30 março 2010

Non tengo patria

Esta voz estremece-me por dentro, agarra-me a vontade e leva-me longe. Onde o tempo é só uma palavra que expressa a história mais bela. Ao longe, onde se dança sem ofensa, onde as madrugadas oferecem ombros quentes e as lágrimas regam de fresco as faces tisnadas de sombra.
Vejo as calçadas, vejo as demandas, e esta voz tão clara que fala das cruzadas errantes...
Entre quantis e razões, misturados com esta febre que não passa nem me molda, fico encantada, horas...

Salvação Barreto

Queria ter no corpo este cheiro da terra molhada, queria misturar-me nos campos verdes que germinam papoilas como pinceladas multicolores anunciando o dourado das searas. Queria ter na minha mão, oferecida ainda, uma flor pequena com que o Alentejo nos recebe.  Queria que dos meus olhos saisse a visão que concebo que me faz viva,que este verde fossem palavras crentes numa caminhada errante, escarpada, ferida, tão minha.
Queria saber escrever o que sinto, deixando migalhas do caos que me trouxe a este sitio. Queria uma sombra de abrigo, uma fiada de trigo que me mostrasse o caminho por entre os lanços de medo que me ferem tanto. Queria sentar-me contigo, encantada com o bailado das gentes que me sabem mais do que penso, queria ouvir falar de mim, num conto  que o tempo guardasse à espera da limpidez do sorriso.
Queria cantar-te ao ouvido, uma história que te conte, feita dos meus olhos carentes, um conto antigo por escrever, sussurrado nos sopros do tempo que este sol nos fez.
Queria uma vez, ler um livro que falasse de nós, sem gares sombrias de partidas, nem gestos omissos, queria uma voz que fosse só minha, um trecho entoado ao som dos meus olhos, quedos de brilho.
Queria que o meu querer fosse assim, falado, cristalino como a agua que corre nesta terra aquecida, que as arribas altivas fossem, vontade de ver ainda, tão claro, tão limpido...
Queria o perdão dos deuses, que sou pequena, tão cheia nas mãos deste vazio de uma mente que não falando, me cala, errante na madrugada que sempre cheirou à terra que o meu sentir habita.
Sou amante da minha essência, errante nas ruelas escuras, perdidas, que percorro, crente que embocarão nesse horizonte desperto que me dá vida.

28 março 2010

Slow spiral
© Michael Jacobs


São descolores as cores, secas de molhadas, 
são duas luas numa só noite, 
são vozes salgadas, 
sabores sem voz, palavras, caladas, 
são gargalhadas numa lágrima, 
partida, chegada.

Despidas da vontade, são agua parada, 
fonte de vida, tão morta, 
finda de cor, contorno, 
horizonte sem sabor 
na crescente sede que me transborda.  

São a morte das sementes
Traços repetidos
Cores cadentes
Sabores 
Passo os meus labios nas feridas
Cerro a voz de mãos fechadas
gelo o cristal antes dos olhos

Há vida em mim, ferida, sonhada, chorada, 
vivida e nascida sem hora, 
há vida já morta de vidas passadas, 
há sentir que não passa, nem morre, 
nem se move em espirais. nas despedidas  
e no albergue de vida que não é mais que vontade.

Há mais perguntas que respostas, 
mais não saber que mais nada, 
há uma escada em caracol, 
que abre a porta às madrugadas 
que me revisitam anunciando as partidas e chegadas.

Vou pintar 
um quadro antigo de todas as cores misturadas, 
uma cor tão viva, 
só uma que me faça unica, 
na minha morte anunciada. 

Encho o meu peito de silencio
Remanesce por dentro
Sempre

26 março 2010

Martina Topley Bird


Afinal é desta voz que eu gosto tanto....

É tarde

É tarde, e como sempre, debati-me com a sensação que o meu tempo é um descompasso do tempo. 
É tarde nas vozes que ditam os intervalos finitos entre as madrugadas dispersas de ocasos mais quentes. 
É mais tarde ainda quando, chegada, vejo uma partida bem vinda, quando o pó mostra os contornos de todas as coisas já guardadas em caixas no sotão de uma memória repartida.
Era já tarde quando acordei, desperta da pressa que embaraça sem conteudo, sem promessa, é ainda cedo para que a vida me roube o sonho mais bonito. 
É tão tarde que não me deito  e tão cedo ainda para o olhar cimeiro que me avista, que pressa que este tempo tem, se nele nem fica, nem entardece... 

Desassossego

Cada dia parece o mistério de uma demanda cada vez mais solitária, o meu corpo debate-se numa vontade crescida, vinda de uma noite longa de recusa alucinada de me encarar de frente. Não vês que existes em todos os passos que percorro, que enquadras o firmamento que me dá sede, que por mais cores que alcance, é nos teus olhos que me vejo?
Sou hoje um somatório de passos feridos, de pés descalços julgados capazes, sou um marejar salgado sem razão que me dê alento, que me acalme. cada instante, cada lição, cada tempo musicado me levam a um lugar, que não conhecendo, sempre foi meu, recheado de ti.
Sou metade, vestida de uma ausência tremenda de cada dia que passa e tu permaneces em mim, sem que me rasgue do erro depositado nesta desconfiança tropega... Há dias assim, chegada, sentada aqui, em que me obrigo a entrelaçar as mãos, calar a vontade e recolher-me ao tempo que falta ou que já partiu.
Não vês que te amo tanto que julguei não ser mais que um quadro abstrato e, agora, sou eu que me rasgo mais ainda, em pedaços deixados nos passos que nem vejo, nem alcanço. E cada degrau, é simplesmente o preenchimento saldado do meu dever tanto.
Estás em todo o lado, a tua voz, o teu sorriso, as tuas mãos, o teu lado mais negro, o teu recanto escondido, o teu medo e a tua força, e ferindo-me, cimento-te em mim mais ainda. Não sei o nome de um sentimento que me fez ser esta alma que não entendo sequer.

