29 dezembro 2010

Tenho mais vida que a minha

Aqui sentada, sinto o vento, sinto a força dos meus instintos, maré revolta que me invade como nunca na vida. Sinto-me transformar por dentro, erguer-me de cada elemento que se fez primeiro, que me oferece força tão mais forte que a minha. Hoje gritei tão alto, sufocavam-me as roupas apertadas de conceitos e portos seguros, de palavras mascaradas de uma cara que não é a minha, é a herança de cada mão dada e vazia, é a tempestade disfarçada de calmaria. 
Hoje revi num segundo, nos olhos doces da minha mãe, tudo aquilo que não sou capaz de calar, por credo ou por sina, lembrei as palavras tementes da minha velhinha, na penumbra da porta, mãos desistidas no ventre, clamando que me quedasse, quietinha, que não fosse o que meus olhos rogavam. Hoje o cabo dobrou-se comigo, encharcou-me a cara, tremeu-me por dentro.
Hoje senti a textura da terra que clama, terra fria, senti a minha herança, movimentos que me alimentam como nem sabia, tudo à minha volta se reduz, se aligeira, não são guerras, são meros retalhos esgotados dos meus sentidos. Hoje bani a bandeira, sou soma por dentro, palavra calada, fim do inicio que se tornou circular.
Vejo a clareira onde me detenho, onde depositei este grito, sem o eco ou abraço que julguei ser preciso, vejo a lareira acesa e fria, vejo o que escrevo sem medo, sou mais que meia, sou agora. E respiro este vento, já morri de medo, já estive calada, já estive perdida, ganhei em tempos o fôlego que me anuncia cá dentro. 
Sonhei ser menina, ser querida, ser metade de um todo, fiz-me pedaços de um conto sem pronome que me assista, sonhei ser ouvida em silencio, ser amada, tornei-me capaz de tudo e de nada, desmembrei-me de abraços e aplausos e segui rumo, nove anos e meio de esfolões nos joelhos e sorrisos envergonhados, porque não sabia ou por ser tudo tão novo ou sem magia. Tremi de saudade e de vontade de me decifrar olhando nos olhos, enfrentei salas frias, caras fechadas, calei orgulho e voltei-me costas para não sentir que sofria. 
Hoje senti que sofria, que este vento na cara me reconforta e eleva, estou preparada, estou forte, tenho as minhas mãos libertas de palavras, tenho o sonho mais belo nos olhos, tenho vida mais que a minha. 

09 dezembro 2010

Armo-me de mãos cheias de coragem, ponho a minha mascara inimiga, defronto o tudo e o nada e digo, "não tenho medo". Cá dentro, estou tão assustada...
De madrugada, faço a viagem, invento paisagens novas, invento contos e viajo mais que a estrada em pensamento, afasto esta verdade que me magoa, penso mais à frente, penso tanto... Verdade com sabor a culpa e consciência amarrada, com uma vontade tão grande de traduzir o que me invade por dentro.
Estou cansada de palavras coloridas, de narrações descritivas da claridade aos olhos de tudo. Apetecia-me sentar-me numa rocha, falar do que não gosto, do que não se fala em lado nenhum, da maldade que por vezes me assola, apetecia-me ser inteira e não me sentir perdida.
E eu consigo. Sem dar por isso, caminhei até aqui. Colori as salas vazias, os silêncios, andei por sitios sem querer saber onde estava, quase me despedi de mim, gritei alto quanto podia, aprendi a contar comigo a dar-me sentido. Sou a minha companheira e a minha madrasta, esqueci-me do quanto quis ser amada e desta sede enorme cá dentro de ser, apenas isso. 
Enumero em crescendo, cada erro, cada passo, isolo-me porque preciso. Conheço bem a minha mascara, em cada olhar que me elogia sem me ver, em palavras precisas e vazias, palavras bonitas que não me dizem nada. Porque a verdade é tão mais que isso, é esta face assustada que vejo agora molhada.
Tenho medo e sei que consigo, é só mais uma caminhada, mais uma sala vazia.

Escrevo e rasgo-me por dentro e respiro, sinto-me una e desencontrada. 

08 dezembro 2010

Hoje sonhei de verdade, sonho adormecido que ainda agora me acompanha. 
Sonhei que existias no meu espaço pequeno, que me olhavas e sorrias, eras corpóreo e repleto de cada face que nunca descobri, por isso não tinhas cara, tinhas cores e voz, tinhas as mesmas mãos que me arrepiavam sem tocar, tinhas palavras no silencio do teu olhar. Nada em mim era pensante ou encenado, nada era preso do medo ou da ideia de um desencanto, feito fado. Eras a soma de cada lado, aquele lugar onde desaguo sem temer naufragar. Eras ancora e barco à deriva, tela preenchida por desenhar, e eu, despida de tantas imagens com que me perco a esconder, esquecida de cada ferida que me fez crescer, era lua cheia perdida na minha forma de ser.

Chove tanto lá fora...

Água fresca com cheiro a terra, uma mescla de cinzentos que acentuam os contornos.
Ontem já tarde, línguas de névoa pincelavam o céu de cores, névoa clara e magnifica trespassada pelos pontos distantes iluminados na serra. Como sempre, bastei-me na minha dimensão, nos sentidos que me levam longe dentro de mim, na soma do que vi e imaginei, do quanto viajo ainda renascida nas vivências que me ficaram, despida de outras tantas que passaram sem que eu própria as sentisse. 
O nevoeiro sempre me fascinou, já me perdi e encontrei nele, devolve-me a claridade das madrugadas feitas de mim, da percepção real e adivinhada do que me rodeia, das cores, dos cheiros emanados de cores que bebo como de olhos fechados. O nevoeiro embebeda-me de sentidos que mal manejo.

02 dezembro 2010

O tempo brinca comigo, desafia-me no meu credo sem lhe perceber o motivo, brinca nos devaneios fundamentados sem permeio ou sentido. Tive nele tempo de questionar cada caminho, qual solitário adivinho tentar ler nos elementos, a veracidade da causa e efeito, do inicio de cada fim. Tive tempo de tanto como cúmplice ou ateia. 
Companheira amena nos momentos em que me parece que o caos me dá vida e a ordem não tem sentido, noutros em que questiono tudo, até eu própria e, procuro palavras que valem apenas um pensamento, um  adjectivo reflexo em que não me revejo. Admiro o silencio acima de tudo, aqueles instantes em que me parece que caminho convicta do meu horizonte. Na verdade, sei-me perdida se olhar em volta.
Detenho-me à beira das estradas, nas ruas, nas caras que gritam certeza despidas de nostalgia e sonho, bebo os livros como amigos e afasto-me dos corpos falantes, vazios.
Tenho tempos de alma tão cheia e mãos vazias...
Tenho saudade e esperança.
Tenho tanto de mim assim perdida.
Tenho esta impressão quase magica que o tempo nos perde e alimenta, que cada respirar mais forte é uma porta  entreaberta, uma palavra nova, esta brincadeira de que não sou dona.
Menina, fazia-me magia com peças que construia, imaginava mundos, conversas, o meu amor primeiro foi inventado antes de tempo, amor verdadeiro foi o tempo de sentir mais que eu sabia, mora em mim degladiando a calmaria e bonança. Amor e tempo ruborizam a minha cara molhada, vida verdadeira, vazia de premissas e alicerces, sentida apenas.

