30 abril 2009

Deixar-me ser

Enquanto uma voz ímpar, desconhecida e cada vez mais lúcida se faz ouvir em mim, sinto a minha forma fugir, tornar-me quase invisivel. Penso em duas questões: serei a personificação da negação de tudo o que acredito e me fez chegar aqui ou antes uma alma desentendida?
Com a mesma expressão com que um dia, mergulhada na mais profunda lama , soube olhar em volta e avistar mais além e uma vontade suprema de ser, com a mesma força de vida com que alterno nos opostos da minha existência, revisto-me de capas sagradas, dificilmente mostro quem sou, sei que sou!
Com as minhas estrelinhas do norte e um sol que nunca deixou de se mostrar, sempre segui caminhos, parei para respirar, encontrei lugares que decorei com os tons feitos de mim, só para me sentir em casa, lutei, lutei, perdi, ganhei, estou aqui, não respiro, sustenho a respiração num impeto do tamanho do mundo. Conheço a estrada mais larga e sempre que olho parece-me estupidamente familiar, tem passadas repisadas, quase arrastadas de quem espera tão pouco da vida. Sei que nunca soltaria os meus laços coloridos para saltar nesse caminho, encontrando de vez em quando outras paragens de gentes, de sorriso contido e agradecidas pela comodidade do percurso.
Hoje zanguei-me com a ironia dos acasos, pouco banais, com o descompasso do meu tempo, com a inverosibilidade das minhas formas. Tenho febre e estou cansada, e tão cheia de vida que me apetece perguntar se estou em algum programa de Apanhados. Poderia oferecer-me hoje Tchaikovsky e reviver os meus amados Cocteau Twins. Viver uma epopeia forçada ou simplesmente deixar-me ser.
Deixar-me ser. A resposta para os meus primeiros passos, para a paz que me liberta; enquanto o digo, relembro as 7 saias e fitas e capas com que me revisto julgadora de me saber esconder. Encarar caras deslavadas, sorrisos tristes e frases feitas, enquanto dentro de mim, negoceio contratos de puro determinismo. Sou falsa, já sei! Contratei-me para isso ao preço de conquistas de vida.
Preciso de deixar-me ser, só isso!

27 abril 2009

Diogo

É apenas e só um desabafo, provavelmente deveria pegar no telefone e ligar para uma linha que não existe, daquelas onde deve haver sempre uma voz amena com um script pouco entendido e resultados questionaveis. Ou então, falar alto e marcar a minha posição. Vale o desabafo.
Aqui tão perto de mim, sempre ao meu lado, existe uma mente pequenina, cheia de vida e de saber. Não sei como foi, mas é assim. Os olhos dessa menina, sempre despertos antecedem o precisar de entender. As perguntas desconcertam assim como a sabedoria de quem ainda falta viver. Respostas dignas e lógicas misturadas com um sorriso lindo e a arte de me mostrar a verdade mais pura de ser.
Vejo-me nessa alminha, vejo a dor que parece maior, vejo a alegria de vida, parece uma luzinha ao meu lado.
Depois existes tu, outra alma diferente, de quem ja gostava antes mesmo de conhecer. Com uns olhos de mar, o mesmo olhar, mas diferente daquele em que me vejo. Eramos estranhos com estatuto por definir, e eu inventei formulas quase mágicas para nos entender. Serei sempre mais que tudo, tua amiga.
Hoje, mais uma vez, vi de longe uma estrada onde te vejo e parece-me saber onde vai dar. Também me parece que existe atras de ti um jogo quase viciado, feito de culpas e monólogos que te alimentam nesse caminho. E, no entanto ainda agora aprendeste a andar.
Não sei o que te dizer. apetece-me dar-te uma chapada e um abraço a seguir. Ao contrario, não seria verdadeira, nem gostaria tanto de ti. Hoje aceno ao meu passado em jeito de gratidão por gestos impostos e o espaço onde as minhas palavras nunca tiveram lugar. Aqui não pode haver culpa nem cumplicidade. Esta estrada tem que ter gente de força, e os teus passos orquestrados num sentido que já devias saber querer.
Não te queria perdido, sou só tua amiga, vou sempre ser, mas não consigo ser passiva nem calar-me e ficar a ver. Perderes o horizonte que me dá vida, a força do meu querer, o encantamento que mexe comigo, querer saber, querer sempre saber. E tu nem sabes o que falo, quando falo contigo mas ja vi nos teus olhos vontade de saberes.
Hoje sou capaz de me sentar as escuras, no chão frio e inundar-me de recordações, de luzes, de sonhos, sem me enebriar de evasoes. Conheço sitios, tinha medo mas quis sempre viver, corri estradas sagradas e outras onde a podridão me invadia; em qualquer um, senti-me em casa. Nunca desisti de procurar, e sei viajar sem nada. Queria tanto que percebesses!!!
Queria que um dia, no mesmo chão frio e na maior escuridão visses uma luz à tua altura, muito maior que a minha, feita das tuas maos...
Tenho esperança, só isso!

