22 julho 2012

O vento sopra ali fora, toca-me de quando em vez. A copa alta que me viu crescer, mais crescida que eu, dança hoje reconhecida. Tantas vezes abri esta janela sedenta de um ar que não sabia aspirar, tantas vezes olhei lá fora rostos ocupados de um movimento que não me atrevia a entender. Depois de um dia cheio de palavras, recolhia-me aqui, despia-me. O que ontem fora magnificência retornara à banalidade que me oprimia, os versos antes fascinantes eram afinal lidos e os gestos não eram ternos, eram por demais carnais e eu, eu ainda sonhava saber pintar nos rostos da minha vida, a minha fantasia, a minha procura. Entendes agora?  Como, se nem eu me entendo?
Sossegavam-me as viagens porque nas paisagens correntes eu vislumbrava mil horizontes. Imaginava um rosto terno, sereno de tão desassossegado, tão molhado e faminto como o meu. Oferecia-me perder-me das horas e dançar e cantar alto, e contar-me histórias. 
Não, não era só isso. Construi a tua cara enquanto dançava, desenhei-a com tanto carinho, ouvi a tua voz cá dentro, conversei tanto em silencio. Procurei-te mais ainda. Não te vejo. Não te encontro.
Toda eu me tornei medo.Turbilhão este que me não deixa. Medo que se tornou matéria, e me doi cá dentro.  Enquanto de olhos cerrados, te via, era importante dar-te um abraço apertado e soprar-te ao ouvido o que deveras sou. Sou unica, pequena e grande de mim, sou mãos dadas contigo, mas espera, tenho medo, por isso, tens que saber antes que vejas, que sou igual, faço birras e sou mimada, mas amanhã vou precisar de estar só comigo se hoje é em ti que me abrigo. Dizem que tenho mau feitio, não sei o que fazer da normalidade da vida e vou-te amar se me levares onde não conheço, se me tocares onde sinto e não finjo, se as tuas palavras me derem um silencio que aguardo há demasiado tempo. Mas olha, tenho este defeito, tenho muitos, e tenho medo que me vejas, se é só isso que peço. Vês esta ruga? Vês a minha cara? Amas-me mesmo? Espera. Há tanto que calo. Faria tudo por quem gosto, mas fujo sempre. Cá dentro, em todos os momentos, acarinho os poucos que me habitam, quero-lhes bem, mas faltam-me as palavras e a presença, canso-me. Mas sinto-me tantas vezes só, só demais para o meu cansaço.
Penso agora ao teu ouvido, quando divago, os meus dedos correm, as palavras gritam e agora, agora que me dispo no teu abraço, tremo por dentro, e choro. Amas-me ainda? Não acredito que não seja menos pela doença, pelo medo, não acredito.
E depois há aqueles poemas e prosas que não sou eu que digo. Tenho medo.
Quando a árvore lá fora ainda era pequena, encenava conversas contigo. Deternos-iamos no mesmo passo do caminho, por um instante, um abraço bastaria, um compasso no tempo, um sentido novo, intimidade, palavra que mal conheço.
E agora? Que no largo da minha memória, acrescentei a vergonha?  Um rasgo de fogo, o maior de todos trespassado na minha cara. Preciso que saibas que sou boa pessoa, só penso em demasia, a minha mente não pára e não me acompanha no tempo. Por isso me visto, por isso fujo, sempre. E sofro.
Tenho manias, que sei tudo, que não sei nada, desenquadrada, construo mundos, caminho em passadas largas, mas respiro cada minuto. Tenho muitos anos, mais do que crescimento, e tenho tanta sede ainda.
Hoje, arvore crescida, e eu ainda pequena.
Amas-me ainda?
Espera, aperta-me mais ainda.
Existes?



28 junho 2012

Não tenho aqui vindo e porém, neste tempo formei dezenas de desenhos de palavras sentidas, revi-me em passadas, em imagens que a minha memória guarda, misturadas de sonhos coloridos, pinceladas. O que escrevo seria o meu reflexo de sentidos. Por vezes esqueço-o e penso. E deixo de saber sentir e escrever.
Há pouco abri as janelas de par em par. Sentei-me lá fora num silencio pedido. Este silencio cheiroso que me leva para fora de mim. Olho-me de longe, envelheci, desapetece-me esconder-me nas mascaras com que me vestia, as minhas mãos estão mais rugosas, a minha voz mais calma, menos apaixonada, os meus silencios maiores e ruidosos. 
A minha filha pequenina dorme agora e, pouco mais importa. Tenho um mundo nas mãos para lhe mostrar, aceitei-me em nenhum lugar e permito-me mil sonhos de menina. Recordo o tempo em que o mundo era pequeno para a minha fantasia, em que construia outro, mesclado de lugares inventados de caras por quem me apaixonava. Mais tarde procuraria encontrar cada uma. Nunca conseguia. 
Espero que ela acorde, retiro-me o cansaço e falo baixinho, na esperança que não me ouça, que me sinta, o meu desassossego, a minha herança desenquadrada, e de mansinho calo-me de palavras, rio com o seu sorriso de crer que vemos o mesmo, mesmo que nesse lugar nenhum.
A minha filha pequenina vale tudo, as ruinas de cada sonho, a paragem.
A minha filha é cada dia que passa, o meu novo mundo.