18 novembro 2010

Ela saiu de mão dada com a madrugada que lhe fere a alma e acalma , que lhe dá vida e chama. Dormente nos passos leves que o corpo alcança, reticente da história que encerram. Tem medo fechado nos olhos, olhos que bebem cores e espanto, tem musica no rosto onde se esconde, tem a mesma fantasia que no tempo em que inventava as cores e cantava ao espelho, que a lua era conquista e as madrugadas horizontes.
Se ninguém a olha, ensaia sevilhanas nas passadas,  joga os braços onde a mente não alcança, grita baixinho cada sentido escondido nas palavras caiadas de branco. Se ninguém a ouve, escuta alerta o que ecoa lá dentro, decifra as marés nascentes e o anuncio de 40 anos vividos entre sonhos e ruas escolhidas, estradas desertas e escondidas, entre searas anunciadas em que habita tão mais que aquela porta.
Menina de olhos postos para lá desta estrada, ferida de uma vergonha disfarçada, perdida na procissão alucinada que passa, sem que que nada lhe ofereça, dormente entre um sorriso sentido e esta certeza que não a descreve. Encerra em si a mentira de uma herança sem rosto, fardas brancas, sentenças, recusa de vergar o sonho fonte de vida.
Esta terra disfarçada, desmembrada em caras fechadas, em contos gastos e sem história, abraços despidos de laços, almas irmanadas sem serem. Esta terra é o leito onde busca um ponto branco nos montes, nas horas conversadas consigo, de lágrimas e saudade, de um sorriso que a abraça, ainda, céu rasgado de fogo.
Esta terra prometida, distante das raizes que a erguem, planalto aprumado de imagem, onde as pegadas não ficam, e o olhar se fixa mais longe na serra e na nevoa branca descoberta. 
Esta terra marca asa sem treino nem credo.
Na curva da estrada, cheira a feno molhado, a terra laborada onde antes dançaram girassois concordantes, cumes onde brincava vestida de lua cheia, metade de si perdida na encruzilhada deste caminho. 
Caminha , que o sonho que guarda nos bolsos, é vida e madrugada, que as pegadas molhadas marcam cada sentido, que a distancia propositada de caras e palavras, é mais clara agora, no compromisso de ser ora manhã desperta.
Saiu no mesmo movimento que orquestra cada gesto mecânico, as chaves na entrada, organizadas, um ultimo olhar desnecessário no seu condado de cantos e fados, seu armário de artefactos guardiões de viagens mais que  sonhos, leito ensaiado de noites suadas e vazias de conteúdo, outras, cheias de si, pleno.
A rua, aplauso silencioso de movimentos ainda estranhos, quem dera poder ser-se no turbilhão estranho das caras saudadas e cumprimentos diários. A cidade não o habita, porém veste-o de gravata, todos os dias, lavado de sentidos transbordantes  que apelam, que chamam. As árvores já despidas, reflexo de um anseio que poucos olhos conheceram, o seu âmago, seu peito. As passadas consentidas, caminhadas perdidas de encontro a uma vida mais sua que esta rua, esta casa.
Já viveu muito, tanto que os corpos quentes perderam o encanto, as palavras dizem mais silenciosas e no entanto, os seus olhos buscam apenas a certeza de, para além das ruas e das serras, haver névoa branca, haver mistério, busca nos olhos o espelho de si mesmo, rasga o céu nas tardes amenas compondo poemas entrelaçados de espanto, crescimento. 
Diz de si, pedindo, reservas silenciosas. Dir-se-ia estranho no despropósito de ser assim, desmedido e cauteloso, incapaz de partilha sendo meio, cheio de encanto de mãos vazias. Quem o procure que busque nas serras e nos campos, nas aguas correntes e nascentes, que o veja no vento forte que lhe lava a face e nas marés, testemunhas de conversas consigo mesmo.
Não chega, sendo já tanto.
O café quente tem mais sabor assim, jogo continuo, sedento de descoberta, não interessam as conquistas efémeras, guerra aberta com um descontentamento que o alucina, queria tormenta num farol distante, queria paz num colo quente que não tem corpo nas noites necessárias por ser humano, desumana esta oferta sem conteúdo. 
Saiu  como todos os dias, cansado de ver mais que queria e menos que a sua alma roga, vestido de imagem e  metáforas, ornamentado de um mistério que o anima e lhe dá cor, mascara da vergonha e do medo de se saber grande na nudez que já não mostra. Saiu, cumprimentando a rua, vestiu-se a preceito para ser ele mesmo, sem hora nem destino.
A estrada é pensamento, a musica que toca baixinho pauta a vontade de ser caminho, nas margens do rio que percorre na memória, tantas histórias que estas margens contam quando a nascente se torna paixão e a foz alberga semente renovada de esperança de ser esta mais que uma. Será que um dia se lança sabendo que nenhuma margem o alcança? Será barco à deriva, por enquanto, revisto nesta bruma amena da estrada que percorre. Quem dera perder-se nesta terra de espuma, ser ave migrante, quem dera ser cheio da terra quente que o chama, fazer amor por inteiro, gritar baixinho do medo e ser ouvido, ser mais que gente, menos que poema, quem dera ser essa voz de dentro, apenas.
O ocaso assiste, respira fundo e pára, firma os passos na areia molhada, a prosa ganha contornos na sua mente, terá forma mais tarde, por ora ultrapassa o instante que o separa do horizonte. Detem-se na praia deserta por ser fria, aspira o vento cortante que lhe seca a cara e olha em volta. as chaves desarrumadas num bolso, não é mais um dia, são aquelas pegadas firmadas na areia, é o grito que clama e o esvazia das ruas e das caras, é o corpo das rochas moldadas, o silencio que lhe fala, o bailado de palavras na sua mente, é esta verdade.
Quem dera ser agora maré vazia por ser cheia para lá do que avista.

08 novembro 2010

Cem dias sem ti

Tenho momentos, todos os dias, horas inteiras que me acompanhas, como fazias, com os olhos mais doces que conheci, olhos falantes que entendia. Momentos que viajo por todos os sitios que calcorreamos, eu perdida nos meus sonhos, tu atento aos sentidos, horas cheias de um carinho que me esvazia agora. 
Onde estás tu meu amigo?
Tenho procurado tanto por ti e não te encontro, não há pensamento que te não tenha, em cada recanto do meu horizonte, e ele é tão pequeno para te ver.
Alucino nas histórias que me contam, não sei pensar assim, limito-me a escutar, a ver, sigo buscando, só isso. Grito tão alto baixinho, cada hora...
Onde estás tu meu amigo?

Será que percebem o teu tamanho?

26 outubro 2010

Imagem: Anne Julie Aubry

Menina de tez rosada, de arco-iris nos olhos e todos os sonhos do mundo..

...Que lhe escreva

Amor de minhas entranhas, morte viva, 
em vão espero tua palavra escrita 
e penso, com a flor que se murcha, 
que se vivo sem mim quero perder-te. 
O ar é imortal. A pedra inerte 
nem conhece a sombra nem a evita. 
Coração interior não necessita 
o mel gelado que a lua verte. 

Porém eu te sofri. Rasguei-me as veias, 
tigre e pomba, sobre tua cintura 
em duelo de mordiscos e açucenas. 
Enche, pois, de palavras minha loucura 
ou deixa-me viver em minha serena 
noite da alma para sempre escura.

Garcia Lorca

Riding Giants II

De coisas pequenas, aqueles gestos difusos que ordenam  mundo, fiz um esboço. Já não esperava por números ou palavras, ergui as mãos presas de medo e dei um passo desengonçado no meu rumo. 
A minha face caiada ganhou calor, cor misturada de imagens que escolhi ver.
Mão cheia de nada com que me ergui.
Já não esperava,  ensaiei as passadas e quis crer ser feliz. Um instante, uma brisa, um momento ao acaso que me mostrasse a desordem genuina com que se ergue o mundo. Procurei a força que roubava, li para alem das palavras, disse-me tudo, estive tão zangada comigo...  Cada nome que tinha, esfumado na ordem da vida que não conhecia, gargalhada de mim.  Mais zangada ainda, jorravam-me palavras, nascentes de raiva e perdição. Aprendi?
Aprendi que sei nada.
Que a vida em mim passa em direcção de um acaso em que via nascentes, que as palavras pensadas são poentes, que os sentidos exaltam essencia mais que a ordem das coisas que julgava em mim. São pedras jogadas na corrente, reservas de um sonho tão mais forte que eu.
Aprendi que sei nada e, de zangada, aprendi a sorrir.
Respirei fundo, tão fundo que fiquei cansada. Apartei-me de tudo, abraços e palavras, quis ver vida nos sitios que visitava de passagem, nas faces de estranhos que sorriam para mim, quis ler livros antigos e ficar triste no fim, porque os fins são principios que assustam. 
O gigante sem nome, apartou-se num cabo de boa esperança, que dobro com norte, sorrindo e escondendo o medo que tenho. 

Riding Giants

Esperava, contrariava um misto de medo e negação, esperava nem estar ali, esperava que nessas horas o tempo não me tivesse corroido por dentro, que a sedimentação fosse não mais que ilusão, como tantas em que me abstraia de tudo, sonhando. Nas paredes das salas, pintava viagens imaginarias, impossíveis na realidade da minha memória, escondia o medo em sorrisos que oferecia a quem não conheço. Lutava contra a certeza com a força da minha ilusão. Querendo, não queria saber.
Esperava, horas que foram dias e dias que nem vivi. 
Negociei a causa e a razão, zanguei-me com cada profecia e citação e esperava, esperei tanto, que se tornou suportavel, a sala irrespiravel de tão suada em conversas banais, encurraladas na verdade crua e desumana, mais doentes que a própria doença. 
Aprendi a ler sorrisos nas caras duras, de bata azul que passavam por mim, cegas e vazias, aprendi a ouvir musica nos sons metálicos de alguma sala sempre fechada. Devorei livros como quem bebe fonte de vida, escrevi paginas soltas de pensamentos esquecendo aquele canto fechado e guardado que nunca vi meu.
Quis ser pássaro solto, quis ser entendimento na necessidade preemente de me afastar do mundo, de tudo o que respira vida em mim, quis ganhar asas e sair dali, enquanto esperava momentos que não chegavam, de palavras que sendo, não pareciam para mim. 
Esperei tanto.
Aprendi-me.
De cada vez que ouvi falar de mim, em números e tempos, fortaleci-me, ganhei voz, digna de uma teimosia tão minha, quis saber mais que ouvia, quis verdadeiramente saber de mim. Como se aceita o que não se entende?
Chamei-te gigante. Falei contigo e distanciei-te de mim. Gritei contigo num grito surdo do mais fundo de mim, ouço-o ainda, de vez em quando, na força que tenho e não sabia, nos sitios que me mantiveram sã, na essência mais que esperança, na voz mais que palavra que ouvi.
Gigante sem forma, escarrapachado no silencio das pequenas coisas necessárias para tomar rédeas de ti. 

20 outubro 2010

Saudades de um tempo que as minhas mãos falavam, de rochas  verdes beijando a água, de um farol na escarpa antes cinzenta, poejos. Saudades vivas, cara molhada, aquecida na memória, são horas que me não vejo. Quem me dera ser manhã de nevoeiro. 
Vejo a noite por entre as luzes, noite fria, escondida. Via-me nela nas ruelas escuras que percorria em busca de cegueira, vejo agora madrugada silenciosa, sem sombra nem lua, mais clara agora, e sob as estrelas sinto-me viva, dormente de sentir sem forma. Sempre fui convicta, e errante, escolha minha, dizia, saberia sempre esconder-me nas palavras certas e ditas, e se eu sabia, nada, nada.... 
Cada hora, cada livro que leio, o que bebo nas faces silenciosas, nas palavras que voam das bocas, regras toscas e surdas, ordem pérfida e desumana, leis impostas e anónimas, ignorância escondida em orgulho, rezas soltas, e o silencio destas horas, e a vergonha de ser errónea, ser humana? Cresço do todo que me ergueu, feito de migalhas de vida, bebo cada pedaço cru, sem molde, admiro a nobreza da desordem, a revolta que nos cala e molda. Anuncio-me a calma, desassossego.
Os principios são fins que não via, são morte que dá vida. Os fins são cais de pedra em maré vazia, muros de razão em ruina. São cansaço, são perdão. Disforme, revejo-me onde sorria. 

Quem me dera não ser um fado, escrito em linhas direitas, ser reflexo da minha alma, ser sorriso que chora e que cala, ser silencio e cara lavada. Ser um conto improvisado, gritado de rompante e baixinho, sem palavras, não pensado, ser sentido na memória. 
E agora,  a cada momento, sinto vida, movimento, e tenho medo, meia louca, ouço em mim mais que vejo. Tudo se forma disformando. os acasos fazem sentido. 




19 outubro 2010

Inventei um cantinho ao sol do mundo, feito de prados imaginados, tem a voz que o tempo brota e as cores do nevoeiro que se esconde e brinca comigo, tem um ribeiro de agua fresca que corre solta, rasgando montes longinquos salpicados de papoilas e flores silvestres, cheira a madrugada quando me deito na erva de Outono. Cheira a luar quando desperto dos sonhos que crio, feitos de cores que só agora conheço e de gestos recolhidos na minha mão. 
Por detrás do monte mais alto, albergue do meu desejo, sei de um mar escondido que se anuncia, lembrando caminho que não encontro. E um molhinho nómada calcorreia, errante, sem pedido, o carreiro que o leva ao monte. E eu vejo, vejo mais que digo, nesta ordem que me ofereço, na distancia das horas e das palavras, vejo o que não lia, sinto na minha pele o anseio do tempo e, calmaria. 
É tão bonito este cantinho que habita cá dentro.

Esqueço as formas, sinto a textura, fecho os olhos e tento rever-me, por onde andei e o que vi. Deixei de mim sem que de mim me partisse, colhi semente que guardo num bolso, quis saber dos acasos e dos sentidos, quis ser mais que lua cheia, quis ser menos que imagem, quis agarrar com força cada lágrima que me descobria e cada sorriso de vergonha. Quis ser livre estando presa e prisioneira de mim mesma. Um dia olhei-me no reflexo da agua e castiguei-me por tão cega de essência e, neste prado verde sou agora, o silencio que de mim fala. 

Sou pequena, sabes? Sinto-me assim, meia. Mas mesmo no meu rosto molhado, sou mais sorriso que imagem, sou mais madrugada que uma noite colorida de luzes e palavras que não dizem nada. Envolta em mim sou livre, e esta vida renovada que se anuncia em cada hora, é um passo no meu caminho, é este prado verde que invento e me fala, é o mar revolto de calma, é espuma de cada onda que me inunda.  Tão longe, guardo o rebanho nómada, e caminho.

Cheira a pão cozido neste instante, olho em volta e lembro o forno de lenha caiado, uma amendoeira, e na minha mente misturo o som do vento, visto-me de nevoeiro e conto cada ponto colorido no horizonte, tenho fome, tenho sede, a minha forma crescente é nascente, e sonho.  Aceno a um velho resmungão que ainda se ouve antes da curva do monte, leva com ele os males de um mundo que mal conheço e pedi-lhe que levasse os meus, disse-me que não, que preciso deles e da herança de tempos idos, preciso da vergonha e do medo, da culpa, sou mais vera assim se um sorriso, de vez em quando, for sentido. E eu já senti tanto... E eu agradeço, só assim me ouço e me vejo. 

11 outubro 2010

Retornei ao sitio onde o Sol espreita e brinca no nevoeiro, bailam imagens na minha mente que se soltam sem que queira. Da distancia faço passadas já guardadas  na areia, olho o mar revolto que me parece ser paz, leio a rocha fragmentada pelo anseio de ser história sem fim. Sento-me e conto as ondas no mesmo sentido que a maré que me invade a memória. 
Sei da minha cara molhada que reflete a distancia tornada presença, cada instante em que a solidão se transforma numa dança cheia de tudo e de nada, deito-me na areia molhada e conto-nos acerca da força que o mar tem em mim, baixinho para que ouças o que quis dizer, sem palavras presas nos olhos. Falo em silencio, deste momento em que me apetece chorar sem razão, do conflito onde busco a paz e desta nevoa clara que aqui me traz. 
Ouves? 

Procuro um ponto branco no horizonte, cada vez mais longe, onde a distancia nos apartou, num abraço de crença, ainda, num som, numa esperança que buscando, tudo no nosso universo desfaça o caos, em formas sentidas de sentir. Enquanto decifro os contornos, leio em mim, as formas risonhas que mil horas não separam.

Não há um dia que não me lembre, na tela que pintava sem mão, no sonho que não ergui, que vivi sem que os gestos o apaguem.

Procuro olhando, buscando, o sentido de mim.

21 setembro 2010

Hoje acordei com vontade de vida, sede de abraçar sem mais nada, palpitava cá dentro o meu mundo, que se transforma, que me faz viva, como nunca ousei que o sonho alcançasse. 
Acordei e pensei ser capaz de aspirar o fresco da manhã e oferecer as cores que avistei, anunciar a névoa que anseio, a chuva, as madrugadas, os tons castanhos nos passeios, Fevereiro...
Sou inteira no todo, creio!

Parabens-me, sinto o sentido desse mundo, e assim apertei-me entre os braços e acreditei do mais fundo.

De vez em quando...

De vez em quando, em silencio, saberei mais tarde ter tocado o chão que não moldei, saberei o espaço desconhecido entre o acaso e o sentido que o caos me presenteia. De uma vez, farei migalha de vida, do ensinamento que a cegueira moldou.  Embriagada, olho a noite estrelada e recolho-me em mim por inteiro, nos sentidos que não decifrei e, me ditam na madrugada, que no silencio se toldam mundos, que as palavras que me digo, são mais claras, mais benditas.

Sou tão pequena, tão distante da génese que quis equacionar em palavra, sou mão fechada querendo suster os mundos, mão aberta deixada ao acaso de uma ordem por mim inventada e desta noite clara que da minha alma chora quando mil sorrisos falariam tão mais de mim. Sou o fruto de mil caminhos passados, lições de vida marcadas bem fundo, tão fundo que preciso de desligar tudo para saber ouvir. Sou a força de um suspiro que despoleta sem anuncio, nas salas brancas de nada que pinto de sonhos e esperança. E de vez em quando, faço-me ruindo, anunciando o nada, que em si, é tanto.

Eu sei, conheço agora, o preço de saber-me, do cheiro que de mim emanou sempre, e eu, sabendo tanto, enganava o medo de me olhar sem medo. Sinto, sinto tanto, sinto em cada hora a herança do meu sorriso e do meu pranto, sinto-me grande em silencio. Sinto o meu orgulho ferido nas palavras sabias em que não confio, confiando-me um abraço que deixei guardado no fim, sinto a derrota dos limites que nego, sabendo que, nesta hora, são reservas, só reservas, ao alcance das minhas mãos. 

Aspiro de novo o ar desta cidade, o cheiro do rio, as cores, as manhãs frescas com cores diferentes em cada dia, os meus passos aqui pertencem-me, sem que os enfeite de predicados, o acaso ditou-me os gestos e mandou calar o medo.  Não quero o abraço disperso e pedido, não quero a palavra, se sei o valor do silencio, não quero nada, querendo o sonho, de vez em quando, vai correr bem, vai correr tudo bem. Sou grande de tão pequena me sei.
Dói dizer que não sei, que estive doente, de corpo e alma, estou ainda, que estou mais viva, que o sonho tem as cores que não ousava, que as cores são maiores que os meus olhos, que os meus olhos fechados, viam e que, de vez em quando, me dispo e me ouço, o meu sangue, o meu barro que moldo em mãos toscas.

Mudou tudo, e de vez em quando, de vez em quando, ergo os olhos alto, humilde e agradeço, e creio, do mais fundo, que o acaso faz o sentido e o meu mundo, vem de dentro, antes de tudo.

25 agosto 2010

Deixei lá atrás um pedaço de mim, um sonho presente que escrevi com as minhas mãos presas, envoltas em palavras que a ausência mal estranha.  Ficou guardado numa nascente tão viva, descrença momentanea, façanha estranha que nunca diria poder ser minha. Pedaço tecido de sentido que se erguia numa madrugada plena, musica que inventara sem saber dar nome aos acordes. Deixei uma lua nova, cheia do tanto que me molda sem reflexo nos caminhos claros desta estrada.
Por um instante, calei vozes roufenhas que falam tudo sem me falarem do fundo, que ribombam no trovejar de razão que nada empreende, fui mundana, fui morte nascida em fonte de agua fria que me deu vida. Renascida de mim na forma mais plena que me faz. Deixei-me assim la atrás.
Trouxe-me semente de voz, sede de crença, sabor de uma merenda saboreada demasiadas vezes, das mesmas letras, agua morna que a vivencia amolece. Sede colhida da minha vida, sede de ser mais vida que luz ténue que apaga a fé. Trouxe um pedaço de onda salgada que adormeceu na minha praia, espuma branca falada, num poema perdido no tempo. Trouxe o tempo que pára, que corre sem que o apanhe, que brinca nas esquinas de cada compasso e descaminho, de cada história calada que me esvazia.
Trouxe um dia, uma palavra inventada num sorriso que encerra uma história que viva, aguarda ser vivida, que morta não parte, que se mentira era verdade e se sorte. era sonhada. Trouxe uma rosa e uma pedra branca que colhi numa estrada.
Trouxe um brilho nos olhos que desponta de vez em quando, tela pintada da minha morada, palavras perdidas na madrugada de outrora. E eu pinto a minha cara, do sonho desperto que sempre que me encanta, aquece a minha cara molhada e agradeço o silencio de cada palavra que de mim disse tanto.

19 agosto 2010

Gosto de viajar de noite, de abrir as janelas do carro e sentir o fresco revolver-me o rosto, gosto da mescla de luzes e do mistério que os meus olhos adivinham. Gosto dos viajantes que se cruzam e do café mais saboroso a meio caminho. 
Parei um instante para esticar as pernas, um casal sentado nos bancos de piquenique, aqueles que se constroem para ninguém fazer uso, sem sombra nem sentido, saboreava vivencia, via-se no olhar que cada um oferecia, num entendimento mais sabio que qualquer conversa, imaginei que se beijavam na presença, se tocavam no sopro calmo dos anos passados unos, mais que o tempo lado a lado. Pensei que a felicidade, seria assim, que saboreassem um sentido que só eles conhecem, que se rissem daquele boné com a bandeira americana que acabara de passar, que ousassem o prazer do silencio. Sorri e sentei-me com eles. Rumavam a norte, procuravam fresco e um mar desocupado, brincavam com as mãos e as palavras, eram eles farol distante e claro, numa praia que os esperava.
Disse-lhes que era de Santarém sem nunca o ter sido, que ia para casa sem pressa, que tinha sede e ia comprar agua. Não precisava, eles tinham, e uma bolacha caseira que me soube a uma seara quente. Tinham um cão castiço que brincava na relva, marginal sem trela nem açaime. Contei-lhes do meu amigo e da tristeza que não passa, da ansia de me juntar a mim no pedaço que ficou em falta, calma, ele aparece que um amigo assim não se  perde nunca, que onde quer que estivesse tinha com ele tudo o que nos demos. Soltei uma lagrima por não saber como sentir senão chorando sempre que me lembro. Não era um cão, não, é mais que isso, companheiro meu, amigo, que não encontro o rasto.
Ficaria ali, gosto de falar com as faces que me parecem chamar, não são estranhas, não mais que as mascaras que se passeiam em cada dia sem deixarem pegada, são vozes achadas no fresco das noites, na calma de uma lua branca que espreita. Gosto das pessoas que me deixam um abraço quando partem, gosto das conversas francas por nada haver a provar ou manter, gosto de espreitar nas vidas coloridas e a seguir pinta-las com mais cores ainda. Gosto das histórias, das vidas.
Estava combinado, não nos veriamos de novo, mas naquele banco de pedra, ganhei uma migalha de vida que trouxe comigo.

18 agosto 2010

Não saberia crer na sorte, seria como ter nas minhas mãos pequenas, malabares coloridos que, lançando ao sopro fresco da vontade, caíssem toscamente na terra, mesmo que em seguida, os voltasse a lançar, com mais força, mais mestria. Seria um jogo doentio com a minha sede de ler o que a vivencia me ofertou, seria dizer-me que o breu de alma tem luz e a névoa se apaga, e eu, não leio as entrelinhas, não sei beber de fonte aleatória que não saciasse esta maré de entendimento, qual criança que juntasse peças que parecem não se conhecer.
Não poderia acreditar no destino, seria uma conversa cruel comigo mesma, um silencio imposto a cada sentido que ribomba no meu peito, seria como um fado sem rumo, uma voz muda a prender-me o sonho, mesmo que vestido de tantas ilusões e cores que nunca encontrei no caminho.
Não saberia falar acerca de justiça divina, há muito que os meus olhos passaram por terra batida de asco e podridão, que senti nas mãos a culpa de manjares fartos e caprichos obesos do vazio de não ver mais alem. Não saberia senão num sussurro, só por mim ouvido, cantar uma canção que falasse de tudo o que sinto, mesmo que colorido com os meus pinceis imaginados e as palavras que tantas vezes gritadas, me calaram, mais que disseram. 
Num instante, um momento pequenino, mais forte que o destino, mais verdade que a sorte, sinto, sinto o que não via e esperei ser mais que visto, sinto o silencio em sinos altaneiros que falam primeiro que qualquer medo, sinto tão forte, que as lagrimas correm na saudade e na esperança, na dadiva de uma vida que a sorte não me guardara e, o destino, esse senhor estranho que brincou comigo na inercia do gesto, na madrugada demasiado clara que hoje é viva em mim, mais que uma chama, mais que uma lagrima, é um sentido afinal que tardava.
Aprendi a presença que existe na distancia e a ausencia nas palavras, li a cartilha numa manhã cinzenta em que nada mais restava senão o meu reflexo enorme postado do outro lado, aprendi a força da verdade que o medo não esconde nem disfarça, percebi o que de genuino o caos me mostra e a mentira disfarçada de ordem.  Senti o alivio de uma bofetada por defender alto o que acredito, a leveza de não me querer mais sem mim, sem mandar à merda quem parecia enorme, não temo a morte por beber agora de uma fonte fresca a que chamo apenas agora. Agora...
Sempre me senti sozinha, desfasada, disfarçada, agradadora de uma história que nunca escrevi, num palco de vida que não me habita e porém, agora, agora, ergo as minhas mãos, não à sorte em que não creio, nem tão pouco ao destino, à vida que cresce em mim e me ensina e me chama, e me faz genuina, aprendiz de palavras que não conhecia, agora!

Sento-me na porta, cumprimento a saudade, em jeito de mensagem que a noite me solta, enrolo-me em mim, em vida, no fresco que a noite me oferta. Não saberia rezar ou crer na sorte, ergo as mãos à minha volta e canto baixinho uma canção nova que só agora pareço recordar.

