26 fevereiro 2010

Gustav Klimt, Árvore da Vida

Olho o tempo cinzento de uma janela, está mais frio em mim que lá fora. Olho a vida que passa alheia, olho as margens que já não me escrevem e os poemas que a noite anseia. Olho a chuva salgada que me molda, arruaceira calada, transpiro a seiva molhada de mil formas.
Em mim, sinto todos os lugares onde me vi florescer e sorrir, zangada, mando-os calar e eles falam mais alto que  a voz que treme desgostosa. A gargalhada assolou-me de tal forma que ecoa agora como trovoada. 
Da ira, restam agora cinzas espalhadas. Doi do tamanho de uma nevoa azulada num qualquer fim de tarde.
Mestria em esgrimir e encenar estares enquadrados e ritmos conjugados aqui e ali, não estou em lado nenhum e porém, ouço-me como nunca me ouvi.


23 fevereiro 2010

Aperto o casaco até ao pescoço, escorre-me água das mãos e da cara, os meus pés sulcam valas na lama castanha e branca, o céu irrompe de cores e o vento solta rugidos. É Inverno, pois então! 
E a serra parece soltar gemidos de um prazer só dela, de contornos definidos, sentida e beijada pelos elementos, tocada por fios de vento, percorrida pelas correntes da névoa anunciada e sedenta. Sonhada das marés que a habitam, das histórias que mal se ouvem e se sentem, tão fortes, tão quentes. Sonha, abraçada às nuvens carregadas de vida, e sente...
Em baixo, ao longe, distingo vales cinzentos, transpiram uma saudade de visibilidade que me custa explicar. Para quê? sendo Inverno, aceitam a agua que escorre das escarpas e apregoam firmamento, frios e zangados, soam vozes alucinadas de descontentamento. São as falésias precoces e os pescadores que aguardam, sentados, enfeitados de redes que as mulheres tecem, agradecidas pela presença dos seus homens à beira da praia tantas vezes olhada.
Não vejo as gaivotas em terra, e habita-me a tempestade que espera, vida.
Do cimo da serra, visito os lugares onde me vejo, beijo com a alma que me fala tão mais alto que a história que mal teci, sinto o meu mundo na metade que a noite reclamou, e tocada pelos gemidos da serra, gemo eu também.
E vou riscando as linhas do meu papelinho.
" Não consigo deixar de me guerrear, porque antes, apesar de tudo, sentia-me boa pessoa, e agora, ando aos pontapés com as palavras amargas que me digo"

Pensei nisto toda a tarde, o tempo que me traduz a escolha, metas infinitas de raciocínio que não domino, são aluviões que me invadem, sem aviso, são as distancias entre a Eng. não sei quê e o  Senhor não sei quantos (recuso-me a aderir aos acordos, tenho até Março para escrever como entendo ser Português), são as  as arestas que me ferem, outras que esculpo, são as conversas das partes com o todo, são os episódios que me caracterizam sem que lhes pertença, são as pisadas escorregadas e as entremeadas heranças que me enjoam, que me alertam e atordoam. São o lixo que a água não leva, são os rios da minha mente desconexa.
Até que num instante, ouço e grito, cansada, estremeço, e sinto, e doi, e sinto mais ainda e a dor traz-me evidencia e claridade, e eu choro e as lágrimas oferecem alivio. E, chego, e o sr Antonio diz-me que estou triste, e eu sorrio e dou-lhe a mão, e passa um quarto de hora que sou a S. que sei o que digo.

Por ora, chego, a sala branca está ainda mais fria. Tenho um dedo automatico que levanto e sorrio, outro que fala e assente sem presença, revi colegas, conheci caras novas de quem espero ensinamento e mais um avo da caminhada, até da minha memória desconfio, troco as certezas e esqueço tudo menos a cabeça que não pára.
Passo-me pelas noticias, teço homenagem à ignorancia induzida e à esperança que guardo, enfrento com as palavras o que outrora calava, já feri o que tinha a ferir, já baralhei o baralho de cartas que julgava miseravelmente ordenado. Nada... Ordena-se a desordem e eu vejo, vejo o afunilar da estrada e o vento que me escorre nas veias, vejo o som de mim, gritante, cada vez mais alto. 
Faço contas, no Gigas, as faces passavam e eu cumprimentava sem as ver, se me pedem relatórios, preciso de escrever, papelinhos, notas, contas de cabeça, chega, não chega, pirâmides de primeiras e segundas coisas, quanto custa, com quanto fico.

Tenho saudades do tempo que simplesmente amuava. Virava costas ao mundo e decidia que ele era o culpado disto tudo. Saborosa ilusão, já não chega. Sinto-me estranha, não preciso mas dava tanto por um abraço que não serve de nada, é só um apertar de braços, um quente finito, uma troca de cheiro, só isso, é só isso...
Hoje a minha mente andou para trás muito, quando a fui buscar, deu dois saltos em frente e levou-me ao passo seguinte, e eu não amuo, já não é o mundo o culpado, sou eu atrasada e guerreira cá dentro. Porra, quedei-me no meu sitio, e ofereci-te o que me transborda,  e sequei-me e olhei em frente, lá ao fundo, onde não distingo os contornos do vento, onde me encanto, ainda. Pensei na triste arte de navegar nas palavras na procura de descrever o que não tem partida nem chegada, o que não tem principio nem fim, o que não tem dominio escrito. É essa a novidade, será que descobri que sinto mais que empreendo?

No minuto seguinte, sigo, deixo-me de tretas e rezo-me "Faz-te à estrada, olha para a frente"


22 fevereiro 2010

Madeira

"Nas ribeiras ainda corre uma água castanha, rápida e rumorejante. Um som estridente, semelhante a uma gargalhada. Ao fundo, o mar espera, cúmplice. De certos sítios, agora calmos, ninguém se aproxima, com medo, como se ali tivesse rugido uma fera."


