18 novembro 2010

Ela saiu de mão dada com a madrugada que lhe fere a alma e acalma , que lhe dá vida e chama. Dormente nos passos leves que o corpo alcança, reticente da história que encerram. Tem medo fechado nos olhos, olhos que bebem cores e espanto, tem musica no rosto onde se esconde, tem a mesma fantasia que no tempo em que inventava as cores e cantava ao espelho, que a lua era conquista e as madrugadas horizontes.
Se ninguém a olha, ensaia sevilhanas nas passadas,  joga os braços onde a mente não alcança, grita baixinho cada sentido escondido nas palavras caiadas de branco. Se ninguém a ouve, escuta alerta o que ecoa lá dentro, decifra as marés nascentes e o anuncio de 40 anos vividos entre sonhos e ruas escolhidas, estradas desertas e escondidas, entre searas anunciadas em que habita tão mais que aquela porta.
Menina de olhos postos para lá desta estrada, ferida de uma vergonha disfarçada, perdida na procissão alucinada que passa, sem que que nada lhe ofereça, dormente entre um sorriso sentido e esta certeza que não a descreve. Encerra em si a mentira de uma herança sem rosto, fardas brancas, sentenças, recusa de vergar o sonho fonte de vida.
Esta terra disfarçada, desmembrada em caras fechadas, em contos gastos e sem história, abraços despidos de laços, almas irmanadas sem serem. Esta terra é o leito onde busca um ponto branco nos montes, nas horas conversadas consigo, de lágrimas e saudade, de um sorriso que a abraça, ainda, céu rasgado de fogo.
Esta terra prometida, distante das raizes que a erguem, planalto aprumado de imagem, onde as pegadas não ficam, e o olhar se fixa mais longe na serra e na nevoa branca descoberta. 
Esta terra marca asa sem treino nem credo.
Na curva da estrada, cheira a feno molhado, a terra laborada onde antes dançaram girassois concordantes, cumes onde brincava vestida de lua cheia, metade de si perdida na encruzilhada deste caminho. 
Caminha , que o sonho que guarda nos bolsos, é vida e madrugada, que as pegadas molhadas marcam cada sentido, que a distancia propositada de caras e palavras, é mais clara agora, no compromisso de ser ora manhã desperta.
Saiu no mesmo movimento que orquestra cada gesto mecânico, as chaves na entrada, organizadas, um ultimo olhar desnecessário no seu condado de cantos e fados, seu armário de artefactos guardiões de viagens mais que  sonhos, leito ensaiado de noites suadas e vazias de conteúdo, outras, cheias de si, pleno.
A rua, aplauso silencioso de movimentos ainda estranhos, quem dera poder ser-se no turbilhão estranho das caras saudadas e cumprimentos diários. A cidade não o habita, porém veste-o de gravata, todos os dias, lavado de sentidos transbordantes  que apelam, que chamam. As árvores já despidas, reflexo de um anseio que poucos olhos conheceram, o seu âmago, seu peito. As passadas consentidas, caminhadas perdidas de encontro a uma vida mais sua que esta rua, esta casa.
Já viveu muito, tanto que os corpos quentes perderam o encanto, as palavras dizem mais silenciosas e no entanto, os seus olhos buscam apenas a certeza de, para além das ruas e das serras, haver névoa branca, haver mistério, busca nos olhos o espelho de si mesmo, rasga o céu nas tardes amenas compondo poemas entrelaçados de espanto, crescimento. 
Diz de si, pedindo, reservas silenciosas. Dir-se-ia estranho no despropósito de ser assim, desmedido e cauteloso, incapaz de partilha sendo meio, cheio de encanto de mãos vazias. Quem o procure que busque nas serras e nos campos, nas aguas correntes e nascentes, que o veja no vento forte que lhe lava a face e nas marés, testemunhas de conversas consigo mesmo.
Não chega, sendo já tanto.
O café quente tem mais sabor assim, jogo continuo, sedento de descoberta, não interessam as conquistas efémeras, guerra aberta com um descontentamento que o alucina, queria tormenta num farol distante, queria paz num colo quente que não tem corpo nas noites necessárias por ser humano, desumana esta oferta sem conteúdo. 
Saiu  como todos os dias, cansado de ver mais que queria e menos que a sua alma roga, vestido de imagem e  metáforas, ornamentado de um mistério que o anima e lhe dá cor, mascara da vergonha e do medo de se saber grande na nudez que já não mostra. Saiu, cumprimentando a rua, vestiu-se a preceito para ser ele mesmo, sem hora nem destino.
A estrada é pensamento, a musica que toca baixinho pauta a vontade de ser caminho, nas margens do rio que percorre na memória, tantas histórias que estas margens contam quando a nascente se torna paixão e a foz alberga semente renovada de esperança de ser esta mais que uma. Será que um dia se lança sabendo que nenhuma margem o alcança? Será barco à deriva, por enquanto, revisto nesta bruma amena da estrada que percorre. Quem dera perder-se nesta terra de espuma, ser ave migrante, quem dera ser cheio da terra quente que o chama, fazer amor por inteiro, gritar baixinho do medo e ser ouvido, ser mais que gente, menos que poema, quem dera ser essa voz de dentro, apenas.
O ocaso assiste, respira fundo e pára, firma os passos na areia molhada, a prosa ganha contornos na sua mente, terá forma mais tarde, por ora ultrapassa o instante que o separa do horizonte. Detem-se na praia deserta por ser fria, aspira o vento cortante que lhe seca a cara e olha em volta. as chaves desarrumadas num bolso, não é mais um dia, são aquelas pegadas firmadas na areia, é o grito que clama e o esvazia das ruas e das caras, é o corpo das rochas moldadas, o silencio que lhe fala, o bailado de palavras na sua mente, é esta verdade.
Quem dera ser agora maré vazia por ser cheia para lá do que avista.

08 novembro 2010

Cem dias sem ti

Tenho momentos, todos os dias, horas inteiras que me acompanhas, como fazias, com os olhos mais doces que conheci, olhos falantes que entendia. Momentos que viajo por todos os sitios que calcorreamos, eu perdida nos meus sonhos, tu atento aos sentidos, horas cheias de um carinho que me esvazia agora. 
Onde estás tu meu amigo?
Tenho procurado tanto por ti e não te encontro, não há pensamento que te não tenha, em cada recanto do meu horizonte, e ele é tão pequeno para te ver.
Alucino nas histórias que me contam, não sei pensar assim, limito-me a escutar, a ver, sigo buscando, só isso. Grito tão alto baixinho, cada hora...
Onde estás tu meu amigo?

Será que percebem o teu tamanho?