24 março 2010

Se antes, já tão distante, os meus dias se acercavam da unica fonte de alimento, A preço de moléculas de mim, comprava a sede e vontade de me prolongar. Era facil, era um caminho alucinado de voz escondida e calada, era um rugir profundo de não saber, enquanto o meu corpo significa uma mais valia percorrida em ruelas sombrias, cinzentas permeadas por ribeiros de tristeza e loucura. Na ida, corria, voltava envolta na nevoa da loucura, que nunca chegava. Vendi-me pelo justo valor que oferecia, lavei-me numa agua parada, aspirei a fumaça do mundo que não pergunta nem quer respostas. Era breve o meu decidir, tão breve quanto a visão desenquadrada da negação. Era nada num todo louco que me chamava. Viajei por terras que não existem, imaginei-as ao mais infimo pormenor, populei-as de caras fantasiadas, tive conversas plenas com ninguém, vi luzes invisiveis e cantei árias com timbres que não alcanço sequer. Nesse tempo, desembaraçava-me melhor sozinha e o ventre esfumado como prémio, era o melhor companheiro que havia, não queria ninguém e ninguém me havia. Via as lagrimas escorridas de um amor que me ultrapassava, um choro profundo que não ousava deixar que me entrasse. Conheço esta loucura como me conheço a mim, conheço a face escura da lua que hoje brilha.
A carneirada subitamente grata e conhecedora mistura-se-me nas palavras, desenquadro-me mais ainda que ao percorrer o cinzento das ruas nas noites escuras e enevoadas. Vejo o conhecimento como barreira, degrau cimentado que se ergue nas pegadas da mesma loucura que me acompanha. A meio, vergo-me, não sei ainda para onde vou. Não sei mesmo.
Sei que não estou onde devia, sei que a minha mente disfarça a vontade do que sou, e essa tornou-se mais facil distanciada de mim. E este sentir tremendo, esta saudade da terra que me alimenta, de cada elemento que me dá vida, das viagens empedradas, da chuva que me transborda, das palavras, das palavras silenciosas, é um horizonte escondido que sem tecer, me dá voz.
Hoje calei-me ainda mais alto, virei-me de costas e olhei para mim, calei este medo esgotado. Ensaiei mil vezes, antevi, premeditei,... Sempre disse que a mudança em mim estava no degrau cimeiro da perda. De seguida sei a força que guardo de me ganhar por inteiro. O que me aguarda é o maravilhoso desconhecimento disto tudo.


22 março 2010

Ensaio-me. 
para que a morte me seja ao som dos pés,
o som das uvas esmagadas 
com o sangue de todas as rosas que não vieram ser-me lençol. 
uma porta de chumbo a ser livro raso. a ser abate. 
e abro-te a boca para te ser luz que não sombra
e se o eterno mais não fosse que este único momento de trigo incerto? 
dirias que um pássaro me dividiu o corpo? 
ou antes que o fundo do abismo seria mais alto? 
como vês, nada sabemos da extrema solidão. 
fonte ou harpa. seremos sempre a metade de um livro alegórico.

Isabel Mendes Ferreira
Pendidas, numa vontade que se distancia de mim, as minhas mãos estendidas ao longo do meu corpo, eram antes a expressão do meu horizonte. São minhas, caídas, despedidas de fonte de vida, pequenas, são agora as veias que me ligam à terra  quente. Entrelaço-as, de vez em quando, nas pernas traçadas sobre o chão. São laços, abraços envoltos em mim, carinho escondido de uma serra enfim sossegada.
Ouço as cigarras, finalmente despertas, ouço o som das estações renovadas. Caem as minhas mãos pendidas neste espaço ausente e presente de vida. 
Mãos tão cheias de silencio no meu regaço, no turbilhão de laços e mãos a que não pertenço.