04 agosto 2010

Noite quente, estranha, mistura da restea ardente que o calor parece possuir, um som distante de uma coruja altiva que me avista do telhado sobranceiro. Aguço o ouvido, crendo poder alcançar o sentido e a distancia.
Sentada no degrau da minha porta, abraço memórias vivas, respiro fundo e reconheço esta força que me ofereço nas horas mais minhas.

Saberia onde se canta e onde se fala, aceitaria as romarias e o fresco da lua misturada com as ondas, por ora sei mais de mim aqui perdida no meu encontro. Saberia onde se fantasia a vivencia, mas agora, deixo-me este bocadinho na minha neblina. Não estou sozinha assim à minha beira, não poderia.

03 agosto 2010

Penso tanto, deverei sentir como um humano sente, deverei respirar como um ser vivo respira, mas a minha mente rodopia em mim, em volta de um mundo onde espreito e tantas vezes não gosto, um turbilhão interior em me quedo, me descubro e me perco.
Obrigo-me, engolida em pensamento, escrevo sem alivio em cada palavra que de mim sai.  Nunca pertenci aqui, sempre soube disso, busquei sedenta, sentidos, nos caminhos desconhecidos que procurava, nas pessoas distantes que trouxe sempre comigo, não me via nas conversas, não me via nas ruas, nas gargalhadas, não me via nos degraus primeiros que cada um alcança. 
O meu amigo e eu, desbravamos uma estrada a que chamei lua cheia, rebolamos nas ervas altas, esquecidos das normas, fugiamos aos homens de cara roubada que gritavam posse e preconceito, convidei-o a entrar na minha alma, mas já antes nos encontraramos, num mundo desconhecido que poucos conhecem, tão poucos.
O meu amigo sentiu-me devastada por uma doença tão distante da honestidade emocional, que todos falam como se soubessem, encheu o meu coração de coragem, gestos que guardo em cada lagrima que me cai agora.
O meu amigo superou o conceito que pouco materializei de amizade, sinto-o neste momento em que a distancia só me impede de o abraçar or qualquer mão que não entendo, por um acaso sem sentido que me acompanha num rompante ridiculo a que alguns chamam destino.
Estou triste, de uma tristeza que não sei deter em mim, não é perda, porque não desisti, nem nunca seria capaz, não desisto, não sei aceitar se sinto tanto, procuro com todos os sentidos despertos, chamo, grito, aprendi a assobiar num instantinho, não sei esperar e afronto a sorte que nada me diz.
Calo a ignorância, calo as teorias idiotas do certo e errado, esqueço as mãos ausentes, que um sentimento me invade, um sentir tão genuino que não o encontrei nas caminhadas, faminta de carinho e desassossego, encontrei-o nos momentos unicos comigo e o meu amigo.
Sou maior do que me digo, não rezo, porque os deuses não me conhecem, nem lhes conheço o sentido, não entendo, nem quero fazer parte da multidão doente que se esqueceu de ser emocional, desta honestidade emprestada que se valoriza sem dizer nada. Ser honesto, é chorar e rir sem porquê, é tropeçar no silencio de uma estrada macia, farta de ser pisada sem pegadas deixadas, é dizer a medo que se tem medo porque o caminho de pedra nos cegou sem razão, é gritar sem voz a vontade insana que nos afoga, a dor de sermos sem expressão, a inexactidão, a nevoa.

Fazes-me falta meu amigo, tanto! 


23 julho 2010

Nove

Hoje olhei-me com olhos que só a mim pertencem. Um olhar de soslaio primeiro, um cumprimento, diria que à minha frente tinha uma  face madura, pintalgada de rugas no sorriso, um semblante seguro uma cara limpa de cores, mascarada por tons de lua e uma mescla de cheiro a terra e uma flor silvestre que trago comigo.  Parece que sustem palavras que falam mais no silencio que a própria voz com que as diria, tem uma voz feita de guerras e oferendas, uma voz que se cala quando a alma mais sente. 
Tem um  jeito meio desajeitado de andar na rua, tropeça porque prefere, e mesmo assim , se alguem chamasse, fingiria não ouvir, vergonha estranha vinda não sei de onde, vergonha tapada por esta cara sombreada pelos contornos e esquinas que sempre por ela passaram.
Tem morada por detrás dos montes e searas castanhas que lhe anunciam a calma, tem laivos de louca nos actos sozinha que à noitinha só ela  lembra, tem labirintos e encruzilhadas que lhe ferem as mãos de espinhos e agua benta. Heranças marcadas de uma crença que foi embora, de histórias contadas que ela deitou fora.
Será esta cara verdade?
Hoje olhei-me com olhos demorados, detive-me nos contornos, nos traços. Vi-me hoje por ser este dia festejo e abraço, dos laços negros e embaraço, nove anos de passos desajeitados, uns a medo, outros inatos, uns sentidos, outros de fado, sonhos sentidos, tão sentidos que pousam na ombreira da minha alma e chamam aquela corrente que vai salgando de mansinho a minha cara. Hoje vi-me anunciada num papel esquecido, que depositei numa pedra molhada pela maré, um pedido para ser raptada, desgarrada de uma fachada que despi de linho, num mar revolto de mim. Vi-me ao longe, verdadeira, nos contornos que a nevoa  aclara, dançava solta das palavras que tanto calam, tanto.
Hoje olhei-me nas musicas que ouço, nas caminhadas, nas esferas orquestradas de sentidos, nas viagens que faltam, nas palavras que invento. Olhei-me demorada, avistando ainda as ruelas podres onde me desencontrei e adormeci embrulhada, na sede que ainda me invade, nas minhas pernas traçadas, cabelo em desalinho, sem tino, no sorriso disfarçado com que brindo as chegadas, onde todos falam e eu não habito.
Hoje vi-me, nove anos comigo, gemido soando um violino antigo e a claridade que me brota baixinho, de olhos fechados, sem eco, uma história demorada de pressa, reserva que tarda, e um sorriso claro como a agua nascente. Não seria capaz de me dizer apenas, numa palavra o que sinto, não quero aplausos, nem abraços frios e prometidos, numa sala orquestrada. Queria ser esta cara, queria pedir desculpa, queria dizer obrigada mais do que grata, queria uma palavra que abarcasse os sentidos, que se ouvisse na minha alma.
Queria  à minha volta a verdade da desordem e do que os homens não falam, queria falar alto que sou tão rica e tão pobre, tão altiva e calada, tão nobre e sem moral, tão cheia de nada, transbordante de vontade.
Queria ser capaz de me olhar depressa e reter a madrugada que brilha nos meus olhos, às coisas mais despropositadas que a vida me oferece. Dizer-me gritando a luta que me conheço, cada passo, cada conto, que sinto tão mais que pareço.
Hoje brindo comigo, aos meus olhos, à minha cara, abraço esta vida forte que sinto em mim, aceito, e digo-me baixinho: Parabens a mim.

15 julho 2010

Madrugada ainda, cumprimentei a névoa que aguardava no cimo, plena de uma claridade que aspiro, abri os vidros e a alma, respirei fundo e molhei a cara com umas gotas frescas que caiam. Madrugada serena naquele instante, em que a calma vem de longe e o silencio parece ouvir-me na distancia. 
Caminheira pelo que me chamo, desperta, distante, presente, ausente, viajo por cada sentido provando o sabor, engano-me por ter querido ser um instante, um adjectivo....  Pedaços em falta que palavras não são o bastante, digo-me, semente na minha alma que me acompanha, serei um pedaço de cada, plena de uma inconstância que pronuncio letra a letra, que só assim me descrevo, mesmo sabendo que cá dentro, há um caminho sentido, uma chama tão verdadeira, cuja luz me enebria e me cala. 
À tardinha, perco-me nos caminhos de poeira e nos aterros, piso um pó fininho até ficar com o meu cabelo branco, e gosto, gosto mesmo, e brinco quando entro no restaurante fino, que mereço, e os meus pés ficam marcados no soalho e o cheiro a gasóleo me acompanha. E gosto, gosto mesmo, que sou assim na medida em que tomo banho e me visto de cores alegres e me disfarço nas ruas e passo despercebida, de vez em quando.
Gostava de chuva no Verão, de dormir numa cama de bruma e beber agua sem saber de vem, gostava de sentir na minha cara, o som de cada cegonha e que o ocaso me embalasse numa seara vermelha. Gostava de não ser, sendo pedaços que me abarcam na claridade. Gostava que os meus sentidos me abraçassem mais que as palavras.
À tardinha, sento-me cá fora com a D. Elvira, tão bonita, tão doce, tem uns olhos que parecem ondas, e brilham como as marés vivas, tem uma voz calma e, tudo à sua volta é opulência, mas a nossa conversa é sobre o tempo em que nada tinha e tudo era mais alegre. Alternadeiras, somos mulheres oferecidas aos sentidos, somos falsas nas mascaras, olhamos em volta e avistamos a planicie escura e cremos, mais que na sorte, na alma.
Desço a serra. Desço-me na crença....
Hoje apetecia-me arroz de lingueirão naquela barraca de Cacela, junto à praia, apetecia-me adormecer de madrugada e deixar-me ser como me viesse à cabeça.


