26 outubro 2010

Imagem: Anne Julie Aubry

Menina de tez rosada, de arco-iris nos olhos e todos os sonhos do mundo..

...Que lhe escreva

Amor de minhas entranhas, morte viva, 
em vão espero tua palavra escrita 
e penso, com a flor que se murcha, 
que se vivo sem mim quero perder-te. 
O ar é imortal. A pedra inerte 
nem conhece a sombra nem a evita. 
Coração interior não necessita 
o mel gelado que a lua verte. 

Porém eu te sofri. Rasguei-me as veias, 
tigre e pomba, sobre tua cintura 
em duelo de mordiscos e açucenas. 
Enche, pois, de palavras minha loucura 
ou deixa-me viver em minha serena 
noite da alma para sempre escura.

Garcia Lorca

Riding Giants II

De coisas pequenas, aqueles gestos difusos que ordenam  mundo, fiz um esboço. Já não esperava por números ou palavras, ergui as mãos presas de medo e dei um passo desengonçado no meu rumo. 
A minha face caiada ganhou calor, cor misturada de imagens que escolhi ver.
Mão cheia de nada com que me ergui.
Já não esperava,  ensaiei as passadas e quis crer ser feliz. Um instante, uma brisa, um momento ao acaso que me mostrasse a desordem genuina com que se ergue o mundo. Procurei a força que roubava, li para alem das palavras, disse-me tudo, estive tão zangada comigo...  Cada nome que tinha, esfumado na ordem da vida que não conhecia, gargalhada de mim.  Mais zangada ainda, jorravam-me palavras, nascentes de raiva e perdição. Aprendi?
Aprendi que sei nada.
Que a vida em mim passa em direcção de um acaso em que via nascentes, que as palavras pensadas são poentes, que os sentidos exaltam essencia mais que a ordem das coisas que julgava em mim. São pedras jogadas na corrente, reservas de um sonho tão mais forte que eu.
Aprendi que sei nada e, de zangada, aprendi a sorrir.
Respirei fundo, tão fundo que fiquei cansada. Apartei-me de tudo, abraços e palavras, quis ver vida nos sitios que visitava de passagem, nas faces de estranhos que sorriam para mim, quis ler livros antigos e ficar triste no fim, porque os fins são principios que assustam. 
O gigante sem nome, apartou-se num cabo de boa esperança, que dobro com norte, sorrindo e escondendo o medo que tenho. 

Riding Giants

Esperava, contrariava um misto de medo e negação, esperava nem estar ali, esperava que nessas horas o tempo não me tivesse corroido por dentro, que a sedimentação fosse não mais que ilusão, como tantas em que me abstraia de tudo, sonhando. Nas paredes das salas, pintava viagens imaginarias, impossíveis na realidade da minha memória, escondia o medo em sorrisos que oferecia a quem não conheço. Lutava contra a certeza com a força da minha ilusão. Querendo, não queria saber.
Esperava, horas que foram dias e dias que nem vivi. 
Negociei a causa e a razão, zanguei-me com cada profecia e citação e esperava, esperei tanto, que se tornou suportavel, a sala irrespiravel de tão suada em conversas banais, encurraladas na verdade crua e desumana, mais doentes que a própria doença. 
Aprendi a ler sorrisos nas caras duras, de bata azul que passavam por mim, cegas e vazias, aprendi a ouvir musica nos sons metálicos de alguma sala sempre fechada. Devorei livros como quem bebe fonte de vida, escrevi paginas soltas de pensamentos esquecendo aquele canto fechado e guardado que nunca vi meu.
Quis ser pássaro solto, quis ser entendimento na necessidade preemente de me afastar do mundo, de tudo o que respira vida em mim, quis ganhar asas e sair dali, enquanto esperava momentos que não chegavam, de palavras que sendo, não pareciam para mim. 
Esperei tanto.
Aprendi-me.
De cada vez que ouvi falar de mim, em números e tempos, fortaleci-me, ganhei voz, digna de uma teimosia tão minha, quis saber mais que ouvia, quis verdadeiramente saber de mim. Como se aceita o que não se entende?
Chamei-te gigante. Falei contigo e distanciei-te de mim. Gritei contigo num grito surdo do mais fundo de mim, ouço-o ainda, de vez em quando, na força que tenho e não sabia, nos sitios que me mantiveram sã, na essência mais que esperança, na voz mais que palavra que ouvi.
Gigante sem forma, escarrapachado no silencio das pequenas coisas necessárias para tomar rédeas de ti. 

20 outubro 2010

Saudades de um tempo que as minhas mãos falavam, de rochas  verdes beijando a água, de um farol na escarpa antes cinzenta, poejos. Saudades vivas, cara molhada, aquecida na memória, são horas que me não vejo. Quem me dera ser manhã de nevoeiro. 
Vejo a noite por entre as luzes, noite fria, escondida. Via-me nela nas ruelas escuras que percorria em busca de cegueira, vejo agora madrugada silenciosa, sem sombra nem lua, mais clara agora, e sob as estrelas sinto-me viva, dormente de sentir sem forma. Sempre fui convicta, e errante, escolha minha, dizia, saberia sempre esconder-me nas palavras certas e ditas, e se eu sabia, nada, nada.... 
Cada hora, cada livro que leio, o que bebo nas faces silenciosas, nas palavras que voam das bocas, regras toscas e surdas, ordem pérfida e desumana, leis impostas e anónimas, ignorância escondida em orgulho, rezas soltas, e o silencio destas horas, e a vergonha de ser errónea, ser humana? Cresço do todo que me ergueu, feito de migalhas de vida, bebo cada pedaço cru, sem molde, admiro a nobreza da desordem, a revolta que nos cala e molda. Anuncio-me a calma, desassossego.
Os principios são fins que não via, são morte que dá vida. Os fins são cais de pedra em maré vazia, muros de razão em ruina. São cansaço, são perdão. Disforme, revejo-me onde sorria. 

Quem me dera não ser um fado, escrito em linhas direitas, ser reflexo da minha alma, ser sorriso que chora e que cala, ser silencio e cara lavada. Ser um conto improvisado, gritado de rompante e baixinho, sem palavras, não pensado, ser sentido na memória. 
E agora,  a cada momento, sinto vida, movimento, e tenho medo, meia louca, ouço em mim mais que vejo. Tudo se forma disformando. os acasos fazem sentido. 




19 outubro 2010

Inventei um cantinho ao sol do mundo, feito de prados imaginados, tem a voz que o tempo brota e as cores do nevoeiro que se esconde e brinca comigo, tem um ribeiro de agua fresca que corre solta, rasgando montes longinquos salpicados de papoilas e flores silvestres, cheira a madrugada quando me deito na erva de Outono. Cheira a luar quando desperto dos sonhos que crio, feitos de cores que só agora conheço e de gestos recolhidos na minha mão. 
Por detrás do monte mais alto, albergue do meu desejo, sei de um mar escondido que se anuncia, lembrando caminho que não encontro. E um molhinho nómada calcorreia, errante, sem pedido, o carreiro que o leva ao monte. E eu vejo, vejo mais que digo, nesta ordem que me ofereço, na distancia das horas e das palavras, vejo o que não lia, sinto na minha pele o anseio do tempo e, calmaria. 
É tão bonito este cantinho que habita cá dentro.

Esqueço as formas, sinto a textura, fecho os olhos e tento rever-me, por onde andei e o que vi. Deixei de mim sem que de mim me partisse, colhi semente que guardo num bolso, quis saber dos acasos e dos sentidos, quis ser mais que lua cheia, quis ser menos que imagem, quis agarrar com força cada lágrima que me descobria e cada sorriso de vergonha. Quis ser livre estando presa e prisioneira de mim mesma. Um dia olhei-me no reflexo da agua e castiguei-me por tão cega de essência e, neste prado verde sou agora, o silencio que de mim fala. 

Sou pequena, sabes? Sinto-me assim, meia. Mas mesmo no meu rosto molhado, sou mais sorriso que imagem, sou mais madrugada que uma noite colorida de luzes e palavras que não dizem nada. Envolta em mim sou livre, e esta vida renovada que se anuncia em cada hora, é um passo no meu caminho, é este prado verde que invento e me fala, é o mar revolto de calma, é espuma de cada onda que me inunda.  Tão longe, guardo o rebanho nómada, e caminho.

Cheira a pão cozido neste instante, olho em volta e lembro o forno de lenha caiado, uma amendoeira, e na minha mente misturo o som do vento, visto-me de nevoeiro e conto cada ponto colorido no horizonte, tenho fome, tenho sede, a minha forma crescente é nascente, e sonho.  Aceno a um velho resmungão que ainda se ouve antes da curva do monte, leva com ele os males de um mundo que mal conheço e pedi-lhe que levasse os meus, disse-me que não, que preciso deles e da herança de tempos idos, preciso da vergonha e do medo, da culpa, sou mais vera assim se um sorriso, de vez em quando, for sentido. E eu já senti tanto... E eu agradeço, só assim me ouço e me vejo. 

11 outubro 2010

Retornei ao sitio onde o Sol espreita e brinca no nevoeiro, bailam imagens na minha mente que se soltam sem que queira. Da distancia faço passadas já guardadas  na areia, olho o mar revolto que me parece ser paz, leio a rocha fragmentada pelo anseio de ser história sem fim. Sento-me e conto as ondas no mesmo sentido que a maré que me invade a memória. 
Sei da minha cara molhada que reflete a distancia tornada presença, cada instante em que a solidão se transforma numa dança cheia de tudo e de nada, deito-me na areia molhada e conto-nos acerca da força que o mar tem em mim, baixinho para que ouças o que quis dizer, sem palavras presas nos olhos. Falo em silencio, deste momento em que me apetece chorar sem razão, do conflito onde busco a paz e desta nevoa clara que aqui me traz. 
Ouves? 

Procuro um ponto branco no horizonte, cada vez mais longe, onde a distancia nos apartou, num abraço de crença, ainda, num som, numa esperança que buscando, tudo no nosso universo desfaça o caos, em formas sentidas de sentir. Enquanto decifro os contornos, leio em mim, as formas risonhas que mil horas não separam.

Não há um dia que não me lembre, na tela que pintava sem mão, no sonho que não ergui, que vivi sem que os gestos o apaguem.

Procuro olhando, buscando, o sentido de mim.