29 janeiro 2011

Cheguei agora. A cidade parecia mais escura por sobre a ponte que a avista, distraida na conquista de uma memória que pretendo que não estranhe, as ruas, as avenidas, as luzes altaneiras e as esquinas distintas por cheiros e luminusidades. De rompante, a minha mente retorce-se, entre uma imagem que retenho e esta onda cinzenta e triste. Não quero, estou mais que triste, estou ofegante, estou numa fronteira desconhecida e tenho medo, porque não sei mais que de mim. Não quero por isso mesmo, porque conheço cada lado com que me visto. Que grandiosidade é esta? Que cegueira dos outros que nos assoberba como seres maiores? 
Durante anos, pensei estar atrás, dobrar curvas já pisadas e conhecidas antes de mim, ouvi falar de mim como se me vissem mais que eu, ouvi a arrogância do cimo de tribunas, iludi o mesmo lado da lua onde não gosto de me ver, mas existe, em mim, em todos, todos, vi-me na mesma inveja, na mesma dissimulação e fachada. Fiz o melhor e o pior que sabia, farei sempre, assim  como me obriguei a não gostar de cada noite escura que a minha face reflete. Sou mais inteligente que adjectivo, sou mais carente que esta cara fechada que não fala mas parece ser lida, sou mais descrente em cada palavra do que no silencio onde me escondo e tenho medo. 
Sou mais forte que penso, mais pequena e sim, invejo, invejo muito uma clareira plena que procuro muito mais longe que isto, invejo a capacidade de saber falar tão alto do bom e do mau, invejo o que sinto e não descrevo, o que amo e não tem reflexo, invejo a intenção de ser inteira sem esta consciência. Invejo a distancia da mentira e da ilusão, da má intenção e do julgamento. Admiro cada erro com que se cresce, humano, o amor que não é mais aqui ou ali, é por si só.
Esta cidade parece mais escura e mais ofuscante agora, grita-me o mais triste e o mais sublime, e eu não sei mais que o que sinto, e se falarem por mim, que me conheçam pelo menos. 

24 janeiro 2011

Olho para os recantos, para as flores que plantei, para cada caixinha colorida, fecho as portas devagar, o silencio deste canto reconforta-me e tantas vezes me atormentou. Falo comigo, das histórias que aqui ficam, das que imaginei e com as quais me vesti de crença. Reconheço que neste espaço, poucas foram as vezes que senti mais presença, a partilha e "desistência" de um controlo só de mim. Tenho em mim os cheiros, os ruidos lá fora que aprendi a ajustar no tempo. Já não me apetece falar de tempo, se o reparti num futuro mais cheio de mim, se nele cabem sonhos e silêncios, se levo comigo tudo o que em mim habita, a genuinidade que quase esqueci ser capaz de me ocupar. 
Já conheço o respirar que me alivia em cada memória, tornei-me cumplice da minha consciência, da clareza com que me avisto, se deixo quedar-me aqui sem nunca ter aprendido realmente como se faz. Não sei se choro de alegria, se de medo, se de credo ou simplesmente porque o meu corpo falou sempre mais alto que eu; sei que em mim há uma luz que brilha e é tão forte, tão forte, que me enche por inteiro.
Ontem, foi passado, sou agora, este momento feito do nada que é mais que tudo, rumo ao ponto de chegada sabendo ser mais partida, como soube que cada principio é antes um fim. Levo comigo apenas a parte mais bonita de mim.
Não sei do telefone, deve estar na mala, sei deste vento nascente que me agita, dos meus dedos que ganham vida nas palavras que me saem sem compasso nem reflexo, sei desta força que nunca senti. Ainda tenho medo de acreditar, já devia ter passado, não sei, e esta calma, esta nascente sentida, tão querida, tão pedida...
Levo comigo a parte mais bonita de mim.

15 janeiro 2011

A maré revolta tem o mesmo cheiro, queria que visses a mensagem que as gaivotas parecem deixar num bailado preciso e misterioso, difícil de decifrar, como um canto antigo que fala do que as nossas mentes já não sabem ouvir. Os contornos que outrora aguardavam uma história que não soube contar, parecem agora mais sólidos e sisudos e os grãos de areia amparam passadas vazias que deixo marcadas enquanto caminho em direcção ao mar. Revejo-me e atordoo-me de mãos frias.
Queria chorar antes de te contar em palavras como tem sido, queria rasgar-me por inteiro e despir-me de pensamentos, olho o mar e sei que o sentido não é a direito, por isso invento o sul no horizonte poente e sento-me no mesmo lugar.
Também o  meu amigo já não está aqui, habita em mim em cada momento do meu dia, sinto-lhe o cheiro e a alegria, sinto o carinho. Uma chuva forte acaricia-me a face quente e vejo-te no prolongamento do meu olhar cego e desmedido. Mais forte que o alcance das minhas mãos, mais certo que cada gesto, são os traços que trago comigo, é este tempo já longo que passa e em que mal me reconheço, é uma clareira soalheira no meio do mar, claridade ofertada que ousei saber sublimar.
Lembro-me da minha boca ter mais vida que as barreiras da minha mente, dos gestos significados em silencio de um mesmo olhar, de nem saber acreditar por isso, que me era devido ser por inteiro sem ser preciso explicar.
Os meus sonhos estão comigo, guardo-os no meu bolso infinito e, calada sei adiar revê-los um por um. Mascarada de palavras, falta-me forma de as moldar, perdi-me na ansia de a encontrar, mesmo assim, converso contigo todos os dias, no meu jeito sem jeito de me decifrar.
Esta chuva forte que alaga os pedaços de terra que a memória me oferta, analogia do horizonte estendido em mim, foi mais forte que o que sempre julguei poder, foi rasgado da noite que não vi nascer, desperto em mim como a maior lição, e agora, as paginas viram-se na ventania sem que as ouse deter.
Meu Deus, a ironia da vida beijou-me um sonho, como se em silencio, gritasse o meu poder, apartada da minha parte que aqui revi, sei de cor, envergonhada, cada certeza, cada palavra que não me cobre nem tapa, que não me protege nem me mostra. Estou aqui sentada agora, na sombra desta escarpa, tão perto de mim.
Trouxe o sol mas ele brinca lá longe, o mar revolto parece assustar o meu amigo recolhido, que tal como eu, sente falta, chamei-lhe "Badalito" porque ele balança como o vento quando o mimo, dá saltos de lado na minha direção, não me parece que por agradecido de um capitulo enfim feliz. Encontrei-o abandonado, faminto, aprendeu o bem e o mal que o "raciocinio" nos faz, levou pancada certamente e respeito-o por isso.
Renasci-me de vida, deitei fora os adornos que não me diziam, sinto-me forte como esta rocha, capaz de tudo quando já nem cria, perdi a voz das lágrimas e sorrisos preditos, aspirei o caminho que sigo, sinto-me  madrugada hoje.
Guardo-te na maré mais forte, sorrio por te inventar crescente para lá deste horizonte e habitante de mim.