10 março 2010

Quem dera ser maestrina num salão iluminado, sem gente. A multidão das cadeiras vazias, a nobreza do silencio, a imposição de uma orquestra imaginada, a imagem do meu tempo, agora.
Lá fora, cruzam-se amalgamas de caminhos, palavras  e sons que não me cabem. Quero-me aqui, comigo, tocar a batuta três vezes, na madeira, respirar fundo e fixar o meu olhar, em cada ponto do palco, em cada ensaio cuja lição, é urgente aprender.
Caí tantas vezes para aqui chegar, fui tantas caras quantas as manhãs naufragadas em que me sonhei situar, fui embalada de um sonho que nunca teve lugar, fechei portas às asas que ainda chamam por mim. O meu silencio gritante foi tão claro como esta manhã anunciada, como um beijo vazio e tão cheio de mim. Fui "reolhada", vista? Não sei. Não sei.
Silencio. Conheço a musica que ensaiei, uma orquestra de sentidos, uma ode aos elementos mais nobres que guardo cá dentro, uma mistura de fado e alegoria, o quadro mais claro que me esboça. Tem uma prosa tocada de cada passo saido do meu pensamento, tão distante de mim, tão envolto do receio de um mundo onde caminho e não me vejo.
Silencio. A voz cala-me, o meu corpo tem uma voz que fala mais alto que qualquer palavra. E a musica? A musica, ouve-se ao longe, sem se fazer anunciar, é o som de uma praia, de um chão de poejos, de uma seara crescente, de uma serra, de um fogo de cara, é um bailado expontaneo que me liberta da cegueira empoeirada desta estrada.
A musica sou eu que me chamo. Os acordes são os pedaços que preferi deixar onde me pertenço.
Nesta sala fechada, ouço-me. 
Sou tão mais clara que as palavras que me disfarçam, sou mais veloz que os passos que me prendem, mais capaz que a incapacidade dos movimentos, sou mais doente que a minha voz, mais sã que a distancia, sou saudade, sou a insanidade de um querer tão grande, tão grande e de uma quebra de tom, por ainda crer nos demonios que me acompanham e brincam comigo.
Silencio. Esta sala é a fronteira entre as palavras que me falam e a alma que me tem.

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