27 março 2009

Igualdade

Quando chego, tenho a cara quente do vento seco, misturada com o pó que já desisti de evitar com o fechar e abrir de vidros, de cada vez que a passagem de mais um, me inunda o carro numa nuvem acastanhada que vem sempre para ficar. Os ares condicionados não me deixam respirar.
Já adivinhei os 10 graus acrescidos na aproximação daquele buraco minstruoso que quaisquer idiotas julgam existir só para chatear o verde da paisagem. O reflexo do sol nos blocos de mármore quase endandeia, o som dos engenhos retira-me qualquer remota possibilidade de usar a buzina do meu carro para me anunciar. Para isso, conto sempre com a nuvem de pó que se eleva atrás de mim e, esqueço-me sempre que, ao travar sou ultrapassada e inundada por mais 2 metros cubicos de tosse.
Sacudo-me só para me convencer que talvez ainda mantenha o ar limpo e arranjado com que sai de casa.
Agradeço a visão do salão cheio de trabalhadores em frente às suas marmitas sobre uma placa tosca de granito, enquanto enxotam os cães filhos do misterio da multiplicação das espécies que nunca entendi.
Tenho fome e não me devia ter lembrado que o ensopado de borrego em Borba costuma acabar por volta desta hora, tenho que me despachar.
Já me habituei à vergonha disfarçada naqueles passos que distam a entrada no salão com tres dezenas de olhos cerrados e carentes em cima de mim. Componho o disfarce e avanço.
- Boa tarde. O encarregado está?
- Tardeee... Nã está.
- (silêncio)... Tenho aqui pólvora para descarregar.
- Ehhh paaa! Mas tamos na hora do almoço. Tem que esperar um bocadinho.
Rapidamente percebo que a próxima frase é determinante para a minha imagem e estatuto.
- Olhe amigo. Deixe estar, eu descarrego tudo sozinha .- digo isto enquanto faço festas no cãozinho que nunca viu agua no pelo e esqueço a vontade de lhe arrancar uma carraça enorme na orelha.
Viro costas ofendida e, apelando ao que resta da minha imagem feminina, orgulhosamente, abro a mala da carrinha e agarro na primeira caixa de 20 kgs. Colocar os dedos por baixo é a parte mais dificil.
Nestas alturas, seria mais facil saltar lá para dentro mas já desisti desde o tempo em que me apercebi de outros pares de olhos contentes e gratos pela minha visão desconcertante e debruçada. Nem pensar nisso.
Uns tossem e outros calam.
Quando já só faltam 3 caixas e já fervo mais que o calor, aproxima-se o ucraniano a palitar os dentes.
- Isto é para descarregar?
- Não.... Tou aqui a brincar!
- Deixe estar que eu ajudo...
Para meu espanto, agarra nas caixitas de rastilho, parecidas com embalagens para bolos de 300 gs. e esboça um sorriso cumplice para mim.
- Isto hoje tá calor! Mas dizem que no fim de semana vai chover.
Engulo em seco enquanto tropeço numa pedra e destruo a postura por completo.
Mais morta que viva e com o sabor do ensopado na boca e a vontade de desatar à chapada aquela gente, retorno ao manjar de almoço.
- Obrigada e boa tarde. O vosso patrão está a minha espera.
Um remoinho de vozes quebram a calma do repasto.
- A senhora desculpe mas é a hora de almoço!
- Não faz mal. Eu preciso de levantar pesos. Até vou agradecer ao vosso patrão porque assim não tenho que ir para ginásios.
Voltei a sacudir a poeira e o ar pesado no fresco do salão. Limpei o suor da testa certa de ter ficado castanha.
Raios partam os alentejanos

2 comentários:

Inês disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
alma voante disse...

"esta gente cansa-me a beleza"

:-)