20 maio 2011

Reli-me, visitei-me nas palavras dispersas que expiro. Já não escrevia há algum tempo. Tenho lido, às vezes, sento-me comigo e rabisco expressões por alivio, comigo, pareço ter perdido a respiração. O meu reflexo fica mais claro de dia para dia, a doce ilusão já não me presenteia, as ideias explodem na minha mente numa desordem mais dura e mais clara. Sinto-me e saúdo-me.
Ganhei ou perdi na tela  em que me inspirei, conheci o sabor de amar mais que sabia, percebi a dimensão de um olhar, a sabedoria do silencio, o alcance das minhas mãos. Fui inteira sem guerra ou calmaria, deixei-me saborear momentos feitos de mim e do tanto que me havia. Falei-me baixinho e acreditei que podia, podia tudo, até sonhar. Podia falar alto, gritar por mim adentro, despir-me desta pele que me queima e atordoa, sussurrar o que me ilumina e amargura. Acreditei que na desordem me tinha, que existia nos olhos que me viam. Eu sabia que ver era mais que olhar, sabia que escrever era, antes de mais, respirar o que a face escondia, sabia que transbordava de ideias sem concepção, sem credo nem sequer medo. Não sabia acerca do tempo e do efeito que tivera em mim, não sabia que as palavras eram apenas o principio e que os gestos eram os passos que pisara sem dar por isso. 
Contei-me tantas verdades que eram mentira, disse-me guerreira e era presa, sonhava tanto, e nem sabia, perdi a voz das palavras, o alcance do silencio. Ofuscada das passadas, das ruelas cinzentas que ainda hoje me atraem, dos cumes e das terras com que pintei o pensamento, das amarras do discernimento e das ancoras ferrujentas e bravias que magoam tanto, tanto. E contei-me ser afinal fraca e fugidia....
O meu reflexo fica mais claro de dia para dia.
Sou grande por ser pequena, tenho esta ferida que sangra e eu aprendi que doía, doía cá dentro. Doia mais ainda sentir a minha presença, descrente, ainda mais fugidia. 
Guardei-me num mar bravio e distante que visito para estar comigo. Ergui a cabeça à descrença numa tal doce ilusão. Não sei se existiu, não sei se foi.

Houve um tempo, em que me procurava e assim, o meu reflexo era a opacidade dos outros, os adjectivos e os contornos, levava-me o vento e qualquer sentimento. Fui obediente e arisca, fui clara e cega, fui carente de fantasia e sedenta de mil vidas numa, a minha. Fui bêbeda estando tão sóbria, perdi-me num horizonte, fui princesa de contos sem final feliz, fui cada lágrima que calei, lutei com todas as forças que tinha, fui foragida das historias em que não me via. Andei tanto até chegar aqui.
Ainda agora, olho em volta e não me revejo.
Esta manhã percorri a cidade que me fez crescer, que me acolhe agora. Precisava de me embebedar dos cheiros que me dão vida, andei devagar porque sempre corri, olhei para contornos e esquinas por onde passei sem sequer me deter, aspirei o rio, ignorei o cansaço da multidão onde me perco, preferi a vida em busca da restea de fantasia a que tenho direito.

Magoada de uma ferida que tarda em sarar. ofuscada pela realidade, tudo mudou agora. É tão claro que exala do meu silencio e das minhas palavras, sou mais que somente a minha estrada. Sou agora este sentido de vida reforçado, sou este sorriso tão calado e tão cheio, olho em mim o caminho, as pegadas, assustada por estar sozinha quando pela primeira vez, desde há tanto tempo, me sinto una, clara. Não gosto do que digo, mas respiro. Não gosto do que sinto, mas é verdade.

O meu reflexo fica mais claro.