25 maio 2010


Soubera eu ser mera esfera, ilha despontada no horizonte, que de sentidos se fizessem as teoria do mundo. Soubera lamber as feridas que me ardem nos olhos, doidas de as sentir tanto e culpadas nos meus gestos. Soubera não saber mais nada, desenquadrada da vontade de me dizer alto, de ser o alivio somente da voz que me fala. Soubera correr solta numa estrada, sem pegadas que ecoassem nas palavras que o vento me esboça, enganadas do desvio da equação. Não me vê o alcatrão, não me vêem as margens corridas que olham ao longe a bruma clara. O alivio de enfim falar alto, dos sentidos despertos numa madrugada tão clara, um acordar sem vivência do que a essência sempre ditou. Não vale a pena o sonho contornado e negado, não vale a pena o cais seguro ou a margem, não vale a razão que me ofusca de medos e contradições de mim mesma, não vale o ocaso em aplausos de vulgaridade. Não vale rebuscar-me, rebolar-me na lama dos conceitos, se o que sinto fala mais alto.
Soubera eu crer na impossibilidade aparente, cada uma, como uma pedra lançada às ondas que salta três vezes em despedida, como uma bruma fresca que nega a vivência desgastada, espuma que fica nas ondas que passam. Soubera crer nas minhas mãos cheias de nada, no abraço que me descobre, num poema que me falasse, ser sorriso lançado à tempestade, ser crente na diferença que me pede estrada sem rumo. Soubera ser o que sou, sem mais nada, esquecida, e desperta, um instante, um segundo.

23 maio 2010

Passo



Quedar-me no compasso 
entre o instante embargado e o sonho que, vivo, 
ensaia um sopro de alma, um grito, 
uma pegada no tempo e,
se preciso, uma lágrima.

To here knows when

O dia passou por mim, sem que lhe desse nada, afundada em livros, apressada no pouco tempo, cansada de teorias que não me acrescentam, descrente na ilusão que me alimentava, mais crente numa ilha que me envolve e  sempre me assustou, embarco nas horas de um compromisso consciente que é muito mais que uma vitória ou uma pauta, é como uma bandeira que hasteei cá dentro, uma batalha comigo, uma guerra contra a inercia de movimento, um grito tremendo que sei de onde vem, sei tão bem...
Na minha mente, aceito este mar revolto, meu companheiro, já faz tempo, digno de mil lágrimas e de uma culpa que não me nego, deixo que doa, que preciso, conheço a minha pele, o meu corpo, sei o que fala e o que cala, sei porque chora e não há motivo terreno nos meus passos para que assim não seja. Por isso, me sinto e me doi, uma dor que me transborda de vida, conhecedora de mim mais do que as minhas palavras.
Leio, estudo, esforço-me e simultaneamente, desenho um caminho, como se a minha terra esquecida clamasse por vida, por agua, por ser tratada com as mãos com que alberguei flores e marés esquecida da verdade de mim.
As horas passam, ouço o som das ondas, ouço as imagens que guardo, ouço uma voz que me grita cá dentro, genuina, e olho em volta, e este sossego atroz dizima-me  e olho de novo e invado-me de uma vontade tremenda de gritar, de desatar a correr, preciso de ar depressa, preciso de luz, de agua, preciso de me perder num caminho qualquer. Ou se sente isto ou não, ou se anseia ou se geme ou não, sempre soube que este momento iria chegar, senti-o aproximar-se, rejeitei-o, neguei-o, tornei-me eremita numa gruta, gritei sozinha, pedi-me desculpa, fiz as maiores parvoices que uma mente pensante consegue para se negar, neguei-me no fim, isolei-me, castrei-me , apelei ao medo a razão, mas é mais que isto. Não sei explicar a ninguém o que sinto, por isso escrevo, grito, choro, e não é por sofrer, é por alivio, por verdade, por ansiar mais que tudo gritar mais alto ainda.
Sou simpatica, interessante, inteligente, tenho teorias e coisas para dizer, tenho uma sede de ser que sei ser só minha, tenho gestos que me fazem reconhecida da minha essencia, e tenho uma voz tremenda que não se cala há tanto tempo, o que é que eu estou a fazer aqui?
Estou longe das pessoas que amo, consciente pela verdade que lhes devo, estou certa que no final deste semestre darei a mim mesma sossego, sozinha, seja onde for, fora daqui, não me encontro em lado nenhum, não me vejo na minha presença, não me ouço na minha voz, não sou nenhum dos retratos pintados, não tenho o tamanho de nenhum conto, sou o que trago cá dentro que grita, que respira, que chora agora pela consciência plena da minha história. 
Tenho quase 40 anos e não me vejo, porra!
Mas sou boa pessoa, amiga, simpática, prestavel, companheira. E não me vejo e tenho saudades... Tenho saudades da minha irmã, do silencio do meu pai, do sorriso da minha mãe, da noite, de dançar, de ir sem saber para onde, tenho saudades de mim como nunca tive. E eu sabia que ia chegar aqui, soube sempre!
Valeu a pena? Claro que não, claro que não!