13 julho 2010

Mescla de sentidos... Misturo uma lágrima e um sorriso, uma luz clara dentro de mim, e esta névoa companheira, dou um passo, de mansinho, será que ainda creio, que ainda sonho?
Abro as mãos, ainda secas e rogo, e peço, que o acaso seja oferenda, que  o caos seja ordem e desordem ao mesmo tempo, que seja assim uma madrugada, um bater de asas renovadas, uma brisa fresca num fim de tarde, uma gota de agua, uma onda calma.
Abro as mãos, apenas...

10 julho 2010

O poder que o mar tem de evadir-me o olhar, de despertar os meus passos e aquecer o meu rosto.
O poder que este mar tem de me ver em cada maré solta.
Descalça, caminho ao seu lado, abraçada pelas escarpas que outrora foram passadas, e hoje, sombras calmas e guardadoras de sonho.
Caminho ao longo da praia, brinco com as ondas que me tocam e tremem.
Caminho abraçada a um sorriso, mansinho que o fim de tarde anuncia.
Apanho seixos e guardo, como um abraço envolto em névoa clara.
O poder que este mar imenso me tem.

08 julho 2010

spiritchaser

Esfrego os olhos quase secos encantada com o nascer do Sol, laranja vivo, percorrido em pinceladas de um cinzento que sempre me pareceu mais que terreno. Ao longe a serra, parece reconhecer a calma que a minha alma roga, num cantarolar inexpressivo, apenas para me manter acordada. A estrada passa por mim, percorro distancias que por vezes nem deixam marca na minha memória. Vou pensando, estou cansada. Um cansaço estranho que o meu corpo desmembra na procura de vontade. Procura de rumo, de norte, como este sol reconhece à minha frente. 
Cansada de ouvir tanto, de me ter cortado a voz na consciência, de me ter domado em somas e gargalhadas ausentes de mim, cansada desta estrada isolada e fechada que já conheço de cor. Ausente, sinto-me tão clara e porém tão desconhecida. Falam-me os olhos, as mãos, fala-me a alma indomada que me trapaça e abraça, fala-me a distancia e o silencio, e a minha boca fechada.
Cansada de uma moral que não me abarca, se num tempo aprendi que é tudo irreal, tudo é falso e orquestrado num magma imoral de conceitos. A minha mentira é a minha maior verdade, um fado desgarrado e respirado onde por sombra não via vida, um sonho desperto que calcorreei testada e sem eco, mentira, verdade, certo errado, reviro-me em conceitos que destruiram tanto da minha alma. 
Cansada das horas zangada comigo, protagonizando um palco sem perdão, sem palavra, cansada de gritar alto e conhecer o vazio da expressão, cansada de acordar desconhecida do que me move, de cada pedacinho que geme em mim de vontade. 
Sou clara na minha falsidade, sou palhaça parecendo tão bem, fui vulgar nos instantes que rodeada de nada, me despertava a verdade de me sentir. Abraço-me com força, com lágrimas que me despertam no fim, a estrada quente cala-me o cansaço, cala-me esta voz desenquadrada que me molda e me julga. 
Quem está aqui?
Estou cansada de verdade, cansada de amigas que não são, mistificadas em almas e mundos e palhaçadas que só escondem o mesmo, no fim, cansada da cegueira de me ver na opacidade. Cansada e aliviada de chegar aqui, das bofetadas pesadas que aceitei calada, como se eu própria me negasse na vergonha de ser. Cansada de normas e morais que, em silencio todos quebram e calam.
Cansada de conotada, expirada, misturada e perdida, cansada de não dizer nada, cansada de falar tanto, cansada de ser revista em moldes de barro tosco, fornada, reflexo de um quadro só de mais uma cor. Espiral de sentidos perdidos e desaguados, sem rosto. Não me vejo, não me assisto e porém, sou vista nas minhas passadas tropegas, pedras doridas e sem jeito, num caminho sofrego e sem rumo.
Desbravei-me a custo, esbofeteei-me mais ainda, perdida entre margens e conceitos que sempre me sujaram os sentidos, de medos fundamentados. Sempre soube falar tão bem do que não me cabe. Calou-me a doença que nunca me disse nada, calou-me a vontade que julgava ofensiva, calou-me sentir da minha alma, cada corrente de abrigo e o preço da venda, numa banca entranhada que sempre me levou de mim, calou-me cada anuncio a falar do mesmo, de mim sem mim, da morte de vida e da vida que me nasce, sem foz, estou cansada, cansada, cansada.

Sou assim, mas só agora, este bocadinho, daqui a nada, sou um sorriso, uma lágrima, uma anedota ou nada. Esta estrada, esta madrugada, acompanhada de uma alma que me grita cada vez mais alto. As escadas anunciadas em que nego sentir-me menos, são passadas simples, choradas sem eco, sem nada. 
Não me desculpo, não me aceito, abraço-me na verdade da falta, da ausencia, da claridade que julguei, uma vez, unica, ver para alem de mim.


04 julho 2010

Conversa

A noite iluminou-se por sobre o castelo, enquanto a magia fazia juz a uma calma irrfletida que me foi domando o espirito... Fui pensando o quanto preciso conversar comigo, sinto falta como se as palavras que a minha boca esboça, estivessem cada vez mais distantes de falar de mim. Pergunto-me o que se terá passado cá dentro. Sei que foi forte como uma tempestade seca de Verão, foi sonora na minha alma de vozes e confrontos e que o ribombar do meu peito ainda me arrasta o respirar. Pergunto-me que foi isto que me roubou a arte de me iludir e passar sem que nos meus passos fique marcada a ausência que outrora mal se via.
Respondo-me pelo receio de me felicitar. A capa de linho crepe já não me tapa no reflexo e foi breve o instante em que me ceguei. Insanas as minhas passadas arcaicas na claridade de mim mesma, toscas, trocadas, sem reflexo nos meus sentidos ou caminhos. E hoje, busco-me neste ardor mais quente que me quebra em mil pedaços. E penso, nesta noite calma, que são eles mais pedaços de mim que toda a mascara orquestrada que outrora me ofereci
Esta noite queria mesmo falar de mim, queria escrever um livro que começasse agora do fim. Queria aquela lágrima que soltava sem palavras e que respirava por mim, queria ter nos meus dedos a leveza de me despir por inteiro e lavar-me numa agua gelada que me tocasse cá dentro onde me doi tanto, e eu sei, sei agora, e pergunto se aqui, agora, me sinto como nunca senti. 
Dei-me as mãos e percebi, que as marés são tormentas, que o meu sonho começa onde as palavras tocavam nas arestas dormentes do medo e da vergonha que caladas faltaram sempre nas conversas por aí. Sou pequena num pedacinho assim, quando ouço desbocadas vozes de assalto, e eu escondo-me nos contornos de sorrisos e frases sabias e desloco-me na minha margem, cada vez mais clara da nevoa que me envolve a mim. Doi-me estar nos adjectivos agradaveis, nos sitios animados, ser simpatica e convidada e nem estar ali. E eu pergunto-me aqui, sentada, nas primeiras vezes que ensaio escolher os sitios onde me quedo e onde me dirijo, se não são estes os momentos mais completos, em que choro e me alegro, e olho em volta e este desconhecimento é mais companheiro que as jornadas acompanhada de nada, e vazia de mim.
A noite passada, soltei um suspiro contido, a minha sobrinha linda, procurava na plateia a minha cara, e no palco, foi vida, foi a chave que abriu sempre a minha caixinha guardada de um outro teatro que enceno todos os dias. No fim, cá fora, enquanto acenava e via as mulheres da minha vida afastarem-se, senti-me sozinha num largo desconhecido, enquanto me devolvia ao calor do meu carro. Percebi que a minha solidão nada tinha que ver com o largo, mas sim com o caminho, percebi que estranhamente já não me consigo ludibriar de razão.  Já não preciso de divulgar que consegui mais um degrau, que tenho andado muito por ai, a resposta deixou de ser o motivo, cresci num turbilhão, os meus olhos despertaram cada sentido pendido de anseio e receio. Ofuscada, tacteei os contornos da demência e da sede de me ser. As palavras perdidas no tempo, começaram subitamente a sair da minha boca com vontade própria, cansadas de me calarem. Magoei-me sempre mais a mim, sempre.
O meu pai, do outro lado do oceano, que me toca sem abraços quentes e me ouve sem uma silaba, mandou-me uma mensagem, anunciava que estava onde o paraiso se faz, e eu aqui,  apetecia-me perguntar-lhe como se faz assim. Mas começo pelo fim, sei que é assim que me confronto, marcada pelas ruas enlameadas onde ainda me revejo, na coragem de ser louca, por cada momento em que o presente me grita, como um uivo rouco, já não é o motivo, é mais que isso, é a minha alma que já não tem névoa.
Sinto falta de um abraço, não daqueles que se dão por tudo e por nada, de um abraço à toa, impensado e sem motivo, sinto falta de carinho que me trema mais do que o simples cumprimento de viver numa multidão. Sinto falta de tempo no turbilhão de me desdizer a custo todas as amarras que a minha mente me ergueu, falta de memória nos instantes em que as marés vivas foram mais plenas que a insustentavel calmaria. 
Sinto falta de um largo desconhecido, com palhaços e malabaristas, gente mascarada mas tão mais perceptivel que esta romaria cega e calada onde me construi.
Amanhã. será sempre o começo depois do fim deste dia, e eu aqui, olho em volta o silencio, não cá dentro, que em mim ecoa tanto, o silencio da casa e da noite. E eu gosto, gosto desta calma que vivo, depois da algazarra animada em que me emprestei sorridente, num festejo que não sinto, em tantas caras desconhecidas que me chamam amiga. Sou colega, se tanto, não sou o que pareço, sou mais ou menos que isso, sou esta cara desconhecida que teima em não se ver.
Amanhã, rumo a Óbidos, vou sozinha, como descobri que gosto, posso virar nas esquinas que quiser e parar para olhar para o ar e não dizer nada, sentindo tudo, descobri que me acompanho mais viva que emprestada às normas de fachada que fizeram a minha mentira.
Hoje queria falar de mim, do que não falo, queria dizer-me ao ouvido que esta caminhada vale mais do que a marcha em torno de nada em que julguei ser confiavel e comportada, queria já sentir o carinho do meu proprio abraço e esta madrugada sem eco em que me aqueço, na crença de ser uma noite cheia para mim.