Amanhecer silencioso


Enquanto, escondido, este amanhecer me despertava devagar, anunciando-me o acordar inocente dos meus sentidos, lá fora essa calma entrava em mim.
Tudo está no seu lugar!
Tudo está agora tão maravilhosamente sossegado!
Este ser de estar, este eterno lugar onde me aconchego e aqueço, onde estou por inteira, verdadeira... Aspiro agora o que de mais infinito e grandioso esta terra molhada me oferece, este cheiro companheiro de tantas caminhadas que já fiz...
Paro neste momento só pelo prazer de olhar em volta e reencontrar este sossego que deixei atras de mim procurando enfrentar os meus deuses desconhecidos que me atormentaram nestas horas tão grandes.
Tudo está no seu lugar!
Fumei o meu cachimbo da paz enquanto a madrugada se despedia dos sonhos mais profundos do meu ser, apaziguei da minha alma a culpa da minha não inocencia querida calada, fechada.
Acordei devagar, enquanto por um momento o Sol deixava-se estar, antes de se esconder novamente, só para me aconchegar nesta manhã de plena vivencia.
Na minha guerra passada lembrei-me de outro lugar em que chorava lagrimas de dor, por nao entender a verdadeira essencia deste ser, sem querer, de deter nas maos a plena justiça de sentir... Lembrei-me de cada momento em que ofuscada pela revolta, reclamava do mais fundo de mim essa estupida voz da razao que nunca existiu, nem nunca existirá.
Levantei-me e, ao longe tocavam melodias entendidas, acordes livres de quem tem asas e permite-se voar, ri-me pela unica razão de viver, corri para abrir a porta e ouvir melhor, deixar entrar em mim esta essencia de prazer.Quis escrever, antes mesmo de viver cada momento a seguir.
Meu Deus estou viva! Estou tão cheia de vida...
Deixei atras de mim, os fantasmas desta razão, desta culpa sem alma, sem calma, sosseguei-me em paz no fresco desta manhã que parece ter sido assim por que assim tinha que ser... Só isso, basta-me isso!
Aprendi que sou pequena, nas minhas mãos não detenho nem tudo, nem nada, detenho esta calma de sem pensar, querer viver, perdoar, rir, ser humana...
Sou pequena! Sou humana!
Vou viajar, vou perder-me na serra que hoje já sorri para mim, estava triste ontem com a minha ingratidão, com a minha racionalização de não perceber a dadiva mais simples de existir...Quis controlar.. Quis calar!
Sou pequena!Meu Deus sinto-me tão grande!
E, se olhar de novo... Tudo continua no seu lugar...
Maravilhosamente silencioso..

21 março 2010

A temper trap

O calor que a terra liberta, este cheiro, a viagem de regresso, de vidros abertos, aceito a oferta da mescla de sons nocturnos e deste quente que me inunda a cara. Estou carente de tanto, mente desperta, olho ao longe o castelo e invento histórias e tramas ali passadas. Há um instante, de vez em quando, em que tudo se confunde e se torna tão claro, na percepção de um erro tremendo, de me ter deixado algures, longe, e desta voz de dentro que me diz conhecer o caminho certeiro à encruzilhada futura onde, me espero.
Grata, sempre desassossegada, na necessidade de me ouvir, de não me calar, horas que passo, conversas comigo, interminaveis e caminhos bravios de descoberta de tudo, de nada, de saber e desentender, o tempo, o espaço, este cheiro, o passado futuro...
Como sempre, a minha vontade desvia-me da estrada direita, percorro de madrugada o rio que passa, que corre com pressa de naufragar, de se fundir como as histórias do mundo. 
Liberdade, escrevi esta palavra num texto, há pouco. Escrevi acerca de liberdade de conhecimento, mais que de expressão, ser livre de errar, pensar, temer, pedir, receber, saber, não saber, ser presa do erro de me ferir na inexpressão. Sinto-me presa aos laços apertados, cravados da desigualdade, da terra que piso e me trava, pergunto-me sem resposta, sou livre do medo escancarado na minha cara, escondido entre expressões confiantes, medo.
À minha frente, forma-se um contorno na estrada escura, uma carroça de ciganos movimenta-se, deixa-me imaginar o destino, o ser desviante... Meu Deus, como sempre admirei esta gente, gritados de um ser que nos afronta, nas normas patéticas que me sujam ainda. Não as quero, nunca as quis, quis viajar primeiro dentro de mim e partir, ser capaz, ser-me inteira, não aqui, no fim desta estrada, numa encruzilhada onde a minha alma espera e me acena.
Ainda me quedo por vezes, em palavras intencionadas, hoje não, hoje fui bebendo este silencio, esta imagem que é a minha face inundada de tantas estradas, e da pressa que passa, sabedora, liberta.

As minhas mãos vazias, apertam-se, preciso de ir ver o mar, quero sentar-me encostada a uma rocha listada, saborear esta chuva solarenta, perder-me em mim, escrever, estudar e acabar o negro de Yourcenar. 

20 março 2010

O jarro de sangria de frutos vermelhos, de um aroma comprometidamente encantador, invadia-me os sentidos escondidos desta naturalidade habitual. Não se notaria que seria meu, por vontade, de um trago sedento e insano. Desvio-me mecanicamente, sem esforço, apesar de me parecer que deveria glamorizar o orgulho de o querer. Querer, nada tem que ver com poder nestes dias, assim como poder é desviante da vontade.
A lareira emana sons aquecidos de uma musica quase mágica, enebrio-me conjuntamente e desigual. Tenho o poder de partir estando e de me embebedar de substancia incorpórea, alienada de uma mente vagabunda, minha numa rua de venturas e imagens.
Por um tempo, adiro ao soltar de palavras faceis e desta proximidade que os livros e noites em claro nos oferecem, ouço em sorrisos falar de mim, como se de uma estranha se falasse, parece-me boa pessoa, divertida, atenta e distante. Ouço-me na convicção do pouco que me mostro, nesta imagem repartida que me descreve.

O "Plano infinito" arrecadado, atrasado na vontade, dá lugar a histórias antigas, de campo e cidade, da escola primária, das reguadas e esfoladelas nas quedas de bicicleta, palavras que nos unem nas saudade das ruas de um tempo em que a vida nos era devida, do encanto de criança. Cada conto é bisado pelo seguinte, parecido, e enquanto o jarro se troca, deixando as faces rosadas e as palavras cada vez mais soltas, eu invado-me de memórias de uma manta de essência que me eleva daqui, que me leva longe, onde uma terra me lê, onde o tempo se move em espasmos de mim.

Num instante, vislumbro-me, vejo-me...

Como sempre, deixo-me na estranheza da acção, estando, viajo em mim como que integradamente distante, estou ali de mãos abertas, divertida e atenta, na desatenção cansada da minha divagação.
A madrugada passa e o plano infinito, é somente um motivo, que na verdade, guardado, nos deixa, noite dentro, noite aquecida em palavras esquecidas e que precisamos de ouvir, conversa de amigas, divertidas e atentas. 

19 março 2010

 Mais forte que as guerras que se travam todos os dias, é a epopeia que empreendo comigo. Pouco documentada, muito, não pretendo o adjectivo, move-me uma vontade de me munir e crescer, pela força de um pensar que não domino.
Por isso, escrevo, aqui, num papelinho , num qualquer lugar onde a paz me sirva de estrada que raramente sigo.

"Escrever é estruturar um delirio"
A. Lobo Antunes

As palavras são imagens, manejo-as num conhecimento construido de caminhos, de arribas fronteiras, de um delirio adocicado que me abrilhanta os olhos. Desfaz-se aos poucos a vontade de raciocinios obesos de premissas. Questiono as cores que vejo, e tantas vezes desentendo. Questiono tudo por cansaço e calmaria.
Somadas, as palavras seriam um todo, desviam-se nas encruzilhadas de pretensão, e eu rendo-me por pequena. Pequena, 
Pequena do manejo alucinado, da febre que me trespassa e me rouba a igualdade, pequena do varejar das ideias mais que as palavras, mais que uma imagem tardia.
O meu horizonte é uma obra iniciada, um querer terreno que nunca tive, mas sei a morada, descobri-a, palpavel, exequivel, em cada ferida, cada sorriso, cada lagrima e inexactidão. Senti-a nos erros e na desilusão, no sopro mais forte que razão,  e enquanto escrevo, esqueço o silencio tirano e esta verdade tão clara: Nunca nada seria como devia, envolvem-me abraços quando a paz se me anuncia, porém, se a minha cara salgada se mostra, resta o que escrevo, as imagens que teço, limpidas, resteas, minhas.
Questiono tudo, ouço vozes altivas em prol da honestidade, da verdade. E esta são as terras semeadas de defeitos, de medos, de loucura desmedida, pintalgadas a preceito com vontade, benquerença e integridade. Alguém fica agradecido com a dadiva do defeito? Alguém fica depois de me despir por inteiro e cuspir no chão o meu ser mais calado, o meu avo de medo, o meu lado escondido? 
E porém, fortaleço-me na desigualdade, sou mais que a diferença pretendida ou a mera ventania que passa, choro, sabendo cantar de dentro e esta febre presente é mais clara que qualquer palavra esboçada antes de gritaria.
Enfim, permito-me a palhaçada, como uma prostituta divina que se cobra, que se paga, por ainda agora esperar o que surge para além da claridade, a diferença, a vontade, esta sede sentida, impensada de um dia, ao longe, deitar-me numa areia quente, fria, seca ou molhada, mas despida, nua, sem nada, sem uma sombra de vida que fique sem ser vista. Sou por ora, fantasiada, mascarada.
Marco passos desenquadrados de um caminho interior, como a mais simples verdade. Vou correndo, apressada, temente de uma verdade, contente.
Não sei enganar o meu reflexo, não consigo tapar a claridade gémea, e as palavras gritantes que me saem de um eco por demais uivante.

17 março 2010

Onde a terra adormece, serena,
Num ponto do mundo, ao longe
Como uma face quente,
Uma lagrima.

A distancia de todas as coisas
das palavras, dos sentidos vazios
as gotas de orvalho na erva molhada
simples, pequenas
Horizonte

Um chão de areia
Um mar em frente
e as pegadas que não se vêem
presentes
eternas

E as madrugadas
de tão terrenas, tão sonhadas
são sopros salgados
nos labios cada vez mais secos.

16 março 2010

Ando às voltas com a peregrinação de contas e DFs e tira daqui e salda acolá, para fazer um simples processamento de subsidio de férias. Onde é que começou a ideia de estudar Contabilidade e Fiscalidade, que eu já nem me lembro?

15 março 2010

Tenho saudades do que vislumbro ao longe.
Saudades de me perder no futuro da minha memória.

Não sei escrever o que sinto... Será que afinal as palavras não chegam? ou este sentir que mora em mim, tem uma expressão que não conheço? Sim, que eu não conheço, tal como não conheço cada cantinho de um mundo encantado onde sonho e me evado? E não conheço a leitura dos meus olhos que brilham?
Sei pouco deste mundo circular e arisco, sei de outro que gira e rebola em mim por dentro. Tem mais do que o esboço de um lapis multicolor, tem o movimento de pensamentos, misturados com os meus sentidos, mais reais que qualquer horizonte construido de sinais. Tem a banalidade de uma terra carente e de um mar invertido, tem um alucinio tão quente que me rasga as faces falseadas de vivência.
Gasto horas, sentada num circulo convergente, de livros e conversa, sei-me igualmente diferente, as palavras passam por mim sem lugar, as viagens, já as fiz e farei sempre, as frases intransigentes e, eu repito, que não sei, não sei.
Nem sei tratar de mim, brinco comigo como se lá mais à frente, me devesse o retorno, brinco com as asas presas de um motivo que não aceito, brinco com o tempo como pedras na palma da minha mão, com os sorrisos gratuitos que recebo e desdenho, sei mais que o pouco que sabem de mim. E a minha porta aberta tem um reflexo de sol, uma ilusão que parece querer fechar depressa, não é magia, é a mentira da vida, tal como a cruel convicção dos que sabem mais que eu.
E hoje, sou o todo que remanesce e que tem uma pressa de sempre, de tudo, de tudo.