21 maio 2010

A parte boa, é rever-me ainda agora, capaz de ser amiga, mais por dar que por ouvir, seja lá o que for, não me interessam as horas, nem lembrar-me que nos últimos dias, esqueci-me de dormir. É esta sensação de cansaço, que nos faz rir sem motivo e sentarmo-nos no alcatrão noite fora, rodeadas de papeis e palavras soltas. A parte boa, é uma vontade crescente de me desimportar do que verdadeiramente não importa. De madrugada, depois de um malfadado teste de Fiscalidade, de ter deixado esquecido no meio de mais papeis uma parte bem feita e de me ter rido à toa, desisto, não controlo, sento-me no chão, rodeada das minhas coisas, das chaves que não sei delas, de pensamentos que nem entendo, de cara quente por um momento que não saberia descrever, por saber que agora, não é senão este segundo, que um sorriso vale a verdade do meu rosto e que me elevo, nas inconsequências e na algazarra apregoada de carisma e teoria, não adiro, não quero.
A parte boa, é a paz que me envolve de saber que nada me espera e sentir-me cheia, são as caminhadas que me descrevem, passos desconexos, gestos sentidos por serem à toa. O que genuinamente me aquece, é a descoberta do meu espaço, sem eco, nem fronteira.
Tenho orgulho em não ser certeira, nem certinha, nem postada em coisa nenhuma, ser mimada, e outra coisa qualquer que o momento que se segue me haverá de mostrar.
Fiquei fechada por detrás de um portão que não se abria, não tenho pressa e, não faz mal, não interessa. Importa-me apenas manter viva, esta sede de ser, sem face oculta nas madrugadas isentas de resposta, que quero mais perguntas ainda. Apetece-me destruir palavras e atiçar perfumes, apetece-me brincar com o lume e afundar-me na onda mais alta, apetece-me não ser mais que alma. O que sou capaz, não se reflete, o que sei, não se diz, o que gosto é minha herança e as minhas mãos ainda espuma.
A parte boa é o silencio que me faz ser una e a voz que me chama por detrás das cores terrenas da estrada.
A parte que me encanta é este pousar de cabeça encostado na sombra, este respirar tão fundo, por coisa nenhuma.

19 maio 2010

Duende del Sur

O laranja, adormece na leziria como que pedindo baixinho que se veja, nas cores que são mais que uma, na luz que o rio transforma, de calma em chama que me arde nos olhos.
Tento deter a minha mente ali, num lugar desaguado que me ensina mais de mim do que de uma ciência árida, cume de um caminho que me será potencia. Brinco com números sem saldo, tenho sede crescente de me pensar, de me albergar numa memória futura, motriz de passos que vou aprendendo. Adivinho as curvas do rio, sinto-as nos contornos do meu corpo, como se o ocaso me despisse das palavras que nada dizem, somente um raiar de sentido que me apraz deixar ter.
Tento reter por mais tempo, um rasgo de luz que me aquece a pele e reflecte uma história que não consigo transcrever em prosa, arruinaria o encanto com que a sinto.
Concebo um mundo que se abre, conforme sou capaz de o ser, concebo uma estação de agua e calor, e de todas as sensações que os meus sentidos pedem, mudança de um rumo que se desenha na obra que me permito, concebo-me a calma que me fala mais alto, e a renovada saudade de me lembrar. Concebo o mesmo rio que ouviu mais que eu, a voz de um conto que precisava viver, preciso cada vez mais não aderir, não me dizer que faço parte sem o fazer, não me dizer que rio se corre agua na minha cara, ou que sei quando peço baixinho entendimento. 
Como se pode viajar tanto, sem movimento? Como se pode crescer sem ser primeiro? Como pode este instante ser pioneiro de um cume virgem, que me habitava sem o saber?  Tenho tanto a aprender...

