20 outubro 2010

Saudades de um tempo que as minhas mãos falavam, de rochas  verdes beijando a água, de um farol na escarpa antes cinzenta, poejos. Saudades vivas, cara molhada, aquecida na memória, são horas que me não vejo. Quem me dera ser manhã de nevoeiro. 
Vejo a noite por entre as luzes, noite fria, escondida. Via-me nela nas ruelas escuras que percorria em busca de cegueira, vejo agora madrugada silenciosa, sem sombra nem lua, mais clara agora, e sob as estrelas sinto-me viva, dormente de sentir sem forma. Sempre fui convicta, e errante, escolha minha, dizia, saberia sempre esconder-me nas palavras certas e ditas, e se eu sabia, nada, nada.... 
Cada hora, cada livro que leio, o que bebo nas faces silenciosas, nas palavras que voam das bocas, regras toscas e surdas, ordem pérfida e desumana, leis impostas e anónimas, ignorância escondida em orgulho, rezas soltas, e o silencio destas horas, e a vergonha de ser errónea, ser humana? Cresço do todo que me ergueu, feito de migalhas de vida, bebo cada pedaço cru, sem molde, admiro a nobreza da desordem, a revolta que nos cala e molda. Anuncio-me a calma, desassossego.
Os principios são fins que não via, são morte que dá vida. Os fins são cais de pedra em maré vazia, muros de razão em ruina. São cansaço, são perdão. Disforme, revejo-me onde sorria. 

Quem me dera não ser um fado, escrito em linhas direitas, ser reflexo da minha alma, ser sorriso que chora e que cala, ser silencio e cara lavada. Ser um conto improvisado, gritado de rompante e baixinho, sem palavras, não pensado, ser sentido na memória. 
E agora,  a cada momento, sinto vida, movimento, e tenho medo, meia louca, ouço em mim mais que vejo. Tudo se forma disformando. os acasos fazem sentido. 




1 comentário:

Manuel Poppe disse...

Tão bonito o que escreve! Tanta sensibilidade... e a inteligência das coisas...

Manuel Poppe