13 março 2010

Há dias convergentes, dias amorfos, dias fronteiriços...
Hoje acordei com ganas de ordenar à febre que baixe, de estudar, de me perder num passeio com o meu amigo, de comprar um livro, ouvir as pessoas de quem gosto, e empreender num ponto do horizonte demasiadamente claro para não nos vermos.
Hoje vesti uma saia que gosto, desisti de entender esta parte em que o cabelo não é curto nem comprido e não tenho mão nele, calcei umas meias de lã quente, porque hoje é outro dia e, as minhas estações do mesmo ano, renovam-se no encanto de as fazer parte de mim. 
Acordei na fronteira de um novo dia.

Estásimo de eternidade só minha


Efemeras estações, ciclos, que passam no turbilhão que sempre me rodeou, companheiro de uma visão muito minha. Sou filha da teimosia, sou presa do medo das passagens de mão em mão, das simples transfigurações de vontade.

Sou pequena e temente, eu sei, não gosto, zango-me com estas duas faces que se guerreiam cá dentro, um burburinho eterno, um barulho persistente que eu ouço, que alimento. São estas duas, eu e mais eu, de ar convencido. Eu que navego, que viajo, que sonho e quero tanto, eu que me joguei sempre nos caminhos diferentes, no encanto dos elementos, na solidão viajante de nunca nada ser suficiente; e eu, temente, lavadeira de feridas, conhecedora das palavras de nada, da futilidade do sentir glamorizado, errante da minha imagem desfocada e da ordem de um mundo onde não me vejo. São duas. São mais.
É como se a dificuldade estivesse nos lugares onde anseio falar de mim, se me deixo algures, sempre, para parecer coerente. E não sou.
Mais que eu, há-me um ser, um oriente, há um sentir persistente, sem semelhante que creia, há a desvontade dos amantes, estes ou aqueles, desde que o sejam, a substituibilidade gratuita, por ordem de um querer sem conteudo. 
Amei as searas desde que as vi, viajei e encantei-me com os horizontes mais belos, aprendi outras linguas, outras gentes, mas o laranja castanho, o entardecer quente daquela terra, é amor eterno que guardo comigo. Não as habito, sinto-as em mim quando choro, quando rio, nestes dias cinzentos impostos de febre.
Há uns dias, enquanto em volta, caras zangadas ansiavam pelo quadro cheio, eu bebia as palavras de um poeta, professor de direito, dançava com as palavras, com os olhos, falava da vida e dos seus amores, vivia-os naquela sala como os vivera desde o primeiro dia. E eu ouvia e sentia, nos meus tons alternadeiros, nos meus devaneios e pequenês, que este sentir maior, sem principio nem fim, é o ultimo como o primeiro, é maior que o poder da minha voz, é o traço de vida que anseio.
Se me guerreio, é talvez pela força tremenda deste sentir, deste ser, deste desentender, que não se afoga, nem se permuta, não se morre de uma vez e não se nasce por inteiro. É esta seara de sentido que me dá voz ao perigo e à paz de me dizer como sou, nunca igual, mas capaz de albergar a infinidade do meu olhar.

“As pessoas de quem gostámos e partiram amputam-nos cruelmente de partes vivas nossas, e a sua falta obriga-nos a coxear por dentro.”
A. Lobo Antunes

Porque em mim habita a eternidade das parcas manhãs que me moldaram e das tardes que me deram esta voz de mim , e das madrugadas despertas e iluminadas de ofertas de um querer mais que o saber. Por tão parcas, tão minhas, serão eternas, guardo-as junto a cada pedaço que dei por não me pertencer. Unas e insubstituiveis.

12 março 2010

Devagarinho, quase a medo, abri a janela para o ver chegar. Abri a alma e deixei o Sol entrar.

Antes de me vestir e calar, invadiu-me saudade.
É eterna esta vontade do que me falta, do que me guarda, desta porta trancada que a minha mente assim fechada, não soube abrir.
Desta voz que sempre falou mais de mim.


Quando eu morrer, 
não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos 
quando eram outras horas nos relógios do mundo 
e não havia ainda quem soubesse de nós; 

e leva-o depois para junto do mar, 
onde possa ser apenas mais um poema – 
como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros 
e eu tinha medo de me deitar só com a tua sombra. 

Deixa que nos meus braços pousem então as aves 
(que , como eu, trazem entre as penas 
a saudade de um verão carregado de paixões). 
E planta à minha volta uma fiada de rosas 
brancas 
que chamem pelas abelhas, 
e um cordão de árvores que perfurem a noite – 
porque a morte deve ser clara
como o sal na baínha das ondas, 
e a cegueira sempre me assustou 
( e eu já ceguei de amor, mas não contes a ninguém que foi por ti). 


Quando eu morrer, 
deixa-me a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, 
nem toques com os teus lábios a minha boca fria. 
E promete-me que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenoscomo pequenos foram sempre os meus ódios; 
e que depois os lanças na solidão de um arquipélago 
e partes sem olhar para trás nenhuma vez: 
se alguém os vir de longe brilhando na poeira, 
cuidará que são flores que o vento despiu, 
estrelas que se escaparam das trevas, 
pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.

