06 maio 2009

Engolir em seco

Tenho um sonho antigo que me acompanha, uma vontade de saber mais, de colocar conceitos em raciocinios convictos, tenho vontade de entender porque ainda hoje não me situo e a desilusão está de mãos dadas comigo, tenho esperança de um dia me saber apenas rir.
Por enquanto, vou-me limitando a sorrir.
Não suporto este descrédito ordenado que me vai afogando, estas conversas de café que se seguem ao debate do ultimo jogo de futebol e que, em tom de despedida, me parecem apenas suspiros orquestrados de submissão, ninguém diz nada afinal!
Enquanto uns desfalecem nas filas do centro de emprego e outros recebem a parte que lhes pagamos para olharem para as paredes das repartições publicas ou baterem de vez em quando com um dedo na maquina de escrever (ainda existem por ai), outros tentam conseguir uma autorização de exploração que demora anos.
Enquanto ouço o sr. Primeiro Ministro falar do Pais das Maravilhas que não é o meu, e cada vez que abre a boca é para me dizer que sou estupida, eu lanço-me na aventura de me dirigir às Finanças de Santarém com uma dúvida. Simples e concreta, apenas uma pergunta. Como se faz para conseguir isto?
O primeiro impacto é engolir em seco, porque às 9:30 da manhã, o papelinho que sai daquela coisa vermelha, mostra-me que tenho 50 pessoas à minha frente. Deve dar para ir fumar um cigarro, sentada nas escadas em frente e sorrir um bocadinho. Nestes compassos aprendo muito acerca das gentes, dos casais que aparentam ser felizes no seu carro a prestações, nos caes que ainda nao aprenderam as regras civicas e dos milagres da multiplicação de pessoas cada vez mais iguais. Penso sempre que já devia ter arranjado as unhas convenientemente, pelo menos uma vez na vida e que a minha cara devia estar barrada daqueles cremes e cores que nunca percebi.
Volto para dentro e, as caras continuam as mesmas, a diferença é que entretanto chegaram uns tantos frequentadores assiduos que, entre beijinhos e piropos já estão atendidos. Os outros sacaram das TV Guias e o ar de resignação respira-se.
Devo entorpecer os sentidos porque já só me lembro de respirar no número antes do meu, de ouvir uns gritos para um velhote que quer entregar um terreno ao filho e não pode e outro que tem uma camioneta para apanhar e afinal não era ali que devia ter ido. Pormenores... Uma pastilha elastica com dentes pronuncia o meu numero.
Entro na Twilight Zone, enquanto ainda disposta explico, tres vezes a minha questão, clara e concreta. Não perco uma derradeira opurtunidade de dar a entender que mereço respeito e digo que sou engenheira. A pastilha elastica torna-se mais perfumada mas, ainda assim, saio com as mesmas duvidas, com a sensação que vou ter que ir vender o meu peixe para outra repartição, e não resolvo nada. Levei uns coices por cima e, na descida das mesmas escadas onde larguei a ultima beata, lembro-me da amiga das finanças de Almeirim.
Telefono, beijinhos, a mesma questão, está resolvido. Imagino a mesma fila de gente e outros tantos a fumar ca fora, do outro lado do Tejo. Que se lixem, tenho uma amiga... E nem sou engenheira!
Não perco a deixa e vou ao café ao lado dizer mal da crise e do estado a que chegamos.
Por enquanto ainda vou sorrindo!

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