19 julho 2011

Enquanto vasculhava na mochila em busca do que já sabia não encontrar, de cara a ferver, de raiva e vergonha, de uma mistura de memória e desconhecimento presentes, pensava que esta cidade me é estranha no seu embaraço. Tornou-se fria dos cheiros de outrora, frenética nos passos e nas horas, sentida de uma moléstia que aqui mora, perdida, sofrida. Já calcorreei o mesmo caminho, já me despi da vergonha que hoje sinto. Que sinto agora, sinto de mim e do que me assola. 
Chegara cedo, tinha tempo, tinha um compasso só para mim, para passos saboreados nestas ruelas com cheiro a sardinhas e a conversas nas janelas. Os sentidos invadiram-me de uma nostalgia sempre nova. Saudade das varinas e da gritaria matinal, das lides e vozes nas ruas, de noites terminadas em madrugadas enfeitadas de conversas à beira rio, de espreitar nas portas e adivinhar as vidas que lá dentro se viveriam. Saudades de uma parte de mim. 
Procuro nesta cidade, o que esqueci. Por isso me encontro, de olhos perdidos, aqui e ali, vou sorrindo enfim às caras que me olham, e eu a elas, silenciosas no que escondem e se vê. Lembro-me de pensar que tinha fome, fome de iscas e de chouriço assado, qualquer coisa assim. Parada num quiosque que outrora seria preferencialmente alusivo a Lisboa nas telas em voga, não agora, agora é uma barraca de ferro descartavel e desdobravel, com um casal brasileiro atrás da amalgama de revistas com as mesmas capas e as mesmas "descobertas". Olho a mochila, olho em volta e não a vejo. Não me lembro.
Pergunto, corro, faço o caminho de volta e tremo, o meu cerebro vazio não me responde. Fui roubada naquela rua? Onde? 
Fui, nalgum sitio.
Recuperada a carteira de uma casa de banho imunda, despida até da mais insignificante moedinha, quase visualizo o frenesim e a alegria de quem quer que seja, antecipo a ida e vinda, o desnorteio, a pedra com cheiro de podre, a face baça de anseio sem sentido,  vem-me o cheiro à boca e tenho vergonha deste silencio que me rodeia, desta solidão subita, de um medo de onde venho e para onde caminho. 
Cidade triste, cheia de pressa que nem sente que morre aos poucos, nas caras tristes nas janelas, em silencio, nas lojas asiaticas onde antes moravam tasquinhas, nas vozes roucas, sem sorrisos, na doença disfarçada.
Tenho este sabor ainda na boca, de não reconhecer o caminho

16 julho 2011

Tenho este momento só meu, todos os dias, mesmo que seja tarde e esteja cansada.
Há 10 anos atrás, baixava os braços sem noção da urgencia, sem força. Há muito que não ousava enfrentar-me, trocar uma palavra comigo. Há 10 anos, o tempo ultrapassara-me numa busca frenetica de ver o mundo girar ao contrário. Na minha ilusão, a lucidez doia demais e a vida cegava-me, ou senão, ofuscava-me de cegueira.
Hoje pensei que me doi ver, olhar para trás e já não ter o dom de me cegar. Entretenho-me numa arrogância experimentada, defesa minha solitária. Já não me apetece ofuscar-me sequer, de altivez ou convicção.
Não sei se sou boa pessoa, não sei se a meio do caminho me orgulho ou castigo. Tenho numa pequenês o meu orgulho sofrido, tenho no medo o meu sentido e na coragem, os momentos mais intimos comigo. Como li, envelheci depressa, voei sem asas e caminhei demais descalça. Mas estou aqui, viva.
Não me perdoo em convicções que não cabem  na minha alma, acho que ainda nem me descobri.
Sei do que seria capaz, por ti.
Sei que me sinto sozinha na grandiosidade deste mundo que aguarda, que a ironia me ensina. E hoje, senti-me bonita, cá dentro. E não é sempre assim.
Hoje, estendeste as tuas mãos pequeninas e tocaste a minha cara com um carinho que vou aprendendo ser tão maior, e em silencio, ensinas-me mais que alguma vez fui capaz de beber da vida que me rodeia. Decresço no gesto, bebo este sentir tão novo.
Vou sentar-me e ver-te dormir.

14 julho 2011

Cerro os dentes, e travo os sentidos contrários na minha mente. Gravo na pele a promessa de algo divino que me acorreu.  Continuo surpresa com o poder que me assiste, desconexa na opinião. Onde encontro o equilibrio da razão e do sentimento?
Dorida na pele e no instinto, lembro-me que mais tarde, verei o sentido. Lembro-me de uma musica que me acompanha, Pangea, e que me traz a mais nobre lição, de que nada se empreende contraria ao movimento do mundo, só assim percebo o destino e o meu acaso. Só assim aceito que o mundo se abre quando eu não busco, nem domino. 
Aspiro e adivinho, sem sentido, o poder da minha mente, perante a dor e a alegria, perante a minha pequenês, outrora rebeldia e altivez. O mundo gira nesta direccção, dita uma voz que não ouso ler. Não creio em Deus, mas sou crente. Não controlo mas nem aceito. No dia em que me detiver, morrerei por falta de rumo.
Por uma vez na vida, não sigo, caminho.

10 julho 2011

Hoje partilhei contigo a mescla de cores que estes dias oferecem, os teus olhos claros brilhavam numa direcção que não sabia antecipar. Houve um instante pequeno que me apeteceu correr muito, expirar este fôlego contido que insiste em não sair.
Às vezes, esta claridade ofusca. Sabendo, canso-me de mim. Canso-me de pensar, de julgar. Sou minha inimiga em tantas horas, e se antes desmoronada e calada, atrevo-me a ajoelhar-me e a pegar em cada pedaço meu espalhado. Não sei se cresci...Não encontro o principio e as ideias são vagas soltas de um levante cinzento e demasiado claro para não o ver. 
Desconcerta-me a linearidade das frases e dos conceitos, se em mim, tudo existe numa devida e prometida desordem. A meio da vida, não sei demasiadas coisas e sei outras que julgava poder esquecer. Guardo-me em instantes desconexos. Como agora.
Na calçada passeiam-se casais de mão dada e eu penso, na viagem que me falta fazer, nos gestos mecanicos que facilitam o embaraço, na castração dos impetos, penso no ser pequeno que abraço e no sorriso que me descansa e acalenta. Penso nos fins de tarde numa mesa maior ainda, com este mar defronte e um prato de conquilhas. Penso nas parvoices minhas, são minhas por serem assim.

Dia de calmaria lá fora, de sorrisos e abraços. abraços de que senti tanta falta e, cá dentro esta voz que se cala, de teorias e conceitos, por ser urgente beber a vida.