Maria do Rosario Pedreira
O Canto do Vento nos Ciprestes
Uma névoa densa, quase diria que envolta no sarcasmo ancestral que não pretendo decifrar. O Mondego adivinhado, serpenteado, e companheiro. A barragem da Aguieira, guardou uma tarde quente, num verão que não esquecerei. Eu guardei a calma da insanidade, o silencio da fuga e a liberdade de me devolver à loucura tão precisa. 
Desta vez, sou de uma desconvicção profunda e de uma sobriedade que me chateia. Queria estar bebeda de loucura, um instante, queria saborear esta vontade de me jogar à vida nesta agua misteriosa. Não vejo e adivinho o caminho, este e o que me corre nas veias.
As distancias, são somente o tempo de permeio, o suficiente para um arregaçar de esperança e um tempo que me semeio. 
Carregal do Sal é uma terra que traz memórias de pedra granitica, de muros, de uma farmácia no meio do largo que nunca esteve aberta. Um copo de agua que me lembro de ter pedido envergonhada, o incêndio em volta da casa da Beira, as maçãs, lembro-me de escorrer na relva molhada de encontro à agua, de pisar as pedras no ribeiro antes da casa senhorial que me obrigava a ser mais ainda quem nunca fui.
Bebe-se chá num bar estranho, entranha-se desconsolo numa sala resguardada e, em fracções de tempo, só penso na agua da barragem que chama cada vez mais alto, nas vertentes do Mondego que prometi descobrir, nas estradas de terra que me levariam na distancia precisa, perfeita.
Antes de amanhecer, não sei o que tenho... Reminiscencia de um tempo, saudade da corrente verdejante de um caminho, desta febre que não passa, desta cara vermelha e desta viagem estranha.

10 março 2010

Já se tornou cliché, mas nunca percebi porque me irritam as mulheres desta maneira.
Esfreguei as minhas botas com um pano, lavei-as, mas esta lama entranhada, não quer sair. Não importa, gosto dela assim em mim.
Este semestre, aquela sala tornou-se mais fria, mais desgraçadamente branca. O professor de estatistica, cocheia num palco que lhe confere respeitabilidade duvidosa. Ri-se do que não acho piada. Da sua boca saem enxurradas lidas de uma projecção no branco. A minha mente vagueia. Não é assim que se ensina. Noutra sala, bebia as imagens que me beliscavam a mente espicaçada de conhecimento. Agora, é só um quadro falado, e eu não entendo nada.
Duas horas depois, ainda a mastigar uma porcaria qualquer, sento-me. Zangada. O mulherio de madeixas e botas altas brilhantes, um burburinho contente, "não vou aprender nada, vou mostrar que sei". Sento-me e rezo para vir a saber também.
A meio, discutem-se os procedimentos correntes nos gabinetes, enquanto eu me afogo no SNC, diferimentos, imparidades... Não sendo anormal, nem burra, que até me dei bem, estamos a falar de quê? Tenho tosse, tenho febre, de corpo e de alma. E aquele vulto que se julga mulher, corteja-se à minha frente, esganiçada.
Olho para trás, e quem me conhece, sorri e afiança-me calma. Em casa, no fim de semana, explica-me. E do outro lado, uma cara que gosto e que sugere para não ouvir nada, senão confundo-me. 
Duvidas? Claro que tenho duvidas. A começar pela razão de ensinar e o dom para tal. Tenho duvidas acerca de tudo e nem é uma duvida, é uma questão existencial entre dizer o que penso e estar calada.
Detesto mulheres assim, empinadas!
Quem dera ser maestrina num salão iluminado, sem gente. A multidão das cadeiras vazias, a nobreza do silencio, a imposição de uma orquestra imaginada, a imagem do meu tempo, agora.
Lá fora, cruzam-se amalgamas de caminhos, palavras  e sons que não me cabem. Quero-me aqui, comigo, tocar a batuta três vezes, na madeira, respirar fundo e fixar o meu olhar, em cada ponto do palco, em cada ensaio cuja lição, é urgente aprender.
Caí tantas vezes para aqui chegar, fui tantas caras quantas as manhãs naufragadas em que me sonhei situar, fui embalada de um sonho que nunca teve lugar, fechei portas às asas que ainda chamam por mim. O meu silencio gritante foi tão claro como esta manhã anunciada, como um beijo vazio e tão cheio de mim. Fui "reolhada", vista? Não sei. Não sei.
Silencio. Conheço a musica que ensaiei, uma orquestra de sentidos, uma ode aos elementos mais nobres que guardo cá dentro, uma mistura de fado e alegoria, o quadro mais claro que me esboça. Tem uma prosa tocada de cada passo saido do meu pensamento, tão distante de mim, tão envolto do receio de um mundo onde caminho e não me vejo.
Silencio. A voz cala-me, o meu corpo tem uma voz que fala mais alto que qualquer palavra. E a musica? A musica, ouve-se ao longe, sem se fazer anunciar, é o som de uma praia, de um chão de poejos, de uma seara crescente, de uma serra, de um fogo de cara, é um bailado expontaneo que me liberta da cegueira empoeirada desta estrada.
A musica sou eu que me chamo. Os acordes são os pedaços que preferi deixar onde me pertenço.
Nesta sala fechada, ouço-me. 
Sou tão mais clara que as palavras que me disfarçam, sou mais veloz que os passos que me prendem, mais capaz que a incapacidade dos movimentos, sou mais doente que a minha voz, mais sã que a distancia, sou saudade, sou a insanidade de um querer tão grande, tão grande e de uma quebra de tom, por ainda crer nos demonios que me acompanham e brincam comigo.
Silencio. Esta sala é a fronteira entre as palavras que me falam e a alma que me tem.