Sem palhaçadas politicas nem a glamorização bizarra para efeito estatistico e venda barata, sem o frenesim da inconsistencia de pensamento. Trágico de tão real, furioso como se define o rugido aleatório e grandioso da Natureza. Apenas a descrição sentida do silencio que emerge, sem palavreados.
Fiquei por momentos, simplesmente a sentir o que não conheço.

21 fevereiro 2010

Pousei o pé do lado de fora da margem que me sustenta, agua cristalina que elabora peninsulas, que passa depressa, baixo os olhos e vejo o fundo refractado, a ordem da minha visão, é mais clara por vezes, tem cores que os meus olhos não discernem de imediato. O meu peito transborda de uma vontade nova, nova por ser decisão, vontade feita de mim sem mais nada, vontade que , nasceu, renasceu e vive comigo.
Urgencia a minha, calada a equação desenquadrada, dos laços de orgulho e dominio, ser dona do agora e do depois, munição desfasada do que me faz. A minha avó dizia que o preço e o valor de cada coisa, definem-se na falta. Na falta, falta de mim. Que evasão pequena, querer juntar no presente, resguardo futuro, se o que levo comigo é a minha alma vergada de laços e embargos, que me escondem e me calam? O valor da falta, tremendo, sou urgente no que me devo.
Agradeço, de dias sofridos, como não sabia entender, tenho pressa de me unir, tenho pressa de crescer a cada movimento, de calar o medo que já me calou tanto. Tenho livros que esperam, tenho sonhos empoeirados, tenho o corpo cansado por ordem do meu desprezo. Agarro os momentos com os meus sentidos, dadivas de vida que ensaiei apenas. De cada lugar que o mundo oferece, deixo as vozes que foram mais fortes do que as brotadas de mim, deixo os laços que desaperto devagar, estão entranhados em mim, sulcados na minha pele. 
Adjectivos e reservas, inicio da madrugada fronteira que morta me ilumina, na substancia mais digna, mais verdadeira. Rios salgados, contradição e guerra imposta das minhas armas e bandeiras hoje depostas. E agora? Agora, renasce o essencial, o fundo cristalino da agua, renasce cada poro ainda dormente.
 "De tanto recompor-me destruí-me. De tanto pensar-me, sou os meus pensamentos mas não eu" FP
Não sei o que penso, não sei o que fiz de mim, por isso, não penso, nem me reponho, tenho um mar ao longe, feito de fundo, de margem, feito de cada pegada de mim. Tenho pés e caminho, se penso, se desfaço ou nada me pertence, ao longe, no horizonte, há o reverso dos cumes, Meu Deus, de embaraço e medo presente, quis construir o meu futuro, sendo este amanhecer crescente, sendo eu sedenta de vida, tanto!
Já não tenho voz, a minha face não se expressa, sequei as palavras pensadas, digo o que o meu corpo precisa, ouço a vontade expressa nas minhas mãos, olho o caminho que os meus pés pedem, sou inimiga de destino. Lutei contra pensar em ser menos de cada vez que tive que encarar a obra da herança que o passado me ofereceu, lutei quando já não acreditava, fui companheira e inimiga de mim. Por um tempo, por agora, por hoje, sou mais querida à loucura que me transborda que aos ensaios de menina bem comportada ou mulher sem eira.
Arrogo-me o tempo, arrogo-me a guerra e não esqueço, não posso, o que sinto, é a obra mais simples que tenho, é a palavra, é uma madrugada infinita do meu desassossego e respiração.

20 fevereiro 2010

Não sei de onde vieste, olho para ti e tento decifrar a história,  provavelmente o meu descrédito inibe-me de te ver simplesmente perdido. Escolheste entrar pela porta, cheiraste tudo, caiste nas boas graças do amigo e agora?




Adio, cada dia, esse olharzinho,não sou capaz de ignorar!!!
O que faço contigo?
Hopper

Saboreio os ensinamentos que a Terra zangada me sopra ao ouvido
Ouço-me, nascente, poente, capaz..
Bebo a ordem, fascinada, transbordam de sinais os elementos.
Mar revolto, terra irada, fogo solto, morte, madrugada.
Sinto o meu corpo disforme do contorno da minha alma.
Sou pequena, estou comigo!
Por um dia, celebro a harmonia de ser vida, de ser em mim, mais forte que as ruinas ancestrais das palavras. Celebro a madrugada que se fez, celebro a foz e cada nascente de agua e terra que o meu olhar transborda.
Ergo as mãos suadas à lua pequena e peço ao vento feroz que dispa o mundo, que me inunde de ser capaz de me fundir na voz que a noite mais clara traz.
Por um dia, recordo o futuro desenhado a giz numa pedra cinzenta e que a inercia levou.
Desenhado em mim.
Asas soltas, presas
Luas novas, cheias
de um vazio laçado de negro
Mentes venenosas, todas
Ditadas de eco feroz
Serpentes de percurso sangrento
De força incapaz
E esta alma?
E este sopro de vento tão forte?
E este silencio que nos traz?
Palavras
E as minhas mãos?
E os sentidos?
E esta voz?
E o riso?

Como se calam os ceus?
Como se apagam os sons?
Como se dita a respiração?
E se enganam os sentidos?




19 fevereiro 2010

Vou construir uma casinha de granito com paredes de contos antigos, janelas abertas à vida, com cortinados de jasmim, soleira de terra batida, e um murinho caiado por mim; uma porta de coragem e uma lareira pequena para me sentar em frente e aquecer os  pés descalços enquanto asso castanhas,  uma cama de penas de pássaros que hão-de retornar na Primavera e  desenhos de cada memória pintada a carvão e todas as cores lembradas. 
Um tapete de retalhos das histórias que hei-de contar um dia e um radio antigo que ainda toque as musicas que me fazem chorar. Uma arca de mogno onde hei-de guardar, embrulhadas em papel de manteiga, as vozes alucinadas que me ditei e as feridas lambidas que tardam em sarar, abri-la-hei de vez em quando, até sempre. Uma gaivota que pouse na janela e me acorde antes do sol nascer e o som do mar presente me adormeça e adorne de sonhos e vida.

Assim, o medo não tem morada , nem cadeira, e nunca estarei sozinha, acenderei uma vela de companhia com cheiro de flores do campo e visitarei as vizinhas de lenço aos quadrados na cabeça e rodilha. 
Direi bom dia mal acorde, abrirei a janela da vida e cantarei ao pastor no alto e ao faroleiro na enseada, dançarei com as moças na eira do largo, com uma azinheira no meio. Vou escrever as musicas que a minha avó cantava, sentada à beira do ribeiro fresco no vale fronteiro à casa.

Farei um carreiro de pedras pequeninas, semeadas e beijadas, uma a uma, um caminho soalheiro e bonito, sombreado de alecrim e rosmaninho, de onde o vento traz o som dos sinos que tocam a cada hora, e sentar-me-hei nas tardes quentes, à porta, de livro na mão, à espera, à escuta!
Pedirei noticias aos ventos de Norte, às vagas cheias e às cegonhas. Terei água fervente no canto mais quente da lareira, misturado de fumeiro e brasas.  Terei as faces vermelhas de vida e da terra que semeio, trarei nos lábios as viagens que faço, nunca sabedora, sedenta de subir mais além e espreitar o que os cumes escondem.


Os meus olhos hão-de brilhar de cada vez que a neblina acordar no horizonte e o canto dos passaros embalar a minha escrita, feita de sopros e sorrisos, feita de mais que palavras.

Em frente à casa, hão-de haver crianças e brincadeiras, gritaria misturada com terra e violas anunciadas e há-de haver sempre pão com azeitonas e manteiga na mesa de madeira por debaixo da amoreira verde, sempre fresca.  Há-de haver uma escada de xisto que dê para o largo da aldeia, e as noticias serão cantadas de boca em boca.

O cais meio, reconstruir-se-á por força do meu engenho, de mãos amigas do sul que trarão centelhas nos olhos e ajuda nas mãos rudes da vida. Também ai me hei-de quedar, nas tardes mais frias, envolta na manta colorida, de olhar brilhante na luz que traz cada dia.
Quando a minha cara quente se soltar, será madrugada, será una, será, só uma face, uma alma, uma vida, e as palavras que guardo serão ditas sem uma palavra, sem um silencio, estarão escritas em cada pedra, em cada lágrima, em cada sorriso e gargalhada.


Estou cansada, vou sorrir, vou sorrir, vou-me lembrar de cada passada, de cada queda e dos moinhos de vento que hoje sei o que são, era cada medo e descredito, era eu mais que tudo, perdida na multidão da razão envenenada, perdida nas casas brancas e na fumarada, era eu alucinada de sentir mais que eu, era a minha alma desgarrada que entoa tão alto, ainda agora a voz mais clara que de mim saiu. Já não servem as vestes ornamentadas, esta calma amargurada é agua, é sede, é face tão clara que me aguarda. 

16 fevereiro 2010

Alheio-me do mundo findo, solto os pés da Terra, sabedora das esferas e dos ciclos, leio-me por dentro, acordo do conto rupestre, deste canto onde já não pertenço há tanto tempo, antecedo a voz, calo os fantoches e as mascaras que bailam na minha mente, relembro a descoberta de ser uma, cabe-me o mesmo silencio que me ofereço por respeito. São como as musicas de qualquer lado, como as palavras ridas e as vociferadas, por isso me evado, porque tal me devo.
Os pedaços que me rodeiam, terra onde não estou, já seca há tanto tempo, insistência numa existência sem sentido, atroz a minha ingenuidade de julgar ser capaz de coexistir.   Pela primeira vez, não lembro o que já tive, porque verdadeiramente, nada me pertence, a não ser a memoria do meu esquecimento. Cresci e morri nestes dias. 
Passei os últimos dias aquecida das palavras doces da minha mãe, ouvidas de mãos doidas de me despir e aceitar as palavras que tinha para lhe falar de mim, sem colorir o negro, sem esconder os detalhes, nem me preocupar em ensaiar, cruas, cruas. Tento ver a alegria de uma vez, em silencio, decidir o meu horizonte, a direcção do meu curso, se sonho, se vejo, e se acredito, é meu património, meu sentido e meu ensejo.
O meu chamado porto seguro, a restea da história já finda, é materia que não rogo nem exijo, o património que arrumo, é mais que isso, arrumo facas aguçadas, desmembro palavras e ilusões. Envergonho-me da minha necessidade de me sentir pertença de alguém, quando cada sopro de mim, está distante há tanto tempo. Envergonho-me mais ainda dos meses passados em bicos de pés, tentando entender os sentidos, calar o medo e acreditar no que sinto, ao mesmo tempo que colhia marés crueis e desabrigos enaltecidos.

É pequeno e não repito, mas estou ferida e prezo este sitio, e quem nos últimos três dias, me inspecciona, as palavras, apenas, à procura das ruinas romanas em tela verde, de pegadas na minha praia, não me conheces, não sabes quem sou e eu não quero saber quem és, mostra-te tu primeiro, não sou um comentário e muito menos só escrita! Sou a Sandra A., e as palavras mais bonitas que alguém já me disse, não estão escritas , não foram adjectivos, foram vistas, sentidas, foi "sei que choras por...., sei que gostas de ler Duras e Yourcenar e pertences ao Alentejo, sei de ti, de dentro!" , foi "Amo-te", ao ouvido, foram ditas em silencio. As palavras mais bonitas saem de madrugadas feridas e sofridas, os ocasos que me estremecem e obrigam a mudar e a gemer do que sinto.