18 maio 2010

Sera


Quantas vezes me despedi de mim, mal me despertava para um caminhar ensaiado, corrido e sem nexo a que me ancorava de vida? Quantas vezes me desdisse na ansia de me quedar num abrigo sombreiro e despido?  Quantas vezes cruzei um mar sem cor nem cheiro? e as pedras nos ribeiros que nunca senti? Quantas vezes se fez dia sem que o visse? E as noites, que sozinha me via passar sem vida?  Quantas foram as horas que me falavam sem me despertarem os sentidos?
Despedida é uma palavra sem cor, feitas de todos os dias que não se vivem, porque na minha cara quente há uma vida maior morta de ausência e nascida do que o silencio transborda. Os contrários falam mais que os simples conceitos.  Despedida não tem morada, nos meus olhos ofuscados do que precisei morrer para vislumbrar. Despedida é a pegada demorada das palavras, vãs e marcadas de um pensar coeso e envergonhado que nos faz crescer. Despedida é o cais que nos rouba o sentido.
Desperto com o raiar da lua, choro por me doer tanto e sorrio pelo conto eterno que não manejo, é cor, é espuma, é vaga solta que mora em mim.
Quedo-me de fronte aos meus olhos e desperto-me de cada momento em que me vi. Um instante , bastaria para me levar ao tempo em que me mostraste o alcance das minhas mãos. O tempo deposita-me a memoria, semeia o dia que me percorro, inteira, sem reservas sobranceiras à verdade de mim. Um dia, uma hora, um instante. Estás em mim no despertar do meu dia.

Soma de tempo


Vês, de olhar rasgado e ainda dormente da demência que me vestiu? Vês para além dos meus olhos que despertos, entoam cada instante em que me deixei ser? Ser de um ser impensante, sem redeas de mente que a razão denegriu? Vês um brilhar que me aquece, um momento ao longe, que nunca foi perto, nem nunca se ouviu? Ouves a minha mente calar-se à voz insana que o passado me ofereceu? Fui eu, misturada, roubada, aos elementos que me gemem, que me sentem cá dentro e que eu ousei pensar calar?
Sentes o degrau primeiro, erguido de palavras que foram madrugadas sedentas de aprender? Ouves este silencio que me inunda agora, não sei de clara, se de nevoa, ou se de um sentir cimeiro que me rasgou por inteiro, até aqui?
Vês o tempo? Sentes a água?
Ouves o cheiro que emano, sem gesto terreno, que me inunda de ti?
Manhã submersa de um caminho que me deixou desperta depois de me partir.
Surribei a minha terra, semeei o meu credo, reguei-me de silencio, e danço aos elementos que me abençoem de jeito e de nascentes de me sentir.

17 maio 2010

Alba


Porque chorariam as calçadas se a terra treme de um alento desperto?
Se os pássaros pousam num conto eterno, nos contornos que o ensinamento subtrai à razão? 
São gestos, motes de sentido que o tempo perpetua. 
Julguei saber das histórias, capaz de encenar na memória o que a mente me roubaria.
Aprendo, nos gemidos de cada lágrima fria e num sorriso que só desponta ao raiar da madrugada, que sou pequena perante o que sinto, sou vida, despida do que não me avista, sendo estrada ou um breve instante,  simplesmente me guardo num horizonte de sentido.
Desperto-me do filtrar de mim.
Não há estação na minha hora, há uma eterno amanhecer que sonha.

