25 março 2009

O Senhor António


Ontem, mais que as meras palavras, ditas ao sol, no meio da poeira branca por onde gosto de acelerar até deixar de me ver, aquele senhor perguntou-me se me podia dar um abraço.
Vi-o aproximar-se com um sorriso na cara, com aqueles dentes brancos e a cara rude de quem se mascara de frio para esconder a vergonha de sentir. Há muito que nos rimos por nada. Há muito que no meio do barulho das máquinas pesadas e de outros homens ainda mais mascarados, ficamos ali como amigos, arriscando falar de nós, da mistura de explosivos com viagens e conquistas, de desencontros de irmãos, do sr Aleixo que insiste em gritar alto a vontade de rir.
Cumprimentamo-nos sempre com um caloroso aperto de mão. Gosto deste gesto. Simples, condensado, polido. Gosto de não me importar com a lama e o óleo que o compõem.
Mas ontem não.
- Posso dar-lhe um abraço? Você é uma amiga que eu tenho!
Rapidamente passei de senhora a menina. Ainda mais depressa encontrei as minhas origens naquelas nuvens brancas e barulho ritmado. Pouco tempo depois, chamamo-nos pelo nome próprio.
Dei-lhe um abraço ainda mais polido e simples que o aperto de mão, mas cheio de significado.
Enquanto falavamos da vida, percebi o significado. Tinha-me preocupado com ele, senhor de um imperio de bulldozers e pedreiras, de voz grossa e sabedora, confuso e agradecido pela mensagem de amiga .
Não há anjos nem monstros, não se grita alto ou só se cala, não há aqui lugar a estatutos nem sequer se fala de tudo. Neste alto de serra, sinto-me em casa, no meio destes homens que outrora me olhavam de soslaio, agora arrisco ser eu, e fazer parte dos sons que me lembram a minha infancia.
Ficamos ali, com a cara seca e o pó a entrar-nos pela boca, sentados em cima de um bloco de calcario bruto e quente do sol, a falar, a rir , enquanto tudo seguia, o mundo girava, ouviam-se vozes a gritar alto para todos ouvirem, a senhora ucraniana de olhos verdes que antes fazia café deslavado, agora torcia barrenas e cabos de aço. O Edgar, continuava a arranjar desculpas pouco validas para ir varias vezes ao escritorio dar um beijinho à mulher. O sr Francisco passou por mim no seu majestoso jipe acabado de comprar com um sorriso renovado e orgulhoso da sua nova aquisição, ao lado levava mais um daqueles empresarios chineses que parecem sempre iguais : - "This is the woman of the explosives" , e voltou a sorrir ainda mais.
Sacudimos o pó mais facil, bebemos um café feito por nós, despedimo-nos com aperto de mão de amigos.
Arranquei devagar para não levantar tanto pó. Levei comigo algo ainda maior, estes momentos pequenos e tão cheios da vida que gosto, da dureza das mãos ao carinho dos gestos e ao significado das palavras suadas.
Na descida da estrada, lembrei-me do sr Arlindo, de boné tombado sobre a testa queimada, do sorriso lindo de quem já viveu tanto, das histórias em que me perco, das palavras meigas que me reconfortam e me lembram o meu avô. Virei à esquerda e só parei no jardim em frente ao alambique . Num minuto estava sentada em familia, no meio dos capacetes e luvas empoeiradas, misturadas com o cheiro a peixe grelhado, do olhar doce da mulher que entende melhor que eu a expressão de assim ter de ser.
Nesta tarde percebi a força de viver, destes momentos, deste lugar.

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