Não sou livre por inteiro porque ainda não me pertenço, porque ainda caminho na capacidade de me ver, de acreditar em cada rasgo de mim. Sou mais do que a visibilidade das pesquisas ou de outra coisa qualquer. Não sou de ninguém, nem ninguém me ama, sou ilusão apenas! Sou a Sandra, anonima, pequena, que ainda ensaiava a vida enquanto ela passava. 
Sou o registo de 39 anos comigo e de costas viradas, sou o somatorio das vidas felizes e sonhadas, da dor e da doença, sou agora e mais a seguir, não sou leitura.
O resto, centelha passada, marés vazias, moedas contadas, sonho desfeito, silencio e magoa.
Conto o que realmente me pertence, cabe em poucas malas, o resto não quero, está marcado na minha memória, é angustiante esta sensação de desabrigo, de procura de uma morada que nem cidade ainda tem, rio-me para não chorar mais ainda dos silencios envergonhados que de repente se lembram dos momentos em que estive, em que me esqueci de mim por achar mais importante estar, "Amiga, Amiga, Amiga", tudo me parece mentira na verdade que agora vejo, destes dias de silencio e palavras definitivas.
Não sei se estou triste pela dimensão dos ciclos, pelo tamanho da mala, pelo nó na garganta, pelo meu amigo que me olha surpreso, pelas horas que tenho passado, se pela alegria de fazer por acreditar em mim, e isso não se achincalha, não se goza nem se maltrata, é manufactura de mãos pequenas como as minhas.
Na verdade, sou mais do que vejo.
Se calhar, a verdade ancestral do caos, é a mais sincera e real, ordeno em mim cada desgoverno, medo, insanidade, loucura, cada memoria e cada ideia.
Não me interessa o passo seguinte, porque o agora é real, cheio.
Choro pela invisibilidade e pela minha inexistencia.
Uma mão cheia de mim, outra cheia de nada!


15 fevereiro 2010

歲次戊寅






Ontem ouviu-se um relâmpago nos antípodas deste chão, a Terra tremeu de alegria e os oráculos anunciaram vida aos cães como eu, sangue corrente nas veias e respiração.

O terceiro signo, de coragem, coragem, mudança e paixão, desordem ordeira, revolta amena e extremos audiveis. Tocarão trompetes e dar-se-ão rosas, de bocas salgadas e explosões de sentido.
Mais que dias impostos e inventados, forçados a recordar conquistas, derrotas, amor sim não e gargalhada, ontem foi dia celebrado há milénios, do outro lado do mundo, que me encanta, que me fascina e cujo misticismo tem fundamento.
Sou cão, matraca , e garça real!
Durante muitos anos, quis voar para o Oriente, fascinada com a cultura ancestral, com a ordem dos pormenores, dos simbolos e rituais. Como se escutasse mais sentido nas palavras que são ideias e não caracteres.
Celebro agora a coragem do tigre, o vermelho do terceiro, peço-lhe que me ensine e me envolva, que me diga que sou mais que vejo, que rosne e me arranhe e me faça tremer de vida.
Ontem, ouviu-se um relampago que a profecia dita terminar em lagrimas. mas conquistar causas perdidas e voltar o mundo ao contrário e, eu acredito, acredito!
Acredito no tempo, nos lugares, nos elementos, acredito no que me faz chorar de dentro e no que me ensina sofrer, acredito na lua que chama marés, acredito nas marés que beijam as praias sedentas, acredito nos rasgos de fogo que se vêem uma vez, e acredito na força da terra que acolhe sementes pequenas.
Acredito acima de tudo no que não ensaio pensar e a minha alma desenha em cada lugar, em cada tempo.
Acredito saber menos que os seres deambulantes, que os rugidos distantes e os uivos secretos, e assim aprendo por  dor ser crescimento.
Bem vindo ano novo!

"O importante não é o dinheiro, a fama nem sequer a glória, o importante é aprender a sofrer"



Ainda estou aquecida do enredo que escolhi. Tinha tudo o que pedi, era uma história de amor, amor mesmo de não poder ser de outra maneira, de olhares e pés descalços. Tinha a cidade, as ruas, as avenidas, tinha Alfama e a Graça, tinha nascer e renascer, tinha o cheiro de Lisboa, tinha um cão pequenino, e amigos que falavam várias linguas em unissono, tinha teatro e vida, e avenidas rodeadas de jardins. Tinha o Adamastor e o Panteão e citações de Nietzche, tinha pormenores...
Ao meu lado havia casais e as eternas pipocas, e riam e eu chorei, não de tristeza mas de qualquer coisa, dobrada e abraçada aos joelhos, sai de mim até mim, vivi uma história.
Tinha a minha lingua quente, tinha dois corpos alienados e dançantes na rua.
É meio maricas, eu sei, era o que precisava, foi o mar e o cheiro que ele emana.
Sózinha na sala escura, derreti-me de sentimentos bonitos, quis tanto viver a minha historia, assim.

Não sei se existe, se é assim, sei o que me impele e desnuda, sei o possivel que é a loucura, sei de fim e noites escuras mas vivi este filme, como manhã submersa e tarde vindoura. Seja loucura ainda assim, senti-me tremer, senti a minha cara molhada, numa fila só minha e esqueci as pipocas e os risos.
Precisava desta história, só isso!

14 fevereiro 2010

Dia dos namorados

Hoje?
Hoje é o dia que lembro e me esqueço.
Hoje é o dia que não pertence
É dia de ver o mar
De me dar um abraço grande grande
De andar de mãos dadas comigo
É o dia que sonho com o que não tive
E pronto!

13 fevereiro 2010

Senti-me envolta num abraço que foi, num instante, mais que vida. As palavras saiam cortadas, saiam misturadas com medo de as dizer, fui falando, fui ouvindo, sem pedir, fui ouvindo a minha história, o que me trouxe aqui, a voz serena da tua história, a memória de mim.. e no fim, de cara molhada, tão mais leve, não esquecida de cada pormenor que me sujava, afinal o que se passa é somente perceber a alegria de tratar de mim e decidir.

Choro por ser mais que anedota , tem-me doido tudo, tentei decidir sozinha e aceitar a gargalhada que me cabia, e cá dentro as queixas não serviam, e o que servia era demasiadamente grande e a minha mente dormente esquecida de vida e eu calada, e ela ria, e eu chorava mais ainda numa seara acastanhada e pedia e recebia nada. Se precisava ou não, nunca saberei, sei que me senti como no dia em que me sentei e arrisquei tudo. E a tua voz, calma, e o carinho.
Devo-te o inicio, cada um, e as lágrimas fizeram um sorriso de alivio, não estou louca, estou comigo.
E risco mais uma linha do meu papelinho
É bom o que sinto, é de mim que falo, um momento pequenino de vida, de fé, de crédito.

Obrigada mãe!
Sempre fui demasiadamente distante da minha expressão, e os meus olhos não brilham, não podem.
Talvez por isso me saem poucas palavras ou nenhumas e estranho, procuro o conteúdo apenas.
Talvez por isso magoo e sinto de uma alma pequenina que amo tanto.
Perguntas-me se vivo, sei que não, é essa a questão, foi esse ponto de partida do meu silencio, de cada gargalhada que hoje me cala, é essa a razão da minha dor e caução.
Estou aqui no limiar da porta até à existência sublime que me faz dentro e após o embargo destruidor da minha obra que me calou e doi tanto. Gostava de pedir qualquer coisa, sem motivo, gostava de te dar um abraço, e seria o mais sentido de todos, gostava de ser Fevereiro já passado, gostava que fosse uma vez tempo meu aliado. 
Hoje, todos os lugares, todas as coisas, se uniam na mesma mensagem.
E estranhamente, atrasada e decidida, não elaboro mentalmente as equações de deve e haver, tenho uma divida tremenda, não imaginas o quanto, com tudo, com o que sinto, com o que soa cá dentro.
Estou ai, estou em tudo o que nos faz, por isso mesmo me calo agora, só um bocadinho para o sentir e fazer.
Lembras-te de há uns anos, te ter dito que mudei tudo no dia em que já ninguém acreditava, mas no momento em que senti, lembras-te que o tempo foi sempre uma anedota para mim, como se brincassemos à apanhada desde sempre? E tu estiveste sempre comigo e eu, estive sempre contigo, mesmo não vendo.

Se olharmos  no fundo dos olhos, vemos, mesmo que a nossa história seja tão diferente, entendes o que sinto, tal como eu entendo a revolta, o riso e o fim de tudo, e creio, do meu fundo, que estaremos de novo, nesse sitio que tem o meu sentido, e por isso a tua presença, e será outro tempo, de conteudo e visão. São dois passos, minha irmã, é só isso que se apagou no meu olhar! E dor.

11 fevereiro 2010

Antinomia

Resulta do que de mim partiu, resposta à questão enublada, à noite que deixei que se abatesse, parada, sou capaz , ainda cá estou, uma pegada pequena mas feita de mim.
Olhei a pauta, não sorri, não pulei de contente, olho-me e respondo-me com todas as letras pela contradição que fiz de mim.
Tento, neste tempo, arrumar cada gaveta empoeirada  de aporias, tento ver-me o mais longe que posso dos conceitos que me defini, do medo de razão que me quebrou e desmembrou em imagens sem cor, distantes do que guardo e sou. Desadequada e magoada, calcorreio o passado, não procuro a explicação, procuro o sentido  do meu paradoxo. 
Procuro no mais fundo de mim, cada pedaço capaz de me calar para sempre, do medo induzido, deste veneno que me mata e não me deixa viver.
Não me vale recordar das conquistas meias, das lutas travadas, das guerras ganhas, importa-me sentir a vontade genuina de lutar por mim, da vergonha de o não fazer, dos valores que escondi, do respeito, do melhor e pior que guardo. Importa-me a coragem que esqueci.
Passam dias que sinto mistura de loucura e de uma sanidade repentina que não sei de onde vem, não falo com ninguém, rendo-me à necessidade de olhar-me de frente, zangar-me, ofender-me, abraçar-me de dentro, crescer de uma vez. Penso em ganhar e perder como um átomo de vida perante o rasgo de fogo que deixei cair em cada passo não dado. Penso no fruto do medo, o nada, na sede de me ser una e mulher mais que sonho ou qualquer, penso no que me devo, na vida que me habita cá dentro e que não deixei sair.
A sede torna-se aos poucos a expressão que me sai dos poros, dura, custa falar realmente das coisas, custa a dor e a culpa, custa mudar caminho, custa acreditar.
Penso no tempo, na antinomia de mim, assim não penso, sinto-me, tenho medo, sei que tenho, mas só passa se rasgar cada elo que me embaraça.
Prendem-me filamentos de ser menos, limitada, ser gargalhada final, nunca o saberei a menos que, como nesta pauta, me cale, me mostre de vez....