Como eu detesto a preferencia do Verão!

Tenho esta sensação de noite e de dia. Diria que sempre a tive.
Uma alternancia constante que se faz em dois tempos e no mesmo sopro de vida. Contrarios reais e que valem pelo oposto que se segue. Guerra e Paz, Frio e Quente, Noite e Dia.
Estranha esta minha sensação.
Encontro-a em tudo na minha vida, e por vezes alimento-me dela. Aqueço as minhas lágrimas com a certeza do sorriso que a segue; nas pedras soltas em rajadas sopradas, vejo a seguir calmaria, naquele mar de vida que não sentia do cimo de Lisboa, algo me dizia que um dia seria eu mesma voz de vida. Vejo-me noite e vejo-me dia. Aqui não espero que a minha mente ainda desperta me siga, e não sou crente ao ponto de acreditar numa mão divina. Também não é um acaso.
O Verão é Verão porque existe um Inverno, e não se defrontam, cohabitam em dois compassos do mesmo tempo. E eu não sou metade, desfaço-me nos contrarios destes dias em que laços e abraços já não são nós. Nós que desato em abraços feitos de nós.
Como eu detesto a preferencia do Verão!

Sempre estiveste em mim

És mar e a minha terra. De toda a força dos ventos soltos que nos batem na cara, fica em mim, o sonho ardente que nunca esteve tão perto. Cada vez que me olhas, vejo apenas o meu reflexo, a metade que não tenho e quero.
Lutei, desfiz-me em paradoxos e axiomas de valor, construidos em reacção, para durarem uns minutos, os que distam até me sentir, como só eu sei fazer. Do cimo da minha serra de onde sempre soube olhar em volta, em cada pedra escondia uma parte de mim. Houve alturas em que reaprendi a ver, outras em que cega, construi uma poderosa ilusão. Um dia atrevi-me apenas a ver, esquecida das minhas frases elaboradas, aqueci a minha cara ao sol que nunca me pediu nada, deixei que o vento entrasse por mim e me fizesse tremer, entendi que cada passo era tão mais forte que eu, iludida na minha harmonia . Mais tarde, saberia, que as marcas do meu passado, a minha cara queimada, eram simplesmente a luz do meu dia, esta minha razão tão mais simples de ser.
Já não quero entender.
Da revolta dos ventos, veio a minha calma, tu sempre estiveste em mim.
Soubemos sempre conjugar os mesmos verbos, soubemos enaltecer os espaços e entender silencios. Soubemos ver tão mais longe que chegamos lá, desorientamos a normalidade, saltamos os primeiros lugares e lançamo-nos num abraço que durou até aqui.
Não sei enfrentar elementos.
Sempre estiveste em mim.

