23 julho 2010

Nove

Hoje olhei-me com olhos que só a mim pertencem. Um olhar de soslaio primeiro, um cumprimento, diria que à minha frente tinha uma  face madura, pintalgada de rugas no sorriso, um semblante seguro uma cara limpa de cores, mascarada por tons de lua e uma mescla de cheiro a terra e uma flor silvestre que trago comigo.  Parece que sustem palavras que falam mais no silencio que a própria voz com que as diria, tem uma voz feita de guerras e oferendas, uma voz que se cala quando a alma mais sente. 
Tem um  jeito meio desajeitado de andar na rua, tropeça porque prefere, e mesmo assim , se alguem chamasse, fingiria não ouvir, vergonha estranha vinda não sei de onde, vergonha tapada por esta cara sombreada pelos contornos e esquinas que sempre por ela passaram.
Tem morada por detrás dos montes e searas castanhas que lhe anunciam a calma, tem laivos de louca nos actos sozinha que à noitinha só ela  lembra, tem labirintos e encruzilhadas que lhe ferem as mãos de espinhos e agua benta. Heranças marcadas de uma crença que foi embora, de histórias contadas que ela deitou fora.
Será esta cara verdade?
Hoje olhei-me com olhos demorados, detive-me nos contornos, nos traços. Vi-me hoje por ser este dia festejo e abraço, dos laços negros e embaraço, nove anos de passos desajeitados, uns a medo, outros inatos, uns sentidos, outros de fado, sonhos sentidos, tão sentidos que pousam na ombreira da minha alma e chamam aquela corrente que vai salgando de mansinho a minha cara. Hoje vi-me anunciada num papel esquecido, que depositei numa pedra molhada pela maré, um pedido para ser raptada, desgarrada de uma fachada que despi de linho, num mar revolto de mim. Vi-me ao longe, verdadeira, nos contornos que a nevoa  aclara, dançava solta das palavras que tanto calam, tanto.
Hoje olhei-me nas musicas que ouço, nas caminhadas, nas esferas orquestradas de sentidos, nas viagens que faltam, nas palavras que invento. Olhei-me demorada, avistando ainda as ruelas podres onde me desencontrei e adormeci embrulhada, na sede que ainda me invade, nas minhas pernas traçadas, cabelo em desalinho, sem tino, no sorriso disfarçado com que brindo as chegadas, onde todos falam e eu não habito.
Hoje vi-me, nove anos comigo, gemido soando um violino antigo e a claridade que me brota baixinho, de olhos fechados, sem eco, uma história demorada de pressa, reserva que tarda, e um sorriso claro como a agua nascente. Não seria capaz de me dizer apenas, numa palavra o que sinto, não quero aplausos, nem abraços frios e prometidos, numa sala orquestrada. Queria ser esta cara, queria pedir desculpa, queria dizer obrigada mais do que grata, queria uma palavra que abarcasse os sentidos, que se ouvisse na minha alma.
Queria  à minha volta a verdade da desordem e do que os homens não falam, queria falar alto que sou tão rica e tão pobre, tão altiva e calada, tão nobre e sem moral, tão cheia de nada, transbordante de vontade.
Queria ser capaz de me olhar depressa e reter a madrugada que brilha nos meus olhos, às coisas mais despropositadas que a vida me oferece. Dizer-me gritando a luta que me conheço, cada passo, cada conto, que sinto tão mais que pareço.
Hoje brindo comigo, aos meus olhos, à minha cara, abraço esta vida forte que sinto em mim, aceito, e digo-me baixinho: Parabens a mim.