11 março 2012

Há um ano, estava perdida de mim, os acasos ainda agora me atormentam, se por uma voz me vejo aqui agora. Estava onde me não lembro, estava morta ou mais que viva. Era mãe e não me lembro, havia  um  ser por que tanto lutei, pequenina e eu, não me lembro, não me lembro. Há um ano,celebrava a vida e devolvi-me da morte. Morte, uma palavra que mal pronuncio, como se me garantisse a sua negação. Toda a minha vida brinquei com ela, e nesta noite fria, as minhas mãos molhadas tremem pela pequenês, pela ironia que me cala.
Há um ano, tive uma filha que me dá vida.
Há um ano, quase perdi a minha.

Hoje não me apetece a prosa nem a musica que as palavras cantam, preciso respirar fundo escrevendo, sinto um grito cá dentro, tão calado que me dá medo. Não me vejo em nenhum sitio e existo, vivo e grito. Vivo de um sentimento tão forte e ainda desconhecido, a minha flor pequenina que me dá vida, no resto, sou uma imagem baça do que sinto, sou silencio e desencanto.  Há um ano, fugia-me a vida, sem me dar conta, não me lembro, ainda agora me esforço e as imagens não chegam. Olho para trás e dá-me vontade de rir, o forte que sou de tão pequena me sinto, e ao invés, caem-me lágrimas num desvario que não conhecia em mim, agarro-me a mim, abraço-me, esqueço-me porque preciso de ser mais sana que sentida.
A minha filha é linda, todos os dias assisto a momentos que guardarei sempre. Dedico-lhe a minha vida, por inteiro, e por isso sou mais forte ainda, mas cá dentro, grito, esperneio. Não me vejo.
Estou cansada de palavras, só queria alivio, calcorreio caminhos interminaveis em pensamento, olho em frente, cega de um desejo que já não creio, já não bebo, e tenho sede, tenho a boca seca de vida, de um abraço que me sinta, incorpóreo, sentido, estou despida, desenvolta das imagens construidas, das palavras compostas e dos dizeres fantasiosos, queria agua fresca de um ribeiro, queria fechar os olhos e calcorrear o caminho sem que as pedras me doessem, queria não me reconstruir todos os dias, ser sentida apenas.
Não sei se é tarde, se é cedo ainda. Não me sei perdoar pelo que de mim vendi, penso demais, sinto demais, olho em volta e os espaços são ocos, as palavras mal falam.
As palavras não saem.
Recolhida, na serenidade que me mata, nos valores que não desdigo.
Recolhida e perdida.
Estou tão cansada.
Estou tão errada.
Estou tão zangada comigo.

06 janeiro 2012

O tempo também é distancia

" O tempo também é distancia", disse-me de um soluço que o vento frio sustenta. Vejo-me ao largo, vejo-me ao longe num horizonte estranho, vejo-me aqui vestida de saudade e esquecimento. Ao meu lado a vida que me dá alento e uma corrente de imagens que correm no meu pensamento. Se me quedo ou desengano, se sinto  ou adormeço, doi-me o corpo se me vejo. Ver-me com olhos de dentro, que calo a toda a gente, dos gestos que mal me dizem, do cansaço que não sinto, deste pranto e contentamento. Vejo-me ausente se me vejo.
O tempo ofereceu-me a história que escrevo ano após ano, vista agora parece tão estranha. 
Um dia quis crer ser verdade que se lançasse uma fita quebrada ao mar, na sétima onda, ser-me-iam concedidos três desejos, um deles, doido, era repleto de ilusão, pensava eu, os outros eram apenas uma questão de gestos que não aprendi a orquestrar. Enquanto os acordes soam na minha mente, ainda agora não os conheço e porém, o mais distante, o mais sofrido, o que tantas vezes me fez desacreditar, cresceu em mim, feito de medo e de uma força maior que o meu corpo, deu-me um horizonte novo para alcançar, deu-me rumo e uma vontade tremenda de me ver. Já não sou dona de mim como julgava ser e, no entanto, tenho-me inteira, sem a sede de outrora de ser vista, ser amada ou sentida. Sede apenas de ser viva.
O tempo não muda nada, distancia-me, deixo o tempo lá atrás e metade de mim abala com ele em troca de um mundo de agora, de memória e esquecimento. O tempo não muda o que sinto, sinto o mesmo, a mesma sede, a mesma vontade ridicula de correr, o mesmo amor por qualquer coisa que não existe senão cá dentro, um amor assolapado que não me prende a nada, que me cala de medo que um dia o veja passar sem que o tenha vivido. Miséria a minha, sentada, atenta, o rio que passa, a foz que adivinho, a descrença que ainda seja agora o mesmo tempo, que o faça, que o sinta.
A intemporalidade reside nos passos que deixei marcados no caminho onde agora me vejo. Tenho vergonha de tantos, culpa por outros, tenho medo de me ter desviado numa altura do caminho e  me ter perdido, tenho a sensação que me encontro no que vejo agora, nos sentidos com que pinto a minha história que o tempo me ensina, me açoita, me grita cada erro e cada vitória, tenho uma história que não conto mas que sei quase de cor, vista de tantas formas.
Enquanto guardo um respirar tranquilo, lembro de momentos cheios de palavras que ficaram sem ser ditas, de tantas sem sentido, do grito que me chama e não me sai, lembro-me de tantas horas que enchem um tempo que agora parece pequeno, da história que é urgente saber contar, erguida da memória e deste tempo que me permitiu não esquecer.