25 abril 2009

Não quero um fado para mim

Hoje caminhei ao longo da praia grande , de areia quente debaixo dos meus pés descalços, mas cada vez mais seguros. O entardecer ameno e acarinhando o mesmo em mim, fez-me viajar, como sei fazer nestes lugares. Neste silencio de mar de fundo, fui cantarolando musicas baixinho e rindo, rindo de mim, sorrindo para este reflexo na onda mais forte que me envolve e acalma.
Estou distante das verdades e conceitos sistematizados em frases cada vez mais rarefeitas. Sei que os meus olhos brilham e não sinto distancia... Sinto-me aqui.
Lembrei-me, de repente, dos momentos pensados em batalhas desgarradas por entendimento, entre o dever e o ser, enquanto os meus pés molhados e ainda quentes se afundavam a cada passo. Não acredito no destino e não tenho que entender nada, mas estas marcas passadas ficam no meu caminho.
Ao longe tenho um horizonte de contrastes. Sento-me, enroscada em mim e visito-me na mais pura das minhas verdades, entre esta paz que me atordoa e desperta e, a arena vazia do que mais preciso. Sorrio e alcanço apenas este momento só meu, enquanto a minha mente recua nos passos marcados do meu passado. Lembro-me agora de quem sou, aqui não preciso que da minha boca se soltem palavras de conforto pelo desconforto que nem sinto, nem tão pouco quero mais nada. Sempre soube, mesmo calada que nunca deixaria que a vida me roubasse esta força de vida, o direito de marcar os meus passos, num lugar assim.
Não quero o que o fado diz, quero ainda hoje, ser capaz de me encantar, quero estar em mim, quero pedir aos Deuses que me lembrem sempre que esta caminhada nunca foi ausente, nunca teve um fim. Sorrio uma ultima vez pela ironia da minha vida, desenho um "S" na areia e ainda me detenho perante o contorno de um barco ao longe enquanto a paz dos contrarios entra em mim.

23 abril 2009

Adeus D. Eugénia....

Ontem despedi-me de uma amiga, vi duas vidas conhecidas, uma cara adormecida que aprendi a ver sempre que olhava a janela. Era tão doce aquela cara. No meio desta gente que se julga senhora do que não tem, que bate portas com o mesmo estrondo com que falam, esta senhora irradiava outra luz.
Aprendi sobre a Azoia com ela, esteve comigo quando estive doente, lembrava-me a minha avó, convenceu-me a nunca desistir e a falar sempre baixinho mesmo quando outras se esforçavam tanto para gritarem alto o seu direito de me fazer calar.
Sei que aquela cara meiga e agora fria, ficou comigo, num espacinho construido por ela enquanto, em qualquer lugar, ouço uma paz qualquer de duas almas que se voltaram a encontrar. A solidão voltou a estar cheia de vida !
Adeus minha amiga.
Vou cuidar das tuas flores como me ensinaste. Entendi a harmonia que vem das pequenas coisas.

22 abril 2009

Espreitar

Sinto que, sem querer, abri uma porta e avistei um lugar cheio de sol e de cores. Não andava perdida, tenho esta mania de espreitar, parece que aquela frase de saber o meu lugar, não se ajusta a mim. Gosto de espreitar às janelas, de olhar para dentro das casas e fixar-me noutros lugares, gosto de ver as carteiras e ouvir as conversas, abrir portas que não estão fechadas, conhecer outras pessoas e ver-me nelas. Sinto-me sempre ausente mas até a diferença acalma-me.
Talvez porque não me encontre, gosto de espreitar. Entrar e sair, ter coisas para ouvir e contar, gosto de deambular sem saber onde estou, raramente me sinto perdida e continuo com a sensação que um dia hei-de me encontrar.
Também gosto de falar, às vezes falo demais mas tenho sempre qualquer coisa para dizer, noutras alturas estou calada e deixo-me ouvir por dentro. É sempre a parte mais complicada.
Tenho a sensação herdada que há um tempo que me espera e tudo tem o seu lugar. Quando me ouço, há uma voz desordenada e sentida que me diz para nunca deixar de procurar. E os episódios, desenquadrados, vão-se tornando parte de mim e, estas portas que abri, refletem a mais simples razão de ser.

21 abril 2009

Como me pude esquecer de ti?

