27 fevereiro 2011

Quem me dera saber mais de mim

Tão estranha esta minha  forma de pensar. Acordei mal o sol iluminou a minha cara por sobre os ramos nus que avisto da janela, conheço este despertar distante de mim, os segundos de demência para me situar neste tempo e lugar.
Quem me dera lembrar...
Da minha janela, não me avisto, leio repetidamente os intermináveis relatórios que parecem não falar de mim, dias seguidos, telas brancas na minha memória e, neste anseio, vou perguntando a quem me viu, se sabe por onde andei. Ouço histórias, tento visualizar os lugares, as pessoas com quem reparti este meu estar sem presença. Havia um rapaz de tez negra que me ajudava e brincava comigo, um homem de bata azul, haviam monitores e uma dor lancinante no meu peito que nunca entendi. Havia uma janela que mostrava Lisboa....
Acordei cedo, aspirei vida, as lágrimas corriam pela minha cara, sem reflexo, sem motivo, emoção pura de um tempo que passa por mim, desconexa vou conhecendo os meus limites, vou escrevendo no meu caderno porque mais tarde não me lembro, e surpresa, cada voz amiga me anuncia o quão forte sou, capaz de surpreender os doutores e eu, eu penso, mas eu não me lembro de mim...
Seria capaz de racionalizar cada momento, despedir-me do quanto me fez falta, agradecer a lembrança daquela velhota linda sentada na minha cama, do castelo de lembranças emprestadas, emocionadas com que preencho os dias, da presença ausente de uma madrugada que me trouxesse, uma vez que fosse, o que trago cá dentro e já não encontro.
Quem me dera não lembrar da minha essência..

Da minha janela, lembro a cidade que me confortou, do silencio que vesti por não ter palavras que me contassem, do medo paralisante, esta sensação que me domina agora... Peguei numa vassoura e, a meio da minha sala, parecia ter cavado uma lavoura.... Estou cansada, rio por nada, choro, apregoo calma, tenho a minha alma revolta, tenho medo e sou incapaz de me encostar num colo e descansar. Ouço vozes em meu redor, um mar de carinho que me espanta.... 
Quem me dera poder mais de mim...

Estive longe, o meu coração parou quantas vezes precisou e, parece que o respeitei por isso, fui com ele e quando voltei, não sabia de mim. Estou aqui... 
E neste cantinho, aqui ao meu lado, há tanto de mim...



Volto à minha janela e, simultaneamente há uma maré que me transborda, sou forte, sou a soma do caminho que tracei até aqui. Se contar a minha história, rasgada da capa que me encandeia, falarei bem e mal de mim, falarei do que sei, do que sinto, de cada rosto presente, e  ausente, de cada amigo, falarei do medo extinto e mais outro, premente, da unica maré cheia que deixei vazar, falarei do mar, das pegadas que a minha mente não se esqueceu de guardar, se o fizer, falo de mim, dos contornos que me habitam, da antitese, da metafora, falarei mais alto que a minha mente. Sinto falta de falar de mim.


Vem vindo o fresco da noite, molho a cara e retenho no meu caderno... Sou forte, sou pequena, menina mal comportada que mal soube tomar conta de si.

23 fevereiro 2011

"Corpo, meu velho companheiro, nós pereceremos juntos.
Como não te amar, forma a quem me assemelho,
se é nos teus braços que abarco o universo."

Marguerite Yourcenar

E sem perecer por enquanto, esta forma que me embala, este corpo que eu anseio
é permeio, é abraço, é mais que o mundo que vejo

Milhita

21 fevereiro 2011

Insanidade


Estou neste quarto , num hospital que não reconheço, reina um silencio em mim que ecoa mais alto que um burburinho distante e maldizente de duas batas brancas sentadas à minha frente. Danço num rodopiar vazio na minha mente.
Estou aqui, onde as horas se misturam, e eu tento dar-lhes forma. Disseram-me  algures , não sei se agora, que o meu coração parou. Como? se nunca deixei de o sentir? Parou de cansaço. Parou para me dizer que também ele me sente, e eu, não senti nada, não vi luzes, não levitei sobre mim, dizem que durante dias fui o que o meu inconsciente ditou. 
Ouvi , parece que gritei com toda a gente, parece que deixei livre um  lado de mim que sempre me fez tanta falta, desta capa que detesto do medo do meu reflexo.