02 julho 2010

Naquele instante, se a minha alma tivesse voz, pediria meio a medo e baixinho, que me desses a mão.
Se me perguntasses, seria apenas porque sempre sonhara que um momento feliz, seria de mão dada...

30 junho 2010

Soubera eu se esta crença me adivinha
teia esculpida entre duas fontes
Soubera olhar-me antes
De onde a minha voz se ouvia
e um compasso de tempo em que tudo se forma
Soubera antever um instante unico
em que o caminho se desdobra e me preciso
na clarividência da minha hora.

O Lima

O Lima é um verdadeiro homem do Norte, desbocado e preocupado, sente-se responsavel pela jornada que fazemos a meias, se tenho frio, se não durmo como devo, e antecede ainda o caminho que percorro, avisa-me do peso e das curvas, e quando chego, oferece-me um sorriso meio matreiro acompanhado de uma enxurrada de boas vindas e historias mundanas que me encantam. Contos de vida dura em que o orgulho reside no tempo em que dá carga nas bancadas maciças e naquele instante que sei do que fala. Contos de homens bons que passam por perigosos nas bocas de um mundo que não habita ali, homens que não se calam e para quem sou mais companheira que flor de estufa.
O Lima havia de ser ouvido, que enquanto engolimos uma garrafa de agua gelada antes de nos fazermos a estrada, vai mandando a todo o sitio, a vergonha das comitivas topo de gama, ao dobro da pressa que nos é permitida, rumo a coisa nenhuma, debroados a autoridade carrancuda que nos manda encostar, como se das suas mãos saisse alguma mais valia. Havia de ser ouvido na vergonha de querer ser mais que isso, e testemunha da hipocrisia que se reveste de normas sem conteudo nem coerencia.
E nós pomos o capacete de cozer cerebros como eles ditam, e as botas metalicas, que em caso de acidente nos levam mais alto, e bebemos do cantaro escondido nas pedras e já nem cantamos como dantes que não temos tempo... E o Lima abrevia "Sabes nina? Isto havia mas era de ir tudo para o c..." e eu rio e cruzo as pernas, sentada na porta do camião e olho em volta... Pois podia Lima, pois podia, mas a gente gosta disto, que o que chateia mesmo é o Cristiano não cantar o hino e o outro não ser como o Mourinho. 
E salto lá de cima, para a semana havemos de nos encontrar aqui de novo, mais cedo se possivel, e enquanto nos artilhamos de placas e luzes, nos espelhos, acompanhamos a comitiva de agentes sorridentes que já trabalharam que chegue, na fresquinha pois então, que este calor não permite, e olham de lado a gente, olham como se não vissem que daria trabalho certamente. É meio dia e o leitão está a sair, quem nos dera, Lima, que a gente merecia!
Entra em mim um ar fresco que só a noite traz.
Abro as janelas e inspiro com muita força, na esperança que a minha mente se torne leve, leve como cada sinal que avisto por detrás dos montes que escondem o horizonte. Penso por um segundo, na verdade pouco creio nas pessoas. Pego num pincel imaginário e pinto-as de cores que os meus sentidos pediam, ouço os sons filtrados de um medo e falta de fé, que nem sei de onde vem, e eu creio, por querer tanto.
Nos dias que passo, guardo pedrinhas e flores silvestres no meu bolso, descalço-me para sentir a terra crua nos meus pés e invento conversas, invento figuras, contornadas de musicas que penso existirem nelas, aqueço-me de sorrisos que escondem sombras e de sombras que aguardam nascentes de agua pura. E eu, sou mais una nas figuras, esboçadas de uma magia que não haveria sem um pouco de loucura que em mim perdurasse.
Na verdade, creio tão pouco nas pessoas, querendo mais que a vida, crer nelas, porque as minhas mãos estão vazias e cansadas de guerra fria.  
Mesmo ouvindo lágrimas, não cria. enquanto fantasmas dançantes bailavam na minha mente, naquele recanto que escondo, onde nem sei se haverá gente. Nas minhas veias calo, ruelas de incerteza de ser grande ou maior que isso, ou ser mera gota de orvalho fresco que compõe um conto ou livro.
No meu corpo pinto de firmeza, o medo de uma correnteza estranha que me leva onde não há caminho, há desencanto e uma leveza que nada contem a não ser silencio gritante de negro.
E eu sorrio, sorrio porque preciso, porque a minha cara pede Lua, pede um grito, a mesma fonte que me houvera nos instantes que fui crente e não pensante, e sei tanto, agora, que não crendo, sinto.
Sinto-me distante de cada mascara que me erguia, divago-me procurando-me, cada pedacinho espalhado de mim, sendo humana, sou estranha, ou simplesmente dispo-me de ausência.
Conheço onde cada sentido me grita e me chama, peço-lhe baixinho que me deixe, não deixando de sentir, de me bramir um canto que perdure até que creia, em mim. Fui nascente sem leito, desaguei sem foz,  fui em mesma um sopro de silencio onde me deixei. Na verdade, marquei na areia o mesmo descrédito em mim que tenho nas pessoas, e sei de onde vem, desse palco terreno onde as palavras pouco falam.
Sei tão pouco ainda, e a minha tela pintada, colorida como a glamorizei, é arco de vida renascida e tão minha, tão clara que me ofusca na saudade que não me deixa.

26 junho 2010

Ia passando, meia caminheira, meia viajante, meia pensativa, meia errante, o caminho empedrado, mal o via e, presente do meu passado, era o momento mais pressa, mais passo, e a minha mente deambulava distante por detrás da planicie. 
Percebi as cores daquela terra, o Alentejo enamora-se no fim do Inverno, torna-se verde e colorido como compondo um conto iluminado, tem canto e frescura, tem o aroma das ervas frescas e do orvalho de madrugada, verde como só poderia, repleto de agua corrente e vida nova, uns espargos perdidos, um silencio renovado e ao fim do dia, fica assim aconchegado entre as horas. Mais tarde, desperta nas cores silvestres, tantas, recebe bramidos novos e brinda à vida em oferendas. É amante, é ternura, é leito de gestos e sabedoria, é poema que se solta nos fins de dia, nas soleiras de cada porta. 
E agora, agora é gente grande, é seara, é mistura de cores que só ele conhece, é amor para sempre aos olhos de quem o ouve, é quente, quente como só ele poderia.
E eu, passando, me deixo, de encanto.