Conheci-te na minha noite mais escura e fria. Levaste contigo o que restava de mim, corpo caido, desentendido da ironia da minha vida. Julgara-me fogo que só em mim arderia e naquele dia, um raio de inferno caira em mim. Algures, haveria um esgar de memória de uns olhos de mentira presos por dentro e que haviam marcado a minha existencia para sempre.
Esvaziara-me ainda do fruto que nascera em mim, entre lágrimas pouco sentidas, entre gemidos e silencios, despedira-me de mim e tu, raio de luz no Adamastor, sentado na pedra fria, quiseras ensinar-me a paz de nada ter que entender.
Tinhas um olhar tão diferente, de pernas entrelaçadas, apontavas as luzes para lá do rio e não pedias nada. Por cada soluço meu, o teu abraço era mais quente, as musicas soavam em ti e, antes de amanhecer, aceitara ir contigo para qualquer lugar. longe daquele sorriso cruel que mais tarde haveria de enfrentar. Saltei na garupa do teu cavalo veloz e abracei-te para sempre, cheia de nada, cara molhada que secaste ao vento da estrada.
Como fui capaz de te esquecer, meu amigo de sempre?
Por mim, fizeste o que ninguém faz.
Acordavas-me a meio da noite e dizias "vamos?" e eu ia!
Ensinaste-me a não me sentir obrigada, a não ter de dançar para ti nem protagonizar a imagem da tua vida, e eu, de mãos cerradas e afiadas, não queria. Conhecia outra estrada, de lama e mentira que me entranhava e esgotava como se mais nada tivesse restado de mim.
Ensinaste-me a não ter medo e eu não ouvi. Numa noite quente de Verão, num bar qualquer do Bairro Alto, gritaste alto para um mar de gente, "É tão bonita esta mulher!", e eu não ouvi! Arrancaste terra, devoraste mar, por mim, como me pude esquecer de ti?

Minha mãe é uma Vitória

A primeira imagem que tenho da minha mãe é das tardes em que via chegar um carro azul cheio de sorrisos dela que precediam os meus. Lembro-me desse sorriso que resistiu às caras com que a vida a dotou, ainda o vejo, precedendo a voz mais doce que conheço.
A minha mãe é uma Vitória.
Tem nos olhos os amanheceres molhados cor de feno e na voz o canto das gentes, nas mãos tem sempre uma flor para me oferecer quando está comigo.
À sua volta sempre se levantaram vozes mais alto , vozes que amou sem pedir nada em troca, vozes fortes e feitas de caracter que ainda hoje entendo existirem apenas por ela.
A minha mãe tem uma história, feita das mesmas palavras doces e dos sonhos ainda de menina que duram até agora, feita de lágrimas caladas e de outras abafadas de verdades alheias e suas. Tem uma história contada em cada caminhada sozinha, distante dos entardeceres alentejanos que a viram crescer e dos cheiros do pão cozido e das crostas das feridas escondidas para ninguem ver; noutros lugares mais frios e ocos em que nunca deixou de cantar baixinho o som dos passaros e o toque dos cavalos que a vida insistia em roubar.
Minha mãe estendeu as mãos, abraçou-me e a todos e, mesmo ferida, entre rajadas e esperas, nunca ninguem ouviu seu grito. Grito de alma, grito de paz, de justiça e dos abraços falsos e vazios de tudo o que amou.
Mulher feita de terra, tão bonita, minha mãe, minha amiga, que hoje embala a vida, me ensina a minha, mesmo calada, esse sorriso ilumina a minha estrada, perdida antes e agora achada.
Amo-te tanto minha mãe, sou feita de ti, da terra e do mar, respiro a alma que me deste, vagueio no mar mas é para ti que sigo, meu porto de abrigo.

Slumdog Millionaire


A R Rahman & M.I.A
Banda sonora fabulosa !!!

20 abril 2009

As Brumas do Futuro


Sim, foi assim que a minha mão
Surgiu de entre o silêncio obscuro
E com cuidado, guardou lugar
À flor da Primavera e a tudo

Manhã de Abril
E um gesto puro
Coincidiu com a multidão
Que tudo esperava e descobriu
Que a razão de um povo inteiro
Leva tempo a construir

Ficámos nós
Só a pensar
Se o gesto fora bem seguro
Ficámos nós A hesitar
Por entre as brumas do futuro

A outra acção prudente
Que termo dava
À solidão da gente
Que deseperava
Na calada e fria noite
De uma terra inconsolável

Adormeci
Com a sensação
Que tinhamos mudado o mundo
Na madrugada
A multidão
Gritava os sonhos mais profundos

Mas além disso
Um outro breve início
Deixou palavras de ordem
Nos muros da cidade
Quebrando as leis do medo
Foi mostrando os caminhos

E a cada um a voz
Que a voz de cada era
A sua voz
A sua voz

Aires de Magalhães

Stacey Kent

A cantora de jazz Stacey Kent regressa a Portugal no dia 24 de Abril para um concerto no Museu Fundação Oriente, em Lisboa.

