"um dia, já eu era velha, um homem dirigiu-se-me à entrada de um lugar público. Deu-se a conhecer e disse-me - Conheço-a desde sempre. Toda a gente diz que você era bonita quando era nova, vim dizer-lhe que, para mim, acho-a mais bonita agora do que quando era jovem. Gostava menos do seu rosto de mulher jovem do que aquele que tem agora, devastado"(...)
"Muito cedo na minha vida foi tarde demais. Aos dezoito anos já era tarde demais. Entre os dezoito e os vinte e cinco anos, o meu rosto partiu numa direcção imprevista. Aos dezoito anos envelheci. Não sei se é assim com toda a gente, nunca perguntei. Parece-me ter ouvido falar dessa aceleração do tempo que nos fere por vezes quando atravessamos as idades mais jovens, mais celebradas da vida. Este envelhecimento foi brutal. Vi-o apoderar-se dos meus traços um a um, alterar a relação que havia entre eles (...). Em vez de me assustar, vi operar-se este envelhecimento do meu rosto com o interesse que teria, por exemplo, pelo desenrolar de uma leitura. Sabia tambem que não me enganava, que um dia ele abrandaria e retomaria o seu curso normal. (...). Conservei esse novo rosto. Foi o meu rosto.
Envelheceu ainda, evidentemente mas relativamente menos do que deveria. Tenho um rosto lacerado de rugas secas e profundas, a pele quebrada. Não amoleceu como certos rostos de traços finos, conservou os mesmos contornos mas a sua matéria está destruida. Tenho um rosto destruido"
Marguerite Duras "O Amante"
Introdução brilhante a um livro que me marcou. Revejo a estranheza, a familiaridade com que na minha face os contornos antagonizam a expressao da minha alma. Sou uma estranha em frente ao espelho. Sou cumplice desta assimetria dubia, revejo-me nas expressões de outrora, surpreendo-me com esta sede presa neste olhar. Os anos deixaram marcas em mim que teimam em se ver e outras que vistas, nada deixaram a não ser uma vontade atroz de recomeçar ou reiventar.
Nos meus passos de menina, sentia-me mulher, neste andar aparentemente maduro, sinto-me menina, vejo-me mulher.
1 comentário:
Mas és uma grande mulher!
Sinto-me deveras honrado pela descoberta da escrita.
Também eu me revejo nessa estranha forma de me ver.
Estás tão diferente e, ao mesmo tempo, a mesma Sandra que sempre conheci!
Parabéns minha amiga.
Pedro M. Almeida
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