21 fevereiro 2011

Insanidade


Estou neste quarto , num hospital que não reconheço, reina um silencio em mim que ecoa mais alto que um burburinho distante e maldizente de duas batas brancas sentadas à minha frente. Danço num rodopiar vazio na minha mente.
Estou aqui, onde as horas se misturam, e eu tento dar-lhes forma. Disseram-me  algures , não sei se agora, que o meu coração parou. Como? se nunca deixei de o sentir? Parou de cansaço. Parou para me dizer que também ele me sente, e eu, não senti nada, não vi luzes, não levitei sobre mim, dizem que durante dias fui o que o meu inconsciente ditou. 
Ouvi , parece que gritei com toda a gente, parece que deixei livre um  lado de mim que sempre me fez tanta falta, desta capa que detesto do medo do meu reflexo.

Enquanto escrevo, olho para o lado onde a D. Elvira explica que tem que se despachar para ir ao mercado e apanhar o autocarro, a uma enfermeira que amavelmente respeita este lado inconsciente que grita, como eu. como eu... Parece que a D Elvira tem um filho mas já não se lembra, apenas porque nos passos marcados da sua memoria, ele não existe. 

Volto a mim, preciso de falar, como não sei ainda desta forma, pedi um pedaço de papel e começo a escrever, sinto-me cheia de um vazio de palavras, de respostas, de perguntas, de falta das noites iluminadas de pensamentos desgarrados e palavras ao acaso numa madrugada qualquer. Não, não era uma qualquer, era escolhida pelo contornos do luar, pelos rasgos de fogo, pelo mero acaso de precisar de respirar, os sons, os cheiros.... Meu Deus, como guardo os cheiros, nesta livre insanidade de me expressar, as pedras salgadas, aquele farol abraçado apenas porque as mãos sempre foram mais verdadeiras que eu.
Sou livre agora, o meu coração parou e as faces estranhas condescendem porque mais uma vez, nego os quadros negros de mim. Sou livre porque estou aqui e não sei sequer de mim.
Sou livre da historia que o mar insistiu em não levar, esculpida em cada rocha, sei que lá deixei a descoberta de mim. Lembro-me de um sol gravado em resposta aos pedaços que me arrancava por já não serem só meus.

Falo alto que o Sr Martinho tornou-se apenas na antítese do meu sonho, velho anedótico e patético, igual a esta demência tão sana que não deixo que tome conta de mim. E ouço-me baixinho que já não preciso desta mascara, porque a única vez que me quis dar-te, já havias tomado conta de mim.

Que saborosa esta insanidade tornada liberdade, num molhinho de dias, senti que perco tudo aquilo que preciso para viver, senti-me morrer sem o saber, senti as mãos daquela anestesista mostrar-me o meu ventre, e por fim, Meu Deus, este ser que me acolhe e transborda.
Que loucura tão sana que toma conta de mim, e eu luto como sempre, fora de tempo, com forças que desconheço, e venço e nem sei se mereço, mas estou tão cheia de mim...


Escrevi este texto algures esta semana.....

2 comentários:

Inês disse...

e eu tenho-te de volta e até tenho medo de acreditar... fizeste-me descobrir tanta coisa que desconhecia em mim! Estás viva e eu também e isso chega!

marta marques disse...

Inês tiraste-me as palavras!
Também a mim me fizes-te descobrir tanta coisa...
que bom estares e seres Sandra ... que delicia!
é afinal no olhos de pessoas como tu que me vejo e existo. e das coisas que escreves, faço dialogos..não estou sozinha quando te leio...e isso já é tanto...é tudo.