Vamos... Vamos... Vamos !!!

19 abril 2009

Teste

Ontem, depois de ouvir o meu nome num corredor enorme e cheio de gente, entrei e sentei-me numa cadeira de uma sala de aulas. Sentei-me junto à janela e a primeira coisa que reparei foi na vista fantástica sobre a Leziria do Tejo e num pardal pousado numa caleira. Respirei fundo e, numa fracção de segundos apelei aos Deuses a calma que preciso, desliguei-me do mundo falante lá fora e, encarei uma personagem tipica de professora que ditava palavras sabedoras acerca da forma como nos deviamos comportar.
Preferi voltar a fixar o pardal enquanto uma distancia de tempo quase eterna, distava do momento em que umas poucas folhas brancas aterravam à minha frente.
Chegava o momento de testar a minha "Cultura Geral" e, ainda tive tempo de me lembrar das ultimas palavras carinhosas de minha encarregada de educação acerca da promessa de não se zangar comigo se tivesse má nota. A questão é outra. É uma vontade de aprender que me prende à vida e ainda quem sabe, a satisfação de me dizer ainda capaz.
Numa fracção de segundo, acarinhei-me em silêncio e de seguida, lia 3 páginas de perguntas enquanto a personagem divagava acerca da forma de preenchimento dos quadradinhos de resposta e ouvia perguntas desnecessárias vindas de umas mentes decerto mais calmas que a minha. "Devia ter trazido uma lapiseira, se me enganar, parece que é grave" !
Outra personagem ainda mais aprofessorada mostrava um semblante preocupado não sei com quê e não vi mais nada porque, depois de umas tantas cruzes certeiras e instintivas, a pergunta 8 tornou-se maior; quem raio é este Coubertin? Em vez de uma cruzinha, fiz uma bolinha e segui em frente.
Entre ruidos de fundo, o frio das minhas mãos e a construção de novas caligrafias por forma a caberem nas impiedosas 10 e 15 linhas, passava da hora quando voltei a olhar em frente, dormente e mais calma do que esperava.
O Homem com ar de professor, esboçava um sorriso esforçado entre uma nuvem de pelos em volta da boca. Entreguei-lhe as minhas folhinhas , com a palavra Cobertin na boca calada, sai em silencio, vesti a capa que preciso quando me sinto assim e desci umas escadas muito mais iluminadas do que aquela sala de onde se vê por inteiro e espero ter deixado de mim o que sou.
Está feito, esperavam-me dois sois lá fora.
Pierre de Frédy Coubertin - 1863-1937- mais conhecido pelo seu Titulo Nobiliarquico de Barão de Coubertin, foi um pedagogo e historiador francês, tendo ficado para a história como o fundador dos Jogos Olimpicos da era moderna.

Mishima ou A Visão do Vazio


Duas cabeças na carpete, sem dúvida acrílica, do escritório do general, colocadas uma ao lado da outra, como quilhas, quase roçando entre si.
Duas cabeças, bolas inertes, dois cérebros que o sangue já não irriga, dois ordenadores interrompidos na sua tarefa, que já não filtram nem descodificam o perpétuo fluxo das imagens, de impressões, estímulos e respostas que aos milhões nos atravessam todos os dias, formando no seu conjunto aquilo a que chamamos a vida do espírito e mesmo a dos sentidos e motivando e dirigindo os movimentos do resto do corpo.
Duas cabeças decapitadas, partindo para um mundo diferente onde vigoram outras leis e que, ao serem contempladas, produzem mais estupefacção do que horror. Os juízos de valor, morais, políticos, ou estéticos, ficam, na sua presença, momentaneamente suspensos. A noção que se impõe é mais desconcertante e simples: entre as miríades de coisas que existem e que existiram, estas duas cabeças existiram; existem. O que enche agora esses olhos que já não vêem, não é a bandeira desfraldada dos protestos políticos, nem nenhuma outra imagem intelectual ou carnal, nem sequer o vazio que Honda contemplara e que parece agora um conceito ou um símbolo, apesar de tudo demasiado humano.
Dois objectos, restos quase inorgânicos de estruturas destruídas e que depois de passarem pelo fogo serão apenas minerais e cinzas. Não são, sequer temas possíveis de meditação, pois faltam-nos os dados para podermos meditar sobre eles.
Dois destroços arrastados pelo Rio da Acção, que uma vaga imensa deixou por um instante a seco sobre o areal, antes de os voltar a levar consigo.