Enquanto escrevo, olho para o lado onde a D. Elvira explica que tem que se despachar para ir ao mercado e apanhar o autocarro, a uma enfermeira que amavelmente respeita este lado inconsciente que grita, como eu. como eu... Parece que a D Elvira tem um filho mas já não se lembra, apenas porque nos passos marcados da sua memoria, ele não existe. 

Volto a mim, preciso de falar, como não sei ainda desta forma, pedi um pedaço de papel e começo a escrever, sinto-me cheia de um vazio de palavras, de respostas, de perguntas, de falta das noites iluminadas de pensamentos desgarrados e palavras ao acaso numa madrugada qualquer. Não, não era uma qualquer, era escolhida pelo contornos do luar, pelos rasgos de fogo, pelo mero acaso de precisar de respirar, os sons, os cheiros.... Meu Deus, como guardo os cheiros, nesta livre insanidade de me expressar, as pedras salgadas, aquele farol abraçado apenas porque as mãos sempre foram mais verdadeiras que eu.
Sou livre agora, o meu coração parou e as faces estranhas condescendem porque mais uma vez, nego os quadros negros de mim. Sou livre porque estou aqui e não sei sequer de mim.
Sou livre da historia que o mar insistiu em não levar, esculpida em cada rocha, sei que lá deixei a descoberta de mim. Lembro-me de um sol gravado em resposta aos pedaços que me arrancava por já não serem só meus.

Falo alto que o Sr Martinho tornou-se apenas na antítese do meu sonho, velho anedótico e patético, igual a esta demência tão sana que não deixo que tome conta de mim. E ouço-me baixinho que já não preciso desta mascara, porque a única vez que me quis dar-te, já havias tomado conta de mim.

Que saborosa esta insanidade tornada liberdade, num molhinho de dias, senti que perco tudo aquilo que preciso para viver, senti-me morrer sem o saber, senti as mãos daquela anestesista mostrar-me o meu ventre, e por fim, Meu Deus, este ser que me acolhe e transborda.
Que loucura tão sana que toma conta de mim, e eu luto como sempre, fora de tempo, com forças que desconheço, e venço e nem sei se mereço, mas estou tão cheia de mim...


Escrevi este texto algures esta semana.....



Qualquer caminho leva a toda a parte
Qualquer caminho
Em qualquer ponto seu em dois se parte
E um leva a onde indica a estrada
Outro é sozinho.
[...]
Fernando Pessoa 


Obrigada Marta!

07 fevereiro 2011

Nunca senti este descompasso tão forte, nunca me senti assim, tão em mim e simultaneamente indefesa, sem abrigo e acolhida por uma luz tão cheia. 
O meu coração bate depressa, as ideias sucedem-se sem razão, as horas, as horas, não é medo, é um anseio, não é palavra, é emoção, é um carinho ou abraço que outrora era tudo e agora já não chega, se estou cheia do que vivo neste instante que sendo tempo, tarda.
É Fevereiro, madrugada, os sons e as vozes acalentam na distancia, os que amo estão cá dentro e esta vida que  em mim, é um amanhecer sonhado, é tão mais que qualquer palavra e, eu fecho os olhos e o passado passa por mim, e o agora, o que tenho, é apenas uma passada, um compasso pequeno desta névoa iluminada.
Esqueci-me como se reza, esqueci-me de sonhar alto, mas creio como nunca, creio agora não sabendo, eu que sempre quis deter nas mãos o meu próprio caminho.
Nunca me senti assim, invadida de uma maré tão mais cheia que apenas de mim