10 fevereiro 2010

Este sitio foi-se tornando importante para mim, criei-o na vontade de acreditar que poderia construir do rol de ideias e sentidos que me faziam. Com o tempo tornou-se mais que isso, por vezes leio e retiro o exacto instante em que escrevia. Aos meus olhos, tem cores bonitas, por vezes feias, tem palavras minhas e outras fonte de ideias.
Tem vozes escritas de cada defeito e virtude, tem verdade sentida e esboços meio loucos, tem palavras de raiva, de dor, de alegria, tinha sonho, meio fantasia, tinha obra que os meus dedos às vezes criaram sem pedir licença à minha razão.
Perdi a voz de escrever, precisando de nela, me ver, perdi a coerência que os meus dedos ditavam e o corpo que é tão mais expressivo está distante, recolhido. Gostava de saber expressar o que sinto, penso que quase tudo ao mesmo tempo, ou então, apenas a necessidade tremenda de me sentir. E porém, secam-me as palavras que mal conheço, não as defendo.
Escrevo, escrevo um papelinho num café, com a lista urgente, sublinhadas as letras a sairem me da boca para falar acerca do meu mal me querer, a boca seca que anuncia o preço que já conheço, tenho escrito na minha mente estes dias, de horas, de minutos e segundos arrastados. 
Escrevo, desordeno as peças baralhadas, misturadas com mil adjectivos que comprei para me dar. 
E na minha cabeça, explodem, à razão de instantes, verdades envenenadas que nem bebo, nem mato, uma fraqueza demente, solidão, mistura jogada de convicções passadas e morte anunciada, simplesmente por acreditar em tudo, menos em mim. E foi sempre assim.
Arrastada pela obrigação de uma vez, me olhar de frente, tenho passado o tempo, em que tudo o que me é devido, apenas me passa, a perceber que na minha vida, gritei ter dado tudo, menos a coerencia de me dar a mim, que sonhei, que sinto como louca, mas os passos foram sempre pedintes pela não convicção do quanto sou capaz.
A guerra que me encerra, é só essa, porque cá dentro, eu sempre soube a obra minimalista de mim que hoje  me retrata, porquanto me rejeito e desamparo. 
Fere-me tudo, mais ainda por vazia, menina mimada pedir que me amparem, se não me aposto nem me acredito. E se me custa aceitar isso, como me custa o ar admirado como recebo ainda os resultados de cada esforço que faço e hesito, " se mostrar o que sinto...".
A meio da vida, tremo por dentro, porque me habito e adivinho cada palavra que escreveria, desembargada deste descrédito antigo em mim, nada mais que isso.
Talvez por isso, nunca me tenha visto, porque não me revolto contra a guerra sentida que não me dá mais nada a não ser pressupostos, duvidas, medo, descredito, que sei justificar, não valendo nada.
Tenho fé ainda, tenho fé numa voz que ainda me fala de mim, despejada do lixo vivido e desta loucura imposta. 
Escrevo agora sem mais nada, desabafo apenas, na esperança que a vergonha me faça crer, querer e poder.
Patetica dor da passividade, maior ainda a verdade de me olhar e perceber, lutei por tudo na vida, conquistei o que devia, só me esqueci que era  de mim que falava. 
O que guardo por dentro, sentido e tão maior que a minha obra, é agora força misturada para me olhar e mover. Porque de repente, assolou-me um medo de verdade de me ver mais à frente, sentada e ter de me explicar porque afinal foi a vida que passou por mim.

07 fevereiro 2010

Saudade

Ela entrava, meia sorrateira, punha as mãos nas ancas, firmava as bochechas rosadas e dizia:

"Tão aqui, tão a levar com um pano encharcado nas ventas!..."

E nós nem piavamos...

06 fevereiro 2010

O meu novo amigo


Eu sei que foste tu, já procurei debaixo de tudo, já olhei para o Xico e conheço-o, não tem nada a ver com isto,  investiguei e descobri que fazes buraquinhos no jardim e enterras coisas... E o comando da Tv, está onde?
Tens um arzinho de sonso, mas és tão querido...
E não encontro o teu dono, que no fundo sei que já não tens....
E agora?

Acerca de escutas

E se em vez de escutar os outros, parassemos para nos escutar a nós?
Eu por exemplo, só tinha a ganhar com isso!
São os acasos com sentido que dão expressão ao crédito em mais qualquer coisa que desconheço.. Meio perdida, retrocedida quase ao ponto de partida, desconcentro-me, descerro-me, encanto-me, desconheço-me como sempre e depois, obrigo-me ao inicio... Por isso, por qualquer motivo, é sempre nessa hora que a Ana me telefona e me confronta, um confronto sentido e carinhoso.
Acordou, vomitou de cansaço de estar, no cimo do limite, deixou tudo, avisou antes, como lhe apraz, e deixou atrás de si o peso... E ela pergunta.."entendes-me? Não entendes?" e eu respondo " Entendo-te antes de me contares" E ela conta, e eu digo " Nos últimos tempos, pesa-me o tempo, de já não dizer, agora não consigo, mas chego lá". E ela assenta, no conhecimento mutuo, de margens opostas que me devolvem o reflexo que não vejo... E eu pergunto " Sabes, Ana, estou parada, por isto, por aquilo, fraca", " Entendes?", e a ela responde, " Ja te tinha entendido, antes mesmo de me contares".... mas eu conto, e misturamos dois meios de vida de sonho e voo e receio. Dois contos que misturamos nas conversas que não terminam nunca.
E antes disso, ouço, " Se não tivesse o ..., não sei se seria capaz, entendes?"
E eu respondo " Entendo" e, não digo mais nada.
Vamos jantar amanhã, ao sitio de sempre, ao Alto sem limites e havemos de contar e voltar unas, da presença e da ausência e das historias que amontoamos, com vontade de não calar.

Fiz-me mal hoje, fiz-me olhar, fiz-me sentir que estou longe de estar em mim. Fiz-me desconcertar, ruir aos pedaços do firmamento que não chega para me suster. Sentir demais e querer moldar. Fiz-me mensurar a imagem, cansar-me e desmorrer.

05 fevereiro 2010

Contei os kms na volta, na maior recta, como o "Diabo" dizia no final, "dou mas não tocam, sentem mas não podem", recta a perder de vista, pouco tempo para os meios, para os limites, mas não podemos, melhor figura o senhorzinho de boné, no seu Mercedes 190D importado da Alemanha, a 70 km/h que me ofereceu o coração aos saltos e a despedida da restea de paciência que ainda tinha. Passou ele, calminho, e eu não. 
A GNR tem agora verdadeiras bancas negociais, secretária no banco de trás, computador em rede e multibanco, "Pretende pagar em dinheiro ou cartão?", acho que ainda não têm visa, não sei, não me interessa. Estaria a rir-me se não me inundasse agora o preço da insanidade desmedida. Estaria a pensar noutra coisa, não fosse a imagem do acaso em que me sustento, não descrevo o que é, nem convido, pretendo apenas não repetir, simbolo do que me é devido, só isso...
Tremiam as mãos à procura de documentos, tremiam as pernas nos jogos improvisados, benditos agentes alentejanos, maldito preço que pago, muito mais que o esvaziar anedótico das carteiras, das filas para o multibanco na lateral do veiculo branco e da secretária. Não consigo descrever, não quero, é uma sensação minha que não pretendo dissecar, limitei-me a oferecê-la ao silencio das caras que me esperavam, sempre confortavelmente sentadas, ora atrás de secretárias, ora porque, de mãos nos bolsos, precisam e por isso, querem, e por isso, podem... Sacanas...
Pois é, pois é, em três meses, vão três. Aqui, ali, acolá, nem sei bem onde, tenho o cadastro recheado de excessos, de radares... 
"Eh pá, a senhora anda muito, vem de santarém e ainda volta hoje? isso são muitos kms..." Não são nada, sr agente, então é o que me compete, já viu? tem que ser, e amanhã, ainda vou caminho de vila viçosa... Mas olhe, agora com isto da inspecção....", mais isto e um passinho para a esquerda, mais aquilo e uma conversa animada acerca de ADRs e dos PSPs que "fazem lei para as multas".
E eu não sei?
Mas três?
E continuo a achar que não ia assim tão depressa, mas pronto, os senhores é que se sabem!!!