Marguerite Yourcenar in Mishima ou A Visão do Vazio

Calma !!


Cheguei a casa, rejeitei o toque do telefone e as palavras doces que me aguardavam, sentei-me, rodeada de xico e lambidelas, sorri para mim enquanto despia as roupas molhadas e procurei esta musica que me acalma e faz sonhar.
Mais tarde, já sei brincar e aninhada neste lugar, danço sozinha enquanto folheio o livro de cozinha que entendo e não fala de q.b (termo que desconheço). Ri-me pela primeira vez da verdade deste meu ser, Sou tão menina e quero tanto crescer sem nunca deixar de o ser...

Preciso de mim

Estou calada e assustada.
Enquanto a chuva fria insistia em mostrar a persistencia do calor na minha cara, e o laço, cor de sol posto me incomodava o andar, invadiu-me este dia, reclamou a minha voz fechada e este suspiro dormente e tão cheio do que não sei explicar.
Procurei nos meus bolsos as 5 pedrinhas de raciocinio com que me faço andar, reconheci-as ao longe, de mãos dadas com as vozes da minha razão, já não servem para nada.
Hoje soltei um gemido do tamanho do tempo em que me armei de formulas elaboradas e sublimadas de pensamento, tão facil de entender. Hoje não sei nada, não sei ser.
Detesto estas lágrimas que não sabem ao mesmo, as minhas mãos soltas que sabem tocar... Detesto não ser mais Senhora desta Terra que julguei dominar. Estou ferida e rendida, mais perdida que achada e, estremeço inerte, num pedido que ecoa cá dentro e já não sei mais calar.
Preciso tanto de mim... Preciso tanto de me entender.
Quando a chuva passar, vou fugir para o mesmo lugar que me aquieta, só meu e onde sei parar. Vou abrir as janelas da minha alma de par em par e deixar-me ouvir, quero acordar desperta e soltar ao vento estes laços usados e que apertam a minha força de viver.
Quero o meu lugar, quero-me saber.
E tu, Sol de Inverno que teimas em jogar ao mar as minhas mascaradas equações, que me agitas na tua paz e apaziguas o silencio dos meus gestos, tu que me desnorteaste e me obrigaste a calar. Amo-te enquanto te odeio, quero-te sem te ter, sou tua sem o ser e, o teu abraço levou-me a restea de esperança em encontrar o que conheço, o fundo da rua em que o sol espreita e os meus olhos sempre se abriram para o terno nevoeiro de desilusão e banalidade. És uma verdade que não conheço, negação das palavras cheias de outro tempo. És hoje o meu desconcerto e a minha voz calada e assustada, em busca de norte, da minha estrada.
És ainda mais que isso porque a minha calma está em ti, o verde é mais verde e as palavras que ditas sabem fazer parte de mim. E vês? já nem sei escrever!