15 julho 2010

Madrugada ainda, cumprimentei a névoa que aguardava no cimo, plena de uma claridade que aspiro, abri os vidros e a alma, respirei fundo e molhei a cara com umas gotas frescas que caiam. Madrugada serena naquele instante, em que a calma vem de longe e o silencio parece ouvir-me na distancia. 
Caminheira pelo que me chamo, desperta, distante, presente, ausente, viajo por cada sentido provando o sabor, engano-me por ter querido ser um instante, um adjectivo....  Pedaços em falta que palavras não são o bastante, digo-me, semente na minha alma que me acompanha, serei um pedaço de cada, plena de uma inconstância que pronuncio letra a letra, que só assim me descrevo, mesmo sabendo que cá dentro, há um caminho sentido, uma chama tão verdadeira, cuja luz me enebria e me cala. 
À tardinha, perco-me nos caminhos de poeira e nos aterros, piso um pó fininho até ficar com o meu cabelo branco, e gosto, gosto mesmo, e brinco quando entro no restaurante fino, que mereço, e os meus pés ficam marcados no soalho e o cheiro a gasóleo me acompanha. E gosto, gosto mesmo, que sou assim na medida em que tomo banho e me visto de cores alegres e me disfarço nas ruas e passo despercebida, de vez em quando.
Gostava de chuva no Verão, de dormir numa cama de bruma e beber agua sem saber de vem, gostava de sentir na minha cara, o som de cada cegonha e que o ocaso me embalasse numa seara vermelha. Gostava de não ser, sendo pedaços que me abarcam na claridade. Gostava que os meus sentidos me abraçassem mais que as palavras.
À tardinha, sento-me cá fora com a D. Elvira, tão bonita, tão doce, tem uns olhos que parecem ondas, e brilham como as marés vivas, tem uma voz calma e, tudo à sua volta é opulência, mas a nossa conversa é sobre o tempo em que nada tinha e tudo era mais alegre. Alternadeiras, somos mulheres oferecidas aos sentidos, somos falsas nas mascaras, olhamos em volta e avistamos a planicie escura e cremos, mais que na sorte, na alma.
Desço a serra. Desço-me na crença....
Hoje apetecia-me arroz de lingueirão naquela barraca de Cacela, junto à praia, apetecia-me adormecer de madrugada e deixar-me ser como me viesse à cabeça.


13 julho 2010

Mescla de sentidos... Misturo uma lágrima e um sorriso, uma luz clara dentro de mim, e esta névoa companheira, dou um passo, de mansinho, será que ainda creio, que ainda sonho?
Abro as mãos, ainda secas e rogo, e peço, que o acaso seja oferenda, que  o caos seja ordem e desordem ao mesmo tempo, que seja assim uma madrugada, um bater de asas renovadas, uma brisa fresca num fim de tarde, uma gota de agua, uma onda calma.
Abro as mãos, apenas...

10 julho 2010

O poder que o mar tem de evadir-me o olhar, de despertar os meus passos e aquecer o meu rosto.
O poder que este mar tem de me ver em cada maré solta.
Descalça, caminho ao seu lado, abraçada pelas escarpas que outrora foram passadas, e hoje, sombras calmas e guardadoras de sonho.
Caminho ao longo da praia, brinco com as ondas que me tocam e tremem.
Caminho abraçada a um sorriso, mansinho que o fim de tarde anuncia.
Apanho seixos e guardo, como um abraço envolto em névoa clara.
O poder que este mar imenso me tem.