Dano

Tanto que gostava de acreditar no alivio de expressar o que guardo dentro, um primeiro passo ensinado, ensaiado há tempo, de ónus de culpa danosa, de ferida aberta que sinto. Não sei se o sinto, aspiro a alivio desta ameaça de não esquecimento.
E eu, querendo, não esqueço. É como um tempo distado num segundo, que partiu devedor do sossego e da inocencia, foram gestos invasores do meu medo, da minha infância.
Da cara, não lembro, porque não foi essa que a noite guardou, lembro umas mãos rugosas, meias disformes, lembro uma calvicie pontiaguda, e uma voz forte e sábia, à altura de qualquer tema. Lembro um sofá castanho e um jogo oferecido da TAP em que se moviam peças até formar um avião.
Lembro antes do tempo, as noites animadas entre conversa e cartadas que só assistiamos até meio, por ser tarde, enubladas de mistério que me ultrapassa. Nunca vi nada, nos meus olhos de menina, via apenas viagens, aviões e histórias na primeira pessoa, que criavam na minha mente, sonhos, cores.
É negra agora a cor remanescente, pesada e criada em prol do instinto mais carnal que humano, mais humano que animal. No sofá castanho, no jogo da tap e das mãos que invadiam o meu mundo, do toque forçado e doloroso que abria as portas do que não sabia, nem queria.
Hoje não fumo por isso, nem choro, nem nunca me pesou, fiz desenhos num gabinete aquecido que parece que despiram, fiz tentativas de não me sentir nunca presa, um abraço apertado é laço que não intento, e o colo do meu pai foi algum tempo, porto de desabrigo.
E os bigodes? E os sorrisos babados? E a sede de corpos que me causa nojo na boca de quem mais não quer?
E eu mulher, menina, que me deito, que hoje penso que o silencio me fez bem, por não fazer deste tempo, nenhum dia. 

04 fevereiro 2010

Santa, Santa Nostalgia!


Sigo com um carinho sem expressão, este sitio, não conheço o autor, mas nele, perco a noção do tempo, emociono-me com imagens que me inundam de recordações multicolores, musicas, musicas, cores...
Ontem, ouvi a musica que o meu pai cantava quando era pirralha e ele tinha o tamanho do céu... "If I was a rich man...", e a Pipi das Meias Altas e os Pirolitos, que tinham um berlinde, mas a lagriminha veio com o livro de cromos dos Povos e Costumes que preenchi na primeira classe, acabada de chegar à cidade de gente estranha...
E a Anita? E o Toddy? E o meu sorriso de criança? Na altura em que tardava o tempo de tudo começar e agora, tanto que queria ficar lá, só um bocadinho e saborear inocencia, felicidade, sonhos e imagens coloridas!!!
Parabéns a quem quer que seja!!

A minha mente tem-me oferecido uma montanha russa, como uma devassa de inconstâncias que me trespassam, ficam, brincam e chamam. Algumas, duras, questionam-me cada elemento, cada crença, cada pedaço de mim, outras, simplesmente, são obra de um acaso estranho e anedótico, e ainda, aquelas que eu crio, que eu construo, que dançam cá dentro, de mão dada comigo.
Património que me é devido, não muito, resvalado, após uma curva do caminho que nem me lembro de ver, perdida em pensamentos e não sei bem o quê, não vi, vi-me só por entre árvores que não faziam caminho, barulhos e troncos e uma pancada forte. Parei, no mesmo instante em que o meu coração disparou mais ainda, mão dormente, cabeça dorida, perdida, onde pensei correr e poder deixar-me estar.  Doi-me ainda o corpo, doi-me muito mais a demencia do esquecimento que me ofereço, da alienação de me fazer bem, por tantos passos feitos de distancia de mim. Surpresa, convencimento que não vale a pena atender a tratar de mim... 
Seja assim, então...
Sejam passos pequenos, iguais, descrentes e com pouca fé, seja agora a pauta que não me suga, reflete o esforço e a insistencia, o reverso do medo, e eu, aprendo mais que os conteudos que fui capaz?  Devia aprender, era urgente que o fizesse, por paz...
Sejam palavras vociferadas, dois sentidos de uma raiva que não me atrevo a chamar mais nada, raiva, zanga e medo, medo, vozes cegas de ouvir, farsas ambas de um sentir que nunca foi menos que tremendo. Farsa e motivos, margens de um rio que se recusa em desaguar, e um descredito infinito outrora arco iris com todas as cores do meu mundo. Doi-me o corpo e a alma do esforço de não beber palavras que sendo minhas, nunca o foram.
Alberguei um amigo novo hoje, não decidi, não soube fazer de outra forma, não consigo e esta minha contradição desconcerta-me e envergonha-me, tão forte, tão fraca, tão certa e errada, tão humana e desumana. Dorme agora, numa casinha improvisada, com o ar mais doce, enquanto o meu amigo de sempre me olha, estranho.
Seja assim também...
Estou cansada, dorida, descrente...
Estou zangada comigo, com nada, com tudo.