24 junho 2010

Acordei, mas acordei de olhos despertos, olhos brilhantes como já não me lembrava. Acordei com vontade de me ver, de me encontrar em cada sitio que escolha hoje, cada estrada que me faça companheira. Acordei fugida  do que não me é. Acordei sedenta de um mundo que me alimenta, que me embebeda como só ele é capaz.
Já andei tanto, sem que os meus pés se movessem, já cansei o meu corpo e deixei o que sinto lá atrás. Já me troquei por um colo, já cantei sem voz.... sei disso como cada gota que me escorreu pela cara.
Tenho sede de carinho, tenho mais para dar, voltei às raizes que me ergueram, pedi desculpa pela distancia, o que não me vê, não tem espaço em mim e o que me cega é a claridade somente de um principio de lua.
Acordei e vi de outra forma a viagem que me esperava, e reconheço a caminhada arida demasiado longa que deixei lá atrás, trazendo-a nos meus ombros por promessa de peso e leveza.
Está um dia lindo no Alentejo,  prometo-me..
Por detrás das montanhas sei que existe mar, por dentro das searas, há historias, e no calor das mãos duras, há palavras doces que me acariciam a alma.
Por detrás da minha cara, há vida saudosa, há memória, que me obriga e atormenta, e nas janelas fechadas, há fachadas apenas, de uma vida que não existia.
Sem perceber, de zangada, deixei que o medo partisse, falo dele e não o vejo agora em cada dia mais claro que percorro sem companhia e porém, de mãos dadas comigo, companheira saudosa de um dia que ainda não veio.

23 junho 2010

S. João

Ó Anjo da minha guarda
Quem vos varreu o terreiro?
As cachopas de Alpedrinha
C'um raminho de loureiro.

S. João adormeceu
Debaixo da laranjeira,
Cobriu-se todo de flores,
S. João que bem que cheira.

Na noite de S.João
Vou fazer uma fogueira
Com folhas de verde louro
Com rosmaninho que cheira.

Hei-de deixar ao relento
Uma folha de figueira
Se S. João a orvalhar
Hei-de encontrar quem me queira.


in Velhas Canções e Romances Populares Portugueses

21 junho 2010

Solsticio

Hoje, lembrei-me de uma história que a matemática me ensinou, uma história dispersa no contexto, encantada de imagens que construi... Imaginei a praça concava de Siena, os passos ancestrais, as ruelas que embocam ali, os vasos coloridos nas janelas e as caras morenas sentadas nos degraus de pedra quente, ao meio dia. E nesse instante andei no tempo, enquanto aspirava a mesma historia pintalgada de mistério.  Pitagoras, aquele homem enorme, de barbas brancas como impunha na altura, e uma vara que valeria mais que um conto. erguida por lição no mesmo instante que a via.
Nesse momento, tudo é claro, tudo é dia, os contornos formam-se em relevo, não há sombra que ligue os corpos ao cinzento, e os astros deixam um rasto de ensinamento, deuses esbeltos nos olhos de quem ousaria ver mais que via.
Deste dia, fiz claridade de mão beijada, de desejo inflamado e falado nos meus olhos presentes, de ventania fiz memoria e de um mar agitado, celebro o mesmo momento que me ilumina acompanhada de mim.
Fiz ainda, cada dia, meio dia, meia vida, fiz alegria sentida, numa tarde que em a calmaria haveria de encher-me a mim, celebro baixinho sem medo, cada memória que guardo, cada conto que me houve ser contado, cada história e enredo, um travo de mais conhecimento e este tempo, este caminho, esta neblina ainda menina que me me enebria por dentro. Não de alegria de Verão, um sorriso pequeno, um olhar estonteante para cima, erguendo o pescoço o mais que possa, olhar o sol e agora a Lua e ficar assim, ,meia tonta!


Com a mente à volta, os braços abertos, como no tempo de menina em que rebolava por uma encosta até não saber parar, levei-me mais longe, onde as pedras silenciosas perpetuam a homenagem. Danço sem par, sem compasso, danço ao som dos elementos, danço de sentidos que me despertam cá dentro, e assisto em silencio à magnificência tamanha da vida.

19 junho 2010

Marguerite

"A felicidade é uma obra-prima: 
o menor erro falseia-a, 
a menor hesitação altera-a, 
a menor falta de delicadeza desfeia-a, 
a menor palermice embrutece-a"

Marguerite Yourcenar "Memórias de Adriano"

Desde nova, desde que os livros se tornaram vivos mal os abria, desde que escolhi entre eles, amigos, que me acompanham, que descobri nas palavras, nascentes de imagens que sonhava saber manejar, que a admiro, como uma estrela que me ilumina o caminho, fonte de agua fresca onde me encontro, a cada momento em que a minha alma me pede, caminho.

O primeiro livro que li, numa viagem de comboio, fez da distancia mais viagem ainda, "Contos Orientais", eram migalhas lendárias, historias pequenas de um mundo que imaginava, sublime como só nos seus olhos, vivi a caminhada buscando mestria, bebi o leite dos seios empredrados, ergui sonhos feitos de homens cujos olhos me veriam, e de mãos quentes nas minhas, abrindo-me a mente de uma vida que não encontrava nas escarpas cinzentas das ruas, nas palavras ditadas, iguais, dos casais que se amavam, sem que esse amor me tremesse a alma, sem que a claridade da calçada fosse assim adivinhavel. Queria mais... Não era um tuareg secreto e esbelto, montado num cavalo árabe cinzento, que me salvasse de mim mesma, era mais que isso, era uma voz de dentro que me brilhava nos olhos de busca, era um silencio mais profundo de entendimento, era um despertar num segundo, com a vontade una de não ficar, era uma historia que escrevia antes de saber não existirem palavras que a descrevessem. Por isso, adormecia no desejo.
Fui maga de erros e hesitações, fiz delas pedras no meu caminho descalça, embruteci as palavras e julguei-me guerreira, desprovida de imagem e de lua que me alumiasse caminho. Tive tanto medo do silencio e das feridas que me correm nas veias, neguei sentir-me menos ou limitada, como se o silencio fosse a arma para a força que precisei, em momentos que me levaram, sonhos e imagens.

Na minha mala, por encher ainda, fui lendo cada livro, como se faltasse sempre o motivo de um encanto crescente, uma porta entreaberta ao lado escondido do meu horizonte. Leio ainda, quando me sinto assim, meia despida, meia perdida, quando o silencio não me abraça nem me avista, quando me pergunto, mal acordo se ainda é tempo de mergulhar na delicadeza dos gestos, na sapiência da alma, e na minha essencia impensada.


Senhor Cruz

Tenho vergonha de um pais assim, tenho pena de tantos que não puderam ser vistos nas suas casas, de árvore de natal por detrás, em retrato de família, como ele. É arguido, ponto final!
Não sei se é culpado, pedófilo, comedor de crianças ou amigo dos animais, é arguido num processo que enoja, que cansa, que nos sai dos bolsos todos os dias.
É arguido, e ninguém tem ainda que eu saiba, que lhe pedir desculpas por isso, nem a ele, nem ao senhor primeiro ministro, contra quem nada se prova nem provará. Somo um povinho encolhido, com o sr Dr, sr Eng e aquele apresentador que dava uns prémios e ficava tão bem a divulgar o euro.


Entramos na era das cabalas? Não temos mais nada que fazer que andar a perseguir este e aquele personagem como se fossem alvos inimigos de grande dimensão? A nobreza do silencio é sublime, senhores, e eu prescindo de manobras natalícias. Sou capaz de mudar de opinião, porquanto me atreva a crescer, ou a mais saber, por ora, o senhor é arguido, está a ser julgado, esteja calado.  
Ou algum Lisboeta se descarta de, tal como eu, ser testemunha muda do abuso criminoso e dos carros faustosos no parque Eduardo VII, enquanto fumava um cigarro na relva e comentava o caso? Não fiz nada, tal como nada fiz nas saídas diárias para a 24 de Julho, testemunha do cheiro a cola nas copas das árvores junto ao mercado. Enoja-me o povo boquiaberto como que cego do que sempre se soube, enoja-me doutas considerações e nenhuma politica exemplar para cada cabrão que se julgue com direito a abusar de uma criança.
Quero lá saber se este senhor é culpado ou não... Eu sou de certeza, por isto e muito mais!

18 junho 2010

Eu fui. Mas o que fui já me não lembra:
Mil camadas de pó disfarçam, véus,
Estes quarenta rostos desiguais.
Tão marcados de tempo e macaréus.

Eu sou. Mas o que sou tão pouco é:
Rã fugida do charco, que saltou,
E no salto que deu, quanto podia,
O ar dum outro mundo a rebentou.

Falta ver, se é que falta, o que serei:
Um rosto recomposto antes do fim,
Um canto de batráquio, mesmo rouco,
Uma vida que corra assim-assim.

José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"