17 abril 2009

Quero ser burra por um dia

Cresço enquanto a minha voz se cala. Numa simbiose de verdade, percebo os instintos e as vontades. Percebo que, da minha boca a convicção deixou de ter lugar. Não estremeço ao pensar que viver é apenas viver, sonhar é só sonhar e pensar... pensar nunca me fez ficar e nem nunca me deixou viver.
Quero ser burra por um dia, despir-me dos conceitos orquestrados em jeito de harmonia, quero as minhas mãos soltas, quero lembrar-me que vivo.
Os meus pés soltos partiriam e eu atei-lhe umas presilhas cor de canela para ninguem as ver, as minhas mãos ensaiam uma dança desordenada que só eu entendo, por isso, mantenho-as fechadas em punho cerrado e zango-me por estarem sempre frias. Antes de acordar, já despertei, antes de decidir, já a minha alma aspira solta tudo que não vejo; levanto-me e falo, respiro vozes de intenção, sem expressão e, resignada, ela volta. No minuto seguinte, sou personagem ficticia e quem não me vê, sorri sempre para mim.
Acompanho-me neste teatro de vida treinada à custa do meu lugar, asseguro-me que carrego nos bolsos uma mão cheia de equações e lógicas para me entreter, e as conquistas não pesam nada e as lutas valem enquanto as viver. Sou desordenada e animada e cada vez mais calada, enquanto me vejo crescer.
Estou cansada e orientada, cega da minha sede de viver.
À minha volta vivo esta calma que reclamei das noites negras em que perdida, julgava saber, e da janela do meu carro, as paisagens ancestrais cruzam-se comigo, noutras cores, noutros cheiros e sei o que dizem, ouço-as falar. Ensinam-me o conto mais antigo acerca de tantas visoes sob o mesmo olhar.
Não quero partir, não quero ficar, sento-me entre duas luas, no chão mais frio que encontre, entre aqui e o horizonte e deixo-me estar, solto os laços de mansinho e deixo-me apenas levar, basta-me a mim e qualquer caminho e, enquanto as minhas mãos aquecem e o vento adormece as mais distantes razoes que me fazem ser, sou eu por inteiro sem mais nada, sem pensar. Estou comigo e sei viver.
Vozes de carinho preenchem-me os dias, sou enfeitada de cores que escolhi nesta vida duma pouca cheia de gente que não se nega a entender, almas gemeas e feitas de mim e de lugares, vazios de outra gente que ambiciona o que diz ser. Sou amada e querida e, neste mar de gente, sei tornar-me em nada, quase desaparecer. Vergo-me às teias da vida, às alegorias e sarcarmos, embrenho-mo neste rebanho, na ilusão de me disfarçar sem sofrer.
Quero ser burra por um dia, não me rever nem pensar, apenas viver.

13 abril 2009

Amália hoje



Um disco fabuloso a ser lançado em Abril, do tema Gaivota de Amália.
Nuno Gonçalves, Sónia Tavares (The Gift), Fernando Ribeiro (Moonspell) e Paulo Praça (ex Turbo Junkie). Só por este tema posso adivinhar a natureza deste album!

Gosto de ti como gosto do mar

Gosto dos mesmos silencios que ficam quando as vozes voam mais alto.
Gosto das musicas que sabemos em conjunto.
Gosto dos gestos adivinhados em cada olhar que trocamos.
Gosto dos cheiros.
Gosto tanto de não ter de dizer, de cada vez que encontro esse olhar.
Gosto tanto de não ter de ser querendo explicar...

Gosto de ti como gosto do mar
na mesma vontade que um dia tive de me encontrar
Nasci em ti com a força de voar
caminho hoje ao teu lado sem pesar, sem pensar
contigo, sou apenas menina fruto de um sonho que tornei real
tão verdadeiro quanto a minha própria existencia
perdida neste medo de ser ainda mais.

Guardei nos teus olhos as cores do entardecer
feito de sol quente e folhas verdes
de cores de romaria
entre cantares e nascentes
como mais tarde saberia,
ser este tempo de gente
feito de mar e de terra
de misterios tão mostrados
e palavras surdas no tempo
que nem eu calaria
na minha cara mais quente
ardida do medo de ser e querer

Gosto de ti nessa terra
Gostei de ti nesse mar
gostei ainda mais do que guardei para te dar
na verdade mais sentida de mim
na verdade que guardo neste meu olhar

02 abril 2009

Simone


"À minha volta, reprovava-se a mentira, mas fugia-se cuidadosamente da verdade"


Simone de Beauvoir

01 abril 2009

Dia das mentiras tambem é um dia qualquer.