09 março 2010

Se não me basta, o alcance do meu olhar, se nas manhãs adversas sonho com um pássaro gigante que cruza os mares com o unico propósito de retornar, o instante necessário para voltar a partir. Se nas tardes amenas, aspiro as madrugadas fundidas de mar. Se à noite me embalo nas planicies castanhas onde um dia morarei. Se vejo, se o que tenho é incorpóreo, raiz de sonho, semente de esperança.
Se as palavras são prosas e a musica calmaria, se o vento do Sul me acorda e o vinho nos chama, se o que mais  há está dentro de um desenho num recanto da praia.
Se não me basta o permeio, se este cheiro me invade lantejante, se a morte seriam sempre as ultimas palavras de um conto sem tempo. O que me chama?
Se anseio, desejo.
O que me chama?

08 março 2010

Mulher

Estás tão bonita hoje (...)
estás dentro de algo que está dentro de todas as
coisas, a minha voz nomeia-te para descrever
a beleza. 



José Luis Peixoto


A tua face sempre teve o sabor das terras quentes , das searas laranjas e das tardes serenas no teu colo.
Envolveste-me num abraço de um laço maior que qualquer coisa. Nunca senti nada tão forte e, agora, seria no teu regaço que me aconchegaria,  libertando as historias que me fazem, acarinhada da tua voz doce e serena.
As tuas mãos semearam em mim, as mais belas coisas que guardo, quando hoje me sento na ombreira da minha porta e choro, cantando. E sorrio, que foi do teu ventre que vim e é assim que me tenho. 
Minha mãe pequenina, não por este dia, por um gesto sentido, que me soa de dentro.
És tão grande, tão bonita!!!

Há sol na rua

Fernando Parrilla Zappata


Há sol na rua
Gosto do sol mas não gosto da rua
Então fico em casa
À espera que o mundo venha
Com as suas torres douradas
E as suas cascatas brancas
Com suas vozes de lágrimas
E as canções das pessoas que são alegres
Ou são pagas para cantar
E à noite chega um momento
Em que a rua se transforma noutra coisa
E desaparece sob a plumagem
Da noite cheia de talvez
E dos sonhos dos que estão mortos
Então saio para a rua
Ela estende-se até à madrugada
Um fumo espraia-se muito perto
E eu ando no meio da água seca .
Da água áspera da noite fresca
O sol voltará em breve

Boris Vian

07 março 2010

Tinha saudades da vontade com que o dia me acordou. Há tanto tempo que não abria a janela de par em par e ficava ali, um instante sentada, com o ribeiro que passa por trás, e a manhã raiada que ocupa o alcance do meu olhar. Já não me lembrava da luz. 
A árvore que plantei, pequena, hoje dançava de branco, e haviam pássaros pousados nos galhos. 
O som era mais forte esta manhã, o ribeiro transbordou, e os milheirais são lagos castanhos, e os caminhos, não os encontro ao olhar, sei de cor onde estão. Por qualquer motivo, os meus olhos fechados, sempre viram mais que as imagens que pretendi reter. Sei onde estão, percorri-os muitas vezes, sem direcção.
Tinha saudades de me querer.
Distante da multidão, por ser preciso, fui admirando a paisagem transformada, sossegada por ora, vi o campo de girassois concordantes que nascerão mais tarde, o Sol Nascente que aguarda a chuva bem vinda, vi vida por detrás dos montes, soltei-me de um pensamento demasiado elaborado que me assola. Sou agora, só isso.
A orquestra de nomes e sobrenomes com que me vesti, pesados de um fado que não me alenta, que não me tece, sou-me despida, distante, reconhecida mais ainda de cada pecado interior.
Não sinto falta de corpo, a minha cara febril guarda uma herança que me fica.
Tenho um gorro de lã, um casaco quente, lama nas botas e esta manhã trouxe qualquer coisa que, não sabendo o que é, tem um sabor doce, da cor do trigo.
Tinha saudades de conversar, de rir e dizer parvoices. De coisas simples como aqueles biscoitos antigos que a minha avó comprava com sabor a limão. Ainda se fazem, a vulso, na loja do Simões.
Já não me lembrava que a minha alma tem alma, que a minha mente desassossega-me e que o que sinto é maior que palavras esboçadas a um vento que passa.
A febre, ameaça, reserva da pressa que tenho em chegar. Não vejo o caminho, mas sei onde passa, sei onde está.

06 março 2010



Trato-me bem, trato de mim, no propósito desconvicto de um amanhã que me tenha. É urgente que assim seja.
É preciso!!!

Corre-me um formigueiro nas veias desde manhã.  Tenho pressa de sitios, de coisas, de livros, tenho uma vontade renovada de me tratar. Encho-me de musica, de leitura, lembro o sinal de perigo. É urgente tratar de mim, alma incluida. Não me apetece discutir-me, porque os deuses não me perguntaram antes, não me apetece divagar acerca de sementeiras, colhi tanto que não semeei.
Querer-me-ia eu? Claro que sim, há luz em mim... E o que alumia? Não sei.
Não vai ser mais forte que eu, esta febre, esta sorte, esta treta que não nego mas não quero nunca conhecer.
Há um mundo cá dentro, só meu, intransponivel, inconquistavel, tem a chave da verdade, porta de entrada de medo e uma janela de espanto. Vou lá de vez em quando e, quando volto, olho em volta e agradeço esta nevoa que me assoberba, que me envolve e me quer anonima na multidão.  Solto gritos e risos em silencio, não penso, não posso. Tenho tempo, sou forte, de alma cortada mas crua, de olhos vendados mas postos nas madrugadas de mim.
Sem defesas, sem um exercito armado para me defender, ergo uma espada de prumo, perdoo-me antes de me pedir e num segundo, vejo tão claro, este mundo que nunca quis habitar.
Nada mais importa, senão a reserva cimeira de me albergar, cegar-me de vida, doar-me poder e simplesmente não deixar.
Vai passar.