08 julho 2010

spiritchaser

Esfrego os olhos quase secos encantada com o nascer do Sol, laranja vivo, percorrido em pinceladas de um cinzento que sempre me pareceu mais que terreno. Ao longe a serra, parece reconhecer a calma que a minha alma roga, num cantarolar inexpressivo, apenas para me manter acordada. A estrada passa por mim, percorro distancias que por vezes nem deixam marca na minha memória. Vou pensando, estou cansada. Um cansaço estranho que o meu corpo desmembra na procura de vontade. Procura de rumo, de norte, como este sol reconhece à minha frente. 
Cansada de ouvir tanto, de me ter cortado a voz na consciência, de me ter domado em somas e gargalhadas ausentes de mim, cansada desta estrada isolada e fechada que já conheço de cor. Ausente, sinto-me tão clara e porém tão desconhecida. Falam-me os olhos, as mãos, fala-me a alma indomada que me trapaça e abraça, fala-me a distancia e o silencio, e a minha boca fechada.
Cansada de uma moral que não me abarca, se num tempo aprendi que é tudo irreal, tudo é falso e orquestrado num magma imoral de conceitos. A minha mentira é a minha maior verdade, um fado desgarrado e respirado onde por sombra não via vida, um sonho desperto que calcorreei testada e sem eco, mentira, verdade, certo errado, reviro-me em conceitos que destruiram tanto da minha alma. 
Cansada das horas zangada comigo, protagonizando um palco sem perdão, sem palavra, cansada de gritar alto e conhecer o vazio da expressão, cansada de acordar desconhecida do que me move, de cada pedacinho que geme em mim de vontade. 
Sou clara na minha falsidade, sou palhaça parecendo tão bem, fui vulgar nos instantes que rodeada de nada, me despertava a verdade de me sentir. Abraço-me com força, com lágrimas que me despertam no fim, a estrada quente cala-me o cansaço, cala-me esta voz desenquadrada que me molda e me julga. 
Quem está aqui?
Estou cansada de verdade, cansada de amigas que não são, mistificadas em almas e mundos e palhaçadas que só escondem o mesmo, no fim, cansada da cegueira de me ver na opacidade. Cansada e aliviada de chegar aqui, das bofetadas pesadas que aceitei calada, como se eu própria me negasse na vergonha de ser. Cansada de normas e morais que, em silencio todos quebram e calam.
Cansada de conotada, expirada, misturada e perdida, cansada de não dizer nada, cansada de falar tanto, cansada de ser revista em moldes de barro tosco, fornada, reflexo de um quadro só de mais uma cor. Espiral de sentidos perdidos e desaguados, sem rosto. Não me vejo, não me assisto e porém, sou vista nas minhas passadas tropegas, pedras doridas e sem jeito, num caminho sofrego e sem rumo.
Desbravei-me a custo, esbofeteei-me mais ainda, perdida entre margens e conceitos que sempre me sujaram os sentidos, de medos fundamentados. Sempre soube falar tão bem do que não me cabe. Calou-me a doença que nunca me disse nada, calou-me a vontade que julgava ofensiva, calou-me sentir da minha alma, cada corrente de abrigo e o preço da venda, numa banca entranhada que sempre me levou de mim, calou-me cada anuncio a falar do mesmo, de mim sem mim, da morte de vida e da vida que me nasce, sem foz, estou cansada, cansada, cansada.

Sou assim, mas só agora, este bocadinho, daqui a nada, sou um sorriso, uma lágrima, uma anedota ou nada. Esta estrada, esta madrugada, acompanhada de uma alma que me grita cada vez mais alto. As escadas anunciadas em que nego sentir-me menos, são passadas simples, choradas sem eco, sem nada. 
Não me desculpo, não me aceito, abraço-me na verdade da falta, da ausencia, da claridade que julguei, uma vez, unica, ver para alem de mim.


