21 março 2010

A temper trap

O calor que a terra liberta, este cheiro, a viagem de regresso, de vidros abertos, aceito a oferta da mescla de sons nocturnos e deste quente que me inunda a cara. Estou carente de tanto, mente desperta, olho ao longe o castelo e invento histórias e tramas ali passadas. