06 janeiro 2012

O tempo também é distancia

" O tempo também é distancia", disse-me de um soluço que o vento frio sustenta. Vejo-me ao largo, vejo-me ao longe num horizonte estranho, vejo-me aqui vestida de saudade e esquecimento. Ao meu lado a vida que me dá alento e uma corrente de imagens que correm no meu pensamento. Se me quedo ou desengano, se sinto  ou adormeço, doi-me o corpo se me vejo. Ver-me com olhos de dentro, que calo a toda a gente, dos gestos que mal me dizem, do cansaço que não sinto, deste pranto e contentamento. Vejo-me ausente se me vejo.
O tempo ofereceu-me a história que escrevo ano após ano, vista agora parece tão estranha. 
Um dia quis crer ser verdade que se lançasse uma fita quebrada ao mar, na sétima onda, ser-me-iam concedidos três desejos, um deles, doido, era repleto de ilusão, pensava eu, os outros eram apenas uma questão de gestos que não aprendi a orquestrar. Enquanto os acordes soam na minha mente, ainda agora não os conheço e porém, o mais distante, o mais sofrido, o que tantas vezes me fez desacreditar, cresceu em mim, feito de medo e de uma força maior que o meu corpo, deu-me um horizonte novo para alcançar, deu-me rumo e uma vontade tremenda de me ver. Já não sou dona de mim como julgava ser e, no entanto, tenho-me inteira, sem a sede de outrora de ser vista, ser amada ou sentida. Sede apenas de ser viva.
O tempo não muda nada, distancia-me, deixo o tempo lá atrás e metade de mim abala com ele em troca de um mundo de agora, de memória e esquecimento. O tempo não muda o que sinto, sinto o mesmo, a mesma sede, a mesma vontade ridicula de correr, o mesmo amor por qualquer coisa que não existe senão cá dentro, um amor assolapado que não me prende a nada, que me cala de medo que um dia o veja passar sem que o tenha vivido. Miséria a minha, sentada, atenta, o rio que passa, a foz que adivinho, a descrença que ainda seja agora o mesmo tempo, que o faça, que o sinta.
A intemporalidade reside nos passos que deixei marcados no caminho onde agora me vejo. Tenho vergonha de tantos, culpa por outros, tenho medo de me ter desviado numa altura do caminho e  me ter perdido, tenho a sensação que me encontro no que vejo agora, nos sentidos com que pinto a minha história que o tempo me ensina, me açoita, me grita cada erro e cada vitória, tenho uma história que não conto mas que sei quase de cor, vista de tantas formas.
Enquanto guardo um respirar tranquilo, lembro de momentos cheios de palavras que ficaram sem ser ditas, de tantas sem sentido, do grito que me chama e não me sai, lembro-me de tantas horas que enchem um tempo que agora parece pequeno, da história que é urgente saber contar, erguida da memória e deste tempo que me permitiu não esquecer.