21 novembro 2011

Fui agora lá fora, abri a porta e sentei-me num instante na soleira. Faz frio e a minha cara ainda ferve de vez de quando. Ao longe, misturam-se os sons da noite, compõem a memória que faz tanto caber num instante. Misturo as pedras que me erguem, as lágrimas que correm e me aquecem mais ainda, não estou triste, que sorrio. Sorrio do que conheço e saúdo, das palavras que me saem sem pensamento, das musicas que lembro e canto. Sorrio e tenho o coração apertado. Há pouco revisitei o meu pai, nas palavras com que cresci, num segundo, voltei a ser pequena e a olhar bem alto para o ver, de mãos dadas no passeio que sempre fazíamos, em noites assim, frias e quentes dentro de mim. Sentado como eu, escrevia num sopro de saudade e medo, imagino que no fundo chorava uma perda adivinhada, confundida com a mesma rua onde já ninguém passa e pára, onde já ninguém assoma para dizer "bom dia". Meu pai grande que fala, dizendo sempre o contrario do que lhe vai na alma. Pequena como me sinto ainda, quis dar-lhe um abraço com toda a força que tenho, com o que também eu sinto e mal falo, com outra saudade dessas mãos grandes que me seguravam e o mundo parecia um lugar encantado. 
Em pensamento, enchi essa rua das musicas que a avó cantava, do semblante pasmacento do "ti Diogo", da nossa algazarra, das brincadeiras, do cheiro, das caras risonhas que enchiam as conversas às portas, das filhas que esperavam vê-lo surgir lá em cima na curva a seguir ao campo da bola. Imaginei uma lua cheia por cima e a promessa que nada passa, nada acaba, sentado na rua agora cheia, não estarás nunca só, nunca pai,.
Agora, enquanto a minha pequenina dorme e tudo parece calmo, parei um instante, aspirei fundo e não me apetece dormir, quero lembrar-me do tanto que se fez em mim de ti. Lembrar-me dessa velhinha que embalas sem uma palavra. 
Amo-te muito pai!