14 maio 2010

Skeleton Coast


Ficaram marcas, salgadas de um aroma que, por ser meu credo, emana da soma de todos os tempos passados, de um aspirar demorado, de um conto habitado por mim. Ficaram pegadas que a maré não beijou, pousadas na leveza de um voo partido, denegrido e desfolhado. Ficaram demoradas palavras que fui ouvindo sem me saber, partida ou chegada, uma madrugada anunciada pela força de não ter fé.
Ficaram nas minhas mãos pousadas, cristalizadas num olhar, imagens que nenhum gesto terreno seria capaz de profanar. Desloco-me, enquanto as peças se ajustam num triunfar crescente de um jogo que não me seduz.  O ensaio desviou-me da estrada alcatroada onde acelerava, inquieta e insatisfeita. Brilha-me na mente o desnível do horizonte, os contornos das serras ao longe, e um mar demente que me encanta, pela forma como aprendi a olhá-lo. 
Ficaram em mim palavras que nunca se ouviram, nunca se disseram, ficou a essência que escutei surpresa, coesa           na magnificência que não se traduz e na pobreza que o poema engana. Ficou na minha pele o suor não sido, o gemido de um farol que alberga sustento e nevoa sedutora na brisa fresca do tempo.
Ficaram em mim.
Estrada batida de sentir, de calor, sinuosa de tão clara. Este silencio diferente é sentido numa costa sobranceira onde ao luar,  voa um pássaro branco, branco de asas soltas, como me ensinou.

12 maio 2010

החשכה


Cheira a rosmaninho este momento, e se olhar em volta, sinto o gesto das estevas que nos envolvem naquele toque doce e eterno. Passei como quem passa da terra ao pensamento e vi-me num reflexo de um ribeiro que corria ao meu lado, pisava o leito com um som cantado ao verão, sedento por não secar. Vi-me e voltei para me ver com novo olhar, vi um sorriso que já não me via num tempo que me deixou ver melhor. Tinha um ar cansado, atordoado ainda, da distancia e crença que os sinos assinalam, para lá da colina dourada. Tinha os meus pés carentes de agua fresca e a cara seca de quente. Parei e ouvi-me cantar. Estranhei por ser tarde, e os sonhos terem-se já recolhido no ocaso multicolor que só este lugar transparece. Estranhei por ser um canto que já nem me lembrava de saber. 
Sinto as mãos leves como nunca julgara poder, nada esperar e nada querer, voltar um passo para me ver. Reconhecida pelo cumprimento de um rosto que, sendo o meu, ainda estranho e reconheço, sentido temido do meu caminhar. 
A noite vai caindo de mansinho, gritando em silencio uma canção de embalar, esta não conheço, enrolo o meu lenço ao pescoço e deixo marcado, neste lugar, um momento terno com o meu rosto.

11 maio 2010

Memória desigual



Do outro lado da margem, vejo um ocaso que trouxe de pequena
Vejo um poema cantado lado a lado
Devagar, porque devagar se sentem os sons
Vejo o aroma dos sinais, margem serena e tão doce.

Do outro lado das palavras, que as tribunas proclamam
Vejo nos sentidos esta terra, perpetuadas  num conto
que o mundo me deu

09 maio 2010

Nuvem



Escorre agua na minha janela, e um assobio estranho, ouve-se nas portadas e fechaduras. Lá fora, haviam caras e danças, musica e uma mescla de perfume adocicado que me não deixa ouvir mais. Como eu gosto de sentir este cheiro de terra molhada, este aroma de outro tempo misturado com o agora. 
Apetece-me este chá que bebo, apetecia-me saltar à corda e fazer legos, não tenho sono, acordo-me de uma soma de promessas e cortejos que passando, não ficaram mais do que o tempo de me fazer crescer. Palavras quase ditadas, ensaio já gasto, sem corpo. Na multidão composta de aromas e movimento, sobressaem os elementos silenciosos que me descobrem no olhar.
Brindo de agua o caos ordeiro, o preenchimento do meu esvaziar, de escolhas e cores que não peço, não esqueço por nunca me lembrar, um segundo, uma hora, tempo que me deixa chegar. 
Há um campo em mim por semear.


08 maio 2010

Olhar



Foto: navegante de sonhos,pai

Gosto de guardar nas minhas mãos o poema que trouxe dos meus olhos em criança, como uma trança que fui tecendo ao tempo. 
Gosto dos contornos que a minha memória me alcança, de presença, de momentos.