04 julho 2010

Conversa

A noite iluminou-se por sobre o castelo, enquanto a magia fazia juz a uma calma irrfletida que me foi domando o espirito... Fui pensando o quanto preciso conversar comigo, sinto falta como se as palavras que a minha boca esboça, estivessem cada vez mais distantes de falar de mim. Pergunto-me o que se terá passado cá dentro. Sei que foi forte como uma tempestade seca de Verão, foi sonora na minha alma de vozes e confrontos e que o ribombar do meu peito ainda me arrasta o respirar. Pergunto-me que foi isto que me roubou a arte de me iludir e passar sem que nos meus passos fique marcada a ausência que outrora mal se via.
Respondo-me pelo receio de me felicitar. A capa de linho crepe já não me tapa no reflexo e foi breve o instante em que me ceguei. Insanas as minhas passadas arcaicas na claridade de mim mesma, toscas, trocadas, sem reflexo nos meus sentidos ou caminhos. E hoje, busco-me neste ardor mais quente que me quebra em mil pedaços. E penso, nesta noite calma, que são eles mais pedaços de mim que toda a mascara orquestrada que outrora me ofereci
Esta noite queria mesmo falar de mim, queria escrever um livro que começasse agora do fim. Queria aquela lágrima que soltava sem palavras e que respirava por mim, queria ter nos meus dedos a leveza de me despir por inteiro e lavar-me numa agua gelada que me tocasse cá dentro onde me doi tanto, e eu sei, sei agora, e pergunto se aqui, agora, me sinto como nunca senti. 
Dei-me as mãos e percebi, que as marés são tormentas, que o meu sonho começa onde as palavras tocavam nas arestas dormentes do medo e da vergonha que caladas faltaram sempre nas conversas por aí. Sou pequena num pedacinho assim, quando ouço desbocadas vozes de assalto, e eu escondo-me nos contornos de sorrisos e frases sabias e desloco-me na minha margem, cada vez mais clara da nevoa que me envolve a mim. Doi-me estar nos adjectivos agradaveis, nos sitios animados, ser simpatica e convidada e nem estar ali. E eu pergunto-me aqui, sentada, nas primeiras vezes que ensaio escolher os sitios onde me quedo e onde me dirijo, se não são estes os momentos mais completos, em que choro e me alegro, e olho em volta e este desconhecimento é mais companheiro que as jornadas acompanhada de nada, e vazia de mim.
A noite passada, soltei um suspiro contido, a minha sobrinha linda, procurava na plateia a minha cara, e no palco, foi vida, foi a chave que abriu sempre a minha caixinha guardada de um outro teatro que enceno todos os dias. No fim, cá fora, enquanto acenava e via as mulheres da minha vida afastarem-se, senti-me sozinha num largo desconhecido, enquanto me devolvia ao calor do meu carro. Percebi que a minha solidão nada tinha que ver com o largo, mas sim com o caminho, percebi que estranhamente já não me consigo ludibriar de razão.  Já não preciso de divulgar que consegui mais um degrau, que tenho andado muito por ai, a resposta deixou de ser o motivo, cresci num turbilhão, os meus olhos despertaram cada sentido pendido de anseio e receio. Ofuscada, tacteei os contornos da demência e da sede de me ser. As palavras perdidas no tempo, começaram subitamente a sair da minha boca com vontade própria, cansadas de me calarem. Magoei-me sempre mais a mim, sempre.
O meu pai, do outro lado do oceano, que me toca sem abraços quentes e me ouve sem uma silaba, mandou-me uma mensagem, anunciava que estava onde o paraiso se faz, e eu aqui,  apetecia-me perguntar-lhe como se faz assim. Mas começo pelo fim, sei que é assim que me confronto, marcada pelas ruas enlameadas onde ainda me revejo, na coragem de ser louca, por cada momento em que o presente me grita, como um uivo rouco, já não é o motivo, é mais que isso, é a minha alma que já não tem névoa.
Sinto falta de um abraço, não daqueles que se dão por tudo e por nada, de um abraço à toa, impensado e sem motivo, sinto falta de carinho que me trema mais do que o simples cumprimento de viver numa multidão. Sinto falta de tempo no turbilhão de me desdizer a custo todas as amarras que a minha mente me ergueu, falta de memória nos instantes em que as marés vivas foram mais plenas que a insustentavel calmaria. 
Sinto falta de um largo desconhecido, com palhaços e malabaristas, gente mascarada mas tão mais perceptivel que esta romaria cega e calada onde me construi.
Amanhã. será sempre o começo depois do fim deste dia, e eu aqui, olho em volta o silencio, não cá dentro, que em mim ecoa tanto, o silencio da casa e da noite. E eu gosto, gosto desta calma que vivo, depois da algazarra animada em que me emprestei sorridente, num festejo que não sinto, em tantas caras desconhecidas que me chamam amiga. Sou colega, se tanto, não sou o que pareço, sou mais ou menos que isso, sou esta cara desconhecida que teima em não se ver.
Amanhã, rumo a Óbidos, vou sozinha, como descobri que gosto, posso virar nas esquinas que quiser e parar para olhar para o ar e não dizer nada, sentindo tudo, descobri que me acompanho mais viva que emprestada às normas de fachada que fizeram a minha mentira.
Hoje queria falar de mim, do que não falo, queria dizer-me ao ouvido que esta caminhada vale mais do que a marcha em torno de nada em que julguei ser confiavel e comportada, queria já sentir o carinho do meu proprio abraço e esta madrugada sem eco em que me aqueço, na crença de ser uma noite cheia para mim.



02 julho 2010

Naquele instante, se a minha alma tivesse voz, pediria meio a medo e baixinho, que me desses a mão.
Se me perguntasses, seria apenas porque sempre sonhara que um momento feliz, seria de mão dada...