05 março 2010


Dei dois passos, não ensaiei, nem sequer me deixei falar comigo. Deixei-me ir.
Dois passos convictos, gritados e envoltos de uma paz capaz de se apoderar de mim.
Ouvi-os, senti-os... o bastante para encostar o ouvido à porta fechada. Do outro lado, imaginei margens, rios, poemas, fascínio e encanto, mar salgado e terra fertil, corpos molhados e bêbedos de lua nova. 

Quero lembrar que estive aqui.
O som das estações trespassam a fresta minuscula na madeira, por onde o som passa.
Toquei a madeira encerada, tapei a fresta esquecida e olhei em volta.
Em silencio, quieta, não pertenço, sossego:
É a volta da maré, o azular do oceano, e o renascer do vento.
É uma porta fechada, de madeira renovada e polida.
Bonita, majestosa.
Poderia deixar uma rosa. reter uma lagrima ou simplesmente o silencio ditar o que a minha alma não mostra.

E agora. Agora coloco o dedo nos labios, e retrocedo. 
Uma escada já gasta, um corredor cinzento e uma janela entreaberta, por onde passo de mansinho.
Cá fora, calço os sapatos, e não sinto.
Acordo.
Chove, chove muito entretanto

04 março 2010



Li-me como uma história contada de mim. Paginas em que me fui deixando, fragmentos de um conto mais sentido que falado, porque as palavras não serviram ou porque não as encontrei, foram as imagens mais sentidas  de um dia que não se desdobra, de uma pagina que não se renova nem se apaga.
Percorri com o olhar, um desfile de sentidos que, de mim, emanados, foram passos numa margem que não conhecia. Celebrei em tempos esse despertar de uma voz de dentro, tão clara, tão minha. Hoje, a minha cara mais fria, deixou-se molhar com o mesmo carinho que as mãos se cruzaram no colo. Lá fora, os sons sossegados da tarde, pareciam aguardar uma paz renascida que não encontra morada.
Descobri a minha ilusão nos cantos sinistros da madrugada, descobri o medo na claridade do tempo e guerreei a fé com uma razão entranhada de feridas lavadas e de uma mente desperta. Descobri-me igualmente nas quatro faces da lua, ofereci-me estatutos errantes, tão grandes, fui serpente, fui cara deslavada e um eco de gargalhada que a tarde trouxe consigo. As palavras, foram ficando desgastadas e inimigas do sentido.
Muitas vezes, olhei a janela e soube-me ouvir, tinha uma voz tão clara que anunciava as estações efemeras de sentido repetido, e eu, errante de liberdade, mais que prisão, parecia esperar um rasgo que me calasse, na minha voz infinita. Soube sempre acerca da repetição atroz, das madrugadas renovadas de passagens, soube sempre que amar é preciso, seja onde for.
Amar muitas vezes, um pacote completo, embrulhado e pronto a usar. Nada de desgastante, nem trabalhoso.
Desamar, simplesmente.
Não sei falar sobre isso. Nunca amei na minha vida da forma que a alma sonhou , ama-se somente uma vez, e só depois me parece que se pode dizer que se amou, uma vida, um instante, um segundo.
Amar é uma palavra entre qualquer oriente. É um dia que passa, um balançar preciso. Talvez por isso, não saiba, que não entendo o sentido, talvez seja outra a palavra que não se forma, talvez o silencio a conheça.
Li-me devagar, com todo a carinho que deixei para mim. A prosa já não faz sentido. Quedo-me assim, à beira da minha estrada empoeirada, meio torcida, convicta que me aguarda uma caminhada de mim. Sei de antemão durar o tempo que sempre me teceu, uma vida inteira, mais que uma quadra, mais que um simples poema ou episodio.
Felizes o que renovam e comandam, e eu não. Eu sou meia madrasta, meia canção. Sou qualquer coisa que tarda, por isso, me fico, agora sem palavras. Bebi-as como se saboreasse um acto unico, que nunca será o ultimo, nem mais um, apenas o palco de vida onde me vi.
De seguida sorri... Não sei porquê....
A tarde não distava nas cores cinzentas, misturadas com o Tejo transbordante que corria, com pressa, sem tempo.
Transportava as ofertas da terra, assustava os bandos que, de vez em quando, debandavam. Voltariam em seguida.
No cais, um velho olhava ao acaso, sentia que seguiu os meus passos, como se os contornos da passagem, fossem inesperados. Avisou que o cais escorregava e eu agradeci. Agradeci a palavra mais que o cuidado.
Os barcos atracados, cansados, balançavam-se sem nenhum bailado perceptível e, uma sensação aleatória tomou conta de mim. Estive aqui como poderia não ter estado. Provavelmente, seria a minha face mais clara nesse dia, mas não deixaria de ser mais uma. 
Passeei os meus passos pelo cais, ouvi o murmúrio zangado da agua, olhei em volta e reconheci uma onda mais revolta que determina a ordem. Vim aqui como poderia ter ido a outro sitio.
Não o trouxe comigo, não me deixei lá.
Fui visitar o Tejo, só isso.


"My life was hurrying, racing tragically toward its end. 
And yet at the same time it was dripping so slowly, so very slowly now, hour by hour, minute by minute"


Simone de Beauvoir