Ahimsa


Soubera embalar-me deste sentir que me habita, uma memória perdida, perfeita, vazia de explicação, soubera aquecer esta calma, do simples fresco da noite, do retornar convicto, comigo, abrir a porta da alma, aspirar do fundo este silencio, este esvaziar preciso pela corrente de mim
Soubera esquecer este tempo, carregado de um trovejar cinzento, de vontade de silencio antes mesmo de ser expressão, do imaginário que pinto, no abrilhanto da escuridão. Por ora, serei asa envolta em nevoa clara, desenhada mais ao longe, no alaranjar da aurora. 
Soubera desenhar mais ainda,  que pegadas marcadas, são sementes de uma lágrima, apontando direcção.

07 maio 2010

As palavras não me saem da cabeça, vou apelando a uma razão que nem me interessa. Como é que aquela mulher sabia de mim? E este súbito descompasso de tempo, esta calma que me vem visitando. Como é que ela sabia tanto? 

Afinal tinha uma posição que nem sabia que era minha. Não suporto aquele branco, fere-me a vista e a audição. A escola devia ser um espaço de intercâmbio, devia ter pinceladas de imaginação, cores e fontes de sentido, devia ter um jardim com pássaros e flores do mundo inteiro, devia ter um laboratório de conhecimento, um banco de ideias, mas adiante, não tem... Tem a D Luisa que me enche os olhos de um sorriso único com cheiro a arroz doce. Tem um professor de Direito que me embebeda com Pessoa, tem caras novas que vou retendo e o meu arco íris marcado. 
Terá amanhã os claustros, as horas, terá as viagens que farei.
Esta não tem.
Tem este branco tremendo, esta cor devassada, esta claridade despropositada, as janelas para a planicie são opacas, fechadas à noite, não percebo, por isso, sento-me e ponho as mãos nas bochechas e seguro-me da cabeça aos pés, e apreendo o que me vem.
Ilustradas com cores laranja, o CIVA, passa por mim, como um amontoado de obrigações que, resumidas caberiam num parágrafo. Isto sim, aquilo não, excepto a Art 6º, que existe para defender a fronteira entre a sanidade e a loucura. Arquitectei metáforas, pintei flores nas margens, e só pensava no velhote e no cortador de relva. A minha conclusão é só essa, o melhor veiculo para se trabalhar na União Europeia. 
Tenho a cabeça tão cheia de códigos, Iva, Irc, D Comercial, Fiscal, Snc.... que não sei já de mim.
Estou cansada.


06 maio 2010

Anglesey


Segundo me disse, algures no Sec xvi, era um viajante de sonhos, um homem de mente e de escrita, solitário por opção, vivia num cabo na Escócia, viuvo e sem filhos. Deixei a vida inteira escrita, de fronte para um farol, escrita de mar e marés. Vivi meio século acompanhado de mim, porque algures a meio, abandonei a terra que não me pertencia, ferido por qualquer devaneio, ou uma verdade maior. Segundo dizem os olhos fechados e as mãos, fundir-me-ia na energia que o mar me fazia, talvez por isso, escrevesse tanto.
Sentada, a minha mente divagava nas questões do descrédito, mas devagar, fui deixando-me ouvir, fui fechando os olhos se me pediam. O silencio fizera a minha entrada, contornava-me uma sede estranha de me ouvir, quem sabe, da boca de uma estranha. As primeiras direcções afugentaram a guerra descrente, um por um, os passos que trouxera, eram falados como se aqueles olhos entrassem e me despissem do mais fundo de mim. Deixei de ouvir os sons da rua, a musica e o presente. Extasiada de um conhecimento crente, ouvia de mim, de outro tempo, não sei, não sei nada disto.

Sem tempo, era india, de uma cor mais escura, numa terra costeira, vivi uma felicidade imensa que me fere agora, que me espanta da terra que sabe nunca me ter acolhido. Abri os olhos e os olhos choravam e diziam que tinham aberto uma porta e era belo o que viam, de um azul que não existe nas cores, de uma força escondida que eu grito não ter lugar, sim? E eu, embargada, assustada, sentia mais que ouvia, temia também palavras que me falavam, não sei, sentia.