02 fevereiro 2010

Rosa



Quem me quiser há-de saber as conchas
a cantiga dos búzios e do mar.
Quem me quiser há-de saber as ondas
e a verde tentação de naufragar.
Quem me quiser há-de saber as fontes,

a laranjeira em flor, a cor do feno,
a saudade lilás que há nos poentes,
o cheiro de maçãs que há no inverno.

Quem me quiser há-de saber a chuva
que põe colares de pérolas nos ombros
há-de saber os beijos e as uvas
há-de saber as asas e os pombos.

Quem me quiser há-de saber os medos
que passam nos abismos infinitos
a nudez clamorosa dos meus dedos
o salmo penitente dos meus gritos.

Quem me quiser há-de saber a espuma
em que sou turbilhão, subitamente
- Ou então não saber coisa nenhuma
e embalar-me ao peito, simplesmente.

"Quem me quiser" - Rosa Lobato de Faria

Fiquei triste, mesmo triste, deixo uma homenagem de um poema que encontrei e de um texto que tinha guardado, há um tempo, um desenho emocional, uma orquestra de sentidos, que ela descreveu tão bem.

“Ele tirou a roupa com elegância e o seu corpo nu era bem a prova da existência do deus que criou o homem ao sétimo dia e descansou. Olhou-a sem a tocar e disse, tira a pulseira, os brincos, esse fio de ouro, quero-te nua, estás cheia de símbolos de classe social e agora não és nada disso, és um bicho soberbo, felino, em pleno cio. Ela obedeceu sem tirar os olhos dos seus olhos daquele dia, e ele procurou a boca dela pelo caminho das coxas, do ventre, dos seios, dos olhos, das orelhas, purificou-se na humidade dos lábios, disse palavras tontas, cântaro, barco à vela, fada, gueisha, camélia, tangerina, iniciou o caminho de volta enquanto as mãos ensaiavam voos de gaivota pela praia, pelos ombros, as costas, as nádegas, e os dedos festejavam e dizia palavras. E o corpo dela de tocaia suspenso entre o céu e a terra, oferecendo-se àquela língua sábia, enquanto o coração, ai dele, se afogava em marés ilimitadas. A sua branca, feminina garganta navegou em todos os cambiantes do murmúrio e do grito, e na hora vermelha, solta de todas as amarras, ouviu-se dizer palavras espantosas, morde-me, inunda-me, mata-me, quero que todos saibam que sou a tua coisa, a tua fêmea, ai.”

 “Os pássaros de seda”- Rosa Lobato Faria


01 fevereiro 2010

O que é que se passa? O meu mundo de pernas para o ar, a minha vida, a minha alma, ninguém me vê e eu não vejo ninguém. Doi-me o corpo, doi-me a mão, despistei-me com o carro, tremi até há bocado, bati com a cabeça e mesmo assim, não passa? O que é se passa afinal?

Não sou fraca, não sou vulgar, não sou mais uma, nem sou especial, aos trambolhões por uma ravina, eu só quis despir-me de mim e estender a mão.
Porra!!! Que é isto?
Foi domingo, como outro dia qualquer... Gosto demais deste meu espacinho para o transformar no depósito do lado escuro da minha Lua. Gosto demais da vida para lhe querer mal... Deste dia, quero guardar uma hora, fruto de um acaso, fruto de qualquer coisa que me acompanha e nunca percebi bem o que é.
Mais uma viagem, que é disso que a minha vida é feita, mais um café com o Luis que, talvez por ser domingo, hoje veio no seu bmw, todo bem vestido, e encostado ao balcão da pastelaria em Borba, ia cumprimentando os conterrâneos, e falando comigo, falamos disso mesmo, de ser domingo, falamos de coisas de há muitos anos, 32 anos para ser mais precisa, do tempo de menina e ele aprendiz de barbeiro. Falamos do dono do Beco que está doente e onde eu almoço sempre, seja a que horas for, ensopado de borrego, num tachinho pequeno, com o empregado que pergunta sempre pelo pai ou por mim, se for ao contrário. Fico triste com o preço do tempo, já não é a mesma coisa.
Mas hoje tive uma hora... Vinha como ando, sem conseguir explicar a ninguém o impacto que horas e horas sozinha têm tido em mim, nas viagens cada vez menos estranhas, zangada com a choraminguisse que me acompanha, com a rádio que não se apanha desde Vila Viçosa, com o avo que me resta de entendimento... Fui repetindo, quero começar tudo de novo, longe de onde venho, daquela cidade fantasma, disto tudo, preciso sair daqui, preciso respirar... fui andando e naquela curva a seguir às bombas da Cipol, onde a D Idalina meteu conversa com o trolha no balcão, antes de ser internada, vi Estremoz ao longe iluminada, envolta por um  pôr do sol como há muito tempo não via, tinha um misto de vermelho e nevoeiro, tinha as cores todas, tinha o cheiro de há uns anos, e só por isso, sorri, era mais bonito que a descrição que faria. Parei numa berma, com esta imagem à minha frente e falei contigo, minha amiga, falei mais do que disse e ouvi-te mais do que disseste. 
Não somos umas "gajas do c...", cheias de mundos, não somos especiais nem diferentes, não somos selvagens, não sabemos,  não somos mais que duas amigas, para sempre... 
Os carros passavam enquanto a noite caia, segui mais à frente, parei no Vimieiro, comprei um cornetto de morango, e sentei-me...Só isso, mais nada!

Depois, depois, fui pensando, fui segredando ao meu ouvido, que outro significado teria a vida que não fosse aprender? Entendendo não saber ainda... Querer por isso... Tenho lido doutas considerações e extrema experiência acerca de amar....  Amar, eu não sei descrever, nem sequer orquestrar caracteres que parecem turco, é muito....
Eu sou pequena, nem gosto do mundo, mas amar hoje seria só, presença, presença, presença, sempre, para sempre, enquanto fosse para sempre, mãos dadas até ao fim do mundo, presença em mudar, e hoje, se olhasse em volta não estaria tão sozinha de corpo e alma. Nem veria a palavra amar como uma verdadeira farsa.