12 março 2010



Quando eu morrer, 
não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos 
quando eram outras horas nos relógios do mundo 
e não havia ainda quem soubesse de nós; 

e leva-o depois para junto do mar, 
onde possa ser apenas mais um poema – 
como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros 
e eu tinha medo de me deitar só com a tua sombra. 

Deixa que nos meus braços pousem então as aves 
(que , como eu, trazem entre as penas 
a saudade de um verão carregado de paixões). 
E planta à minha volta uma fiada de rosas 
brancas 
que chamem pelas abelhas, 
e um cordão de árvores que perfurem a noite – 
porque a morte deve ser clara
como o sal na baínha das ondas, 
e a cegueira sempre me assustou 
( e eu já ceguei de amor, mas não contes a ninguém que foi por ti). 


Quando eu morrer, 
deixa-me a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, 
nem toques com os teus lábios a minha boca fria. 
E promete-me que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenoscomo pequenos foram sempre os meus ódios; 
e que depois os lanças na solidão de um arquipélago 
e partes sem olhar para trás nenhuma vez: 
se alguém os vir de longe brilhando na poeira, 
cuidará que são flores que o vento despiu, 
estrelas que se escaparam das trevas, 
pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.

Maria do Rosario Pedreira
O Canto do Vento nos Ciprestes

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