Dia das mentiras. Só percebi que era quando caí numa.
A história repete-se... Pode ser um dia qualquer, com a diferença da possibilidade de encobrimento nos acasos justificados do meu calendário.
Define-se mentira, como uma declaração feita por alguém que acredita ou suspeita que ela seja falsa, na expectativa de que os ouvintes ou leitores possam acreditar nela. Na minha vida, tenho muitas vezes a sensação de falsidade nas palavras que me saem da boca, mesmo expressando factos e verdades. A questão não está na realidade mas na percepção. Na verdade, esta sensação é-me de tal forma familiar ao ponto de quase acreditar nela como adjectivo qualitativo. Sou falsa no que mostro. E estou de tal forma convicta de assim ser, que quase me atrevo a definir-me neste dia.
Mas não sou mentirosa. Sou apenas falsa e dissimulada, como agora, que me justifico com a amenização do termo, na esperança de parecer menos grave. Sou falsa no parecer, ajusto-me à sombra dos factos e da própria vida, passo despercebida para quem pretendo ser.
Em dias, debato-me com este ser construido no sentido de sobreviver, sou mulher sem ser nada, apenas em jeito de não saber. Sou a protagonista deste dia, amanhã, mascarar-me-ei de outra qualquer e, agora despida de capas, nua na minha verdade, só agora me revejo neste rosto anónimo de cara lavada e com pouco para dizer.
Noutro lugar estou calada, e deixo-me falar e sentir, larguei as pedras que escondo numa mão fechada, despedi-me destas caras de medo, agradeci as mesmas palavras e entendi a voz de ser, simplesmente ser.
Ser amante, ser amada, ser vergonha demonstrada, ser pequena ou não ser nada, ter medo do escuro e da estrada, sem querer nem saber. Nesse lugar este dia não tem espaço, o preço da minha vida cobra-se com um abraço e ouço-me antes mesmo de perceber.
Há uma voz que fala por mim, numa paz conquistada e roubada a um entardecer sangrento que escureceu a minha fantasia. Saltei a escuridão, enfrentei-me , enquanto a alvorada anunciava dias soalheiros e quentes em mãos ainda geladas. Dei os primeiros passos em direcção à verdade e à falsidade, num bar de alterne onde hoje sou presença assidua.
Vendo-me e ofereço-me, ao preço da clientela cega que, por mais uma rodada, ouve a musica que quer. Estou desperta hoje nesta vida de mentira dita cortesia e forma de saber. Não sei se quero, não sei se gosto, vale os degraus que subo a pulso, em dias de guerra, em jeito de democracia.
Queria andar nua na rua, rir e correr e poder. Sou falsa e dissimulada, cheia de boa intenção. Visto-me do dever ser, das amarras da vida, das palavras correctas e da voz da razão e, ainda ponho uma fita a compor o cabelo para ninguem se esquecer que, além disso, ainda sou mulher.
Dia das mentiras, tambem é um dia qualquer.

Amigo!


Xico, meu amigo...


Venho por este meio, pedir-te as minhas mais sinceras desculpas por ter ontem contrariado os teus instintos primários..


Não páras de me ensinar..


Percebi tudo quando nem olhaste para a batata frita que a Mariana tinha para te dar... Porra, será que os machos são mesmo assim?


Tinhamos combinado um encontro. A minha irmã esqueceu-se que a Meggy estava "receptiva", mas escusavas de te ter comportado daquela maneira... Passei o resto do dia a conjugar aquelas investidas para cima da desgraçada com o resto da existência. Revi formas e contextos e, percebi.
Será sempre assim?
Somos cadelas com cio e machos com fome?
É essa a natureza primeira e final da existência? Não me desiludas meu amigo... Esperava uma atitude mais cavalheiresca da tua parte! Aquilo não é forma de tratar uma fémea...
Fizeste-me pensar nas divagações em forma de arte, de que nos rodeamos para dar outros nomes à essencia do ser, quando a finalidade conjugada é sempre a mesma. Será que somos loucos a remar contra a corrente?
Ainda tenhos as mãos a arder de te contrariar e nem esqueci aqueles puxões sempre para o mesmo lugar.