Correram-me as lágrimas que retive tempo demais, um sabor adocicado foi aquecendo a minha cara. Em silencio, dei as mãos e as lágrimas, abri o peito de mais, sedenta de entender este compasso, e os olhos diziam que na garganta, eu corria, como se perdida, faltasse o tempo de semear na minha vida, o que já floriu por dentro. Senti o meu corpo abandonar-me, senti um segundo, a leveza de me ter, vi a fogueira violenta onde joguei um por um, cada laço, vi-me com uma vontade gigantesca de ser. Não tive os sentidos mais claros, esqueci a vergonha e o medo e chorei e ri, não sei, não sei mais nada.

O mar real ao longe, chamava quando saí, os meus passos já não me pesavam, o meu corpo era mais que uma massa tratada e esquecida, não percebi a viagem até sentir os pés molhados. Claro, silencio, pedi perdão, perdão pelos laços, pelas marés, pela inexactidão dos meus passos,  pedi perdão aos sentimentos, e sorri e dancei e abri os braços, e aquele momento entrou em mim, e eu não sei o que foi. Não sei ainda agora, o que foi isto.

Preciso-me agora...

Lembras-te quando os sentidos eram contornos do nosso corpo? Fragmentos detalhados que nos embaciavam o olhar? Lembras-te do mar sereno e do cheiro que os barcos ofereciam ao partir? E do acenar doce das mãos que trazia no meu peito? Lembras-te dos mundos que inventávamos só para nós? E da voz? daquele silencio tremendo que nos levava tão longe onde não sabíamos chegar?
Lembras-te de cantares sem motivo, de naufragares mil vezes num instante e de seguida, despertar? Lembras-te dos adornos com que fizeste o teu sitio, teu abrigo de oriente, teu motivo de te ver? 
Estás comigo ainda na nascente e na foz, ou onde me levar? Estás em mim no sorriso que me devora de sede, que não me deixa dormir? Estás nesta mente capaz de tanto e carente de ocaso? Estás nas esferas redundantes que te envolvem e cegas, rodopiantes, fogem e não habitam lugar em nós?
Estás nos braços fortes que calcorreiam escadas de feridas sem as ouvirem sequer? Nas palavras ditadas antes das respostas, nas questões universais sem forma cujas arestas nos demovem, ainda hoje, sem paz? Estás?
Sentes-me ausente? Paralisada de um foco ilusório, feixe transversal de sentido? Sentes as pegadas que fui deixando, circulos em volta do pranto e do nada, no farol rompante de uma qualquer madrugada?
Vês a nossa estrada? Dás-me a tua mão fria, refrescada da seriedade de tudo o que me perfaz? E o que me fica, o que resta, este brilho, esta caminhada precisa, que me sai da alma, que dura mais que devia, rica de nós, herdada de uma maré desconhecida, de uma voz silenciosa. 
Voltas aqui ainda, ou nunca partiste sem manifesto presente, que eu sempre te senti dentro de mim, naquele pedaço que me faz virgem do noivado com a vida.? 
Pega nas redeas agora? estou sem força, sem nortada que me abarque, e o mais estranho é este mapa nas mãos, decifrado por fim, depois de mil contas. Devolves-me a fantasia, a coerência e o sol no olhar?  Divulgas-me em mim, como um cartaz renovado em homenagem? Só preciso de dormir por um tempo, negar os gestos terrenos que já me enfadam, dormir renovada, acordar contigo, somente.
Sei os elementos que nos sabem, sei de ti como tu de mim. acordas?
Preciso do outro lado de mim, por um tempo, agora.

05 maio 2010

NCRF

Está claro para mim, estou no curso errado, como, aliás, em tanto, vou-me conhecendo na devida proporção do meu caminho. Custa-me ouvir a exclamação em forma de opinião no mesmo sentido. Há vontade ou não, há perfil ou não. Nunca pensei...
Desvio-me cada vez mais das normas, das regras, das imposições sancionatórias, do deve e haver. Não gosto, é árido, sem ponta por onde desenvolver. Gosto do raciocinio da matematica, do quebra cabeças das probabilidades, detesto Contabilidade e Fiscalidade.
Eu sei, corro as listas de procura, tenho mais valias e ponho nas mãos ainda o horizonte que criei, os resultados dizem-me o que valho, apesar de me desviarem do respeito pelo rigor e exigencia. Os dialectos e a norma desviam-me, é desértico.
Leio Thoreau de um trago, perco-me sem fundamento nas leis matemáticas, procuro-as no tempo que me devo, mas esta história não tem espaço em mim, vai tendo.
Que chatice, esta sensação que estou sempre atrasada na percepção de mim.
Mais uma noite para perceber a norma 25
Mais não sei quantas divagações que me distraem.

E aquelas coleguinhas, aquelas coleguinhas.....
Que neura...

04 maio 2010

Sinto a tua falta porque me falto, se existes no espaço que sendo meu, te ofereci , faltas-me na ausência de mim.
Sinto a tua falta nos sitios onde me vejo presente, no silencio que me preenche na ausência de ti.
Sinto-me na tua falta, falta-me a parte de ti.
Entre os dois tempos não cabe, não pode, a razão de não te existir. 
Porque se existo, tu estás presente, mesmo que esta ausência violenta me queira esvaziar de ti.
Sinto, de vez em quando, ainda, a ferida, o grito e o silencio que mesmo não parecendo, sempre me fez tanta falta em ti.
Conheço a coerencia, o pensamento, conheço a insustentabilidade e o pesar, mesmo assim, esta metade, faz a ausência de mim.

03 maio 2010

O meu saco tem um mundo que não conheço lá dentro. Conforme as mãos cegas se movem, encontro coisas perdidas e perco as que procuro... às vezes, com pressa, à porta de casa, com uma vontade súbita de ir a casa de banho, desaparece tudo.  O meu saco é um deposito das coisas que não sei onde pôr.

Com isto tudo, acabei de descobrir que mandei o meu cartão bancário para o lixo.

Gayathri

Os pratos na mesa cheiravam a um Oriente que não conheço e me encanta, numa sala, jovens e menos jogavam poker por entre sorrisos com voz. Uma confusão dispar que foi entrando em mim com sabor a paz. Como podem os contrários ser ordem e união?
As salas iluminadas de velas, as cartas, caras novas, uma musica de fundo que me invadia,  musica, sendo eu estranha, fui-me sentindo em casa. Sentada, rodavam palavras de temas com nexo, de uma vivência plena, gritada de conhecimento que aspiro, e os olhos, os pés descalços ao passar a porta. E eu, estranha, arriscada, fui sentindo em mim fazer parte. Um partilhar novo, sem junção de mãos, sem um olhar na mesma direcção.

Conheci na voz calma de uma senhora tão grande, as cartas, os meus sentidos, o anel de serpente que não me afaga, o meu sol está lá à frente. Tenho números na minha mente, matemática, tenho terra nas minhas mãos, tenho coisas lidas que só eu saberia, só eu. E aquela senhora, aquela calma...
Morrer é ser vida de novo, tenho um passado que magoa e me faz sorrir, um sol posto no meu colo, tenho uma pedra que trouxe.

Quero ver para além do cais que se empedra, quero tocar onde os meus olhos não chegam, vou tocando os contornos, esquecendo as formas que me desenhavam, disformes, culpa minha, vou aceitando marés vazias e um marejar sossegado que me retorna num espaço novo. Um desejo cada vez maior de crescer, de espreitar mais ainda, de ouvir as histórias que não conheço, de dar, quero como o meu corpo.
Desviante do padrão, longe, longe, negação da norma repetida.
Mais não.

Viva!!!

Quero lá saber do ego inflamado e de mais isto e mais aquilo, e da humildade...
Tou tão contente, mas tão contente...
Não é pelo absoluto, não é por conflito ou competição, não é pela chama
é que há uns tempos eu já mal me reconhecia ao espelho, não sabia sequer o que me fazia a não ser o reflexo dos meus sentidos. Era prenhe sei lá de quê.
Esfolei-me, recolhi-me, ri-me quando me garantiram que não se consegue.
Porra, tive um notão em Prob e Estatistica.
E estou aqui sozinha e cheguei agora e estou contente por mim.

02 maio 2010

Mãe

Senta-te comigo
neste banquinho de verga
ensina-me a esculpir uma forma
na sombra do teu olhar

Que são meus olhos sementes
De uma seara que cresce
De um embalo tão sereno
Do teu colo, do teu amor

Minha mãe cheia
Minha lua
Minha nascente
Maré que transborda na espuma
O teu colo cheira a mar
Cheira às cores que me deste
Ao calor do amanhecer
Encontrei-a!
Está ainda mais bonita, mais ela...
Como se disformam os contornos, como um espelho convexo, como simplesmente a aparência expectavel é mentira. Vi uns olhos brilhantes de dor, mas mais claros, mais profundos, vi um esgar no sorriso que é raiz de um pensar fundamentado. Vi o tempo que é preciso até se chegar, sem aviso, sem aplausos.
Falamos, noite iluminada de luar e de um castelo enfeitado que ainda me alimenta o olhar, falamos dos sinais, de um padrão que me remete a uma verdade universal, seria assim, fosse como fosse, é assim que gira a Terra.
Tão bonita que a vi ontem, tão clara e sofrida, tão perdida como eu, achada da soma provada que esta vida tem que ser lida de corpo e alma. 
O abraço que me envolve agora, era quente, sentido.
E a estrada que antes temera, fi-la a cantar, como não sabia já saber, como não esperava ser capaz.
Trouxe comigo aquele sorriso. Achado da nossa alma.

01 maio 2010

Tinha uma amiga, com uma voz bonita e sofrida, à primeira vista pareceu-me enorme, dita de mundos e sonhos, dita de construção destrutiva, tinha uma voz serena, unica, falava ser diferente, ter um mundo só seu, feito de coisas enormes, intransponiveis, e eu aplaudia, e semeava um sentir por ela, feito de mim e da distancia, da admiração. Sendo amiga, faria tudo por ela, ouvi-a nos intervalos que sobravam da obsessão, estive ao seu lado na solidão, na confusão, partilhei os meus erros e as minhas feridas mais doridas, fui ouvida, nem sei, mas faria tudo outra vez. A vida não lhe ofereceu muita coisa, o Deus amantissimo e a teoria das portas e janelas, esqueceram-se da tregua merecida. E eu sentia, sentia por ela, pela vida, e esquecia o esquecimento, esquecia que também eu precisava, de vez em quando. 
Ouvia ser tão grande, ouvia ser unica, ser tremenda, ser capaz de transpor reservas que me tolhiam e quedavam, bebia dela a certeza de um dia ser capaz, de mandar tudo a merda e mergulhar no acaso de corpo e alma. A minha amiga era linda, por dentro e por fora, mais bonita que eu, mais verdadeira, e eu esquecia as ausências, esquecia que me cabia os frutos da dormência. E lá estava eu, de mãos estendidas, como sempre, para o que havia e o que não, crente na grandeza que a moldava, na força, e na tristeza de um destino estúpido que nunca fui capaz de entender.
Dizia-lhe muitas vezes que havia tanta porcaria por ai, emprestada por qualquer coisa, tanta mentira que soa a razão, tanto mimo de barriga cheia, e ela, ela não, ela merecia tudo, e eu estaria sempre com ela. 
O sorriso era oferecido, a arrogância era medo, a vergonha desdita, a pequenês elevada a um expoente de birras e conflitos e caprichos que eu sentia serem de direito.
E o ciume, uma forma de não se dizer, ser tão pequena como eu, grande afinal na essência. E eu pensava, não, tenho que aprender com ela, a ser desbocada, a ser meramente o presente, a lutar pelo que sinto e a crer nos sentidos.
Foi só com ela que arrisquei falar mais de mim do que digo, da minha mente estranha, do sentir que não entendo, de tudo e de nada.
Hoje, nem a vejo, nem a sinto, nem nada.
E hoje, chorei por ela,
Não a encontro

Se um dia passares pelos meus olhos
Corre na nascente que me nasce
Limpa o negrume que criaste
Lava de agua o desencanto
Vê lá dentro de mim

Se um dia passares pelos meus olhos
Olha-me de frente, em silencio
Sem nexo nem fundamento
Olha apenas para mim

Se um dia te lembrares
Não olhes para o que moldaste
Lembra-te só de mim