30 março 2009

Quando eu andava na escola

Quando eu andava na escola... O meu despertar era feito antes de acordar. As minhas mãos não tinham lugar. O meu olhar fazia-se do horizonte da terra e do mar, do homem feito sonho e da mulher doce que me ajeitava nos seus braços e me embalava ao som das ondas desse navegar.
Odiava o rabo de cavalo, detestava a bata no colégio e as sestas obrigatórias a seguir ao almoço. Mas aquela menina tão grande que me espreitava no fundo do corredor, a seguir ao arroz de tomate que nunca esqueci, o sr Tomé que tinha um boné e nos mandava calar no tom seco da proibição de sermos gaivotas e voarmos, os sons frios da sala do piano, azul, o ballet e o tule, a mademoiselle e a directora; passaram na minha vida a toque de caixa que abro agora como se fosse um diario de hoje.
Eramos tão pequenas e, enquanto embrulhavamos um feijão em algodão molhado, eu lembrava as searas e os touros e o baloiço que meu avô pendurara numa azinheira junto à eira. Chorava a falta do sol e dos bolinhos de lama no pátio em frente à casa de onde minha avó gritava por tudo e por nada. As bolinhas de massa que roubava nos dias de fazer pão, a amoreira verde e os dias de festa em que ao longe avistava um carro, duas cabeças ao vento, o mar e a terra e um abraço apertado elevado tão alto, perante a harmonia de um tempo que ficou.
Quando eu andava na escola, tinha uma cestinha de verga, dois olhos assustados no contraste apertado entre a cidade e o campo. Era hoje campesina e agora burguesa.
Antes mesmo de saber, meu pai deixava-me todos os dias uns papeis importantes que me ocupavam o sol do meu dia, desenhos, palavras que, se ainda estivesse acordava, segurava nas mãos orgulhosa para lhe mostrar.
Um dia, minha mãe contou-me acerca da nova escola. Deu-me outro abraço apertado enquanto soluçava a vontade de não me deixar sofrer. Tinha uma malinha vermelha que já segurava nas costas e, a dois passos de casa, aprendi a crescer. Conheci a ansia de saber, viajava num mapa mundi por cima da ardósia negra e riscada, decorei a tabuada, e entre reguadas e olhares carinhosos e assustadores, percebi o meu espaço no mundo.
Quando eu andava na escola, a minha vida era ensinada.
Hoje ouvi acerca de decisões. Não consegui encaixar na minha vivência de menina.
Quando eu andava na escola era tão feliz sem sequer o saber. Simplesmente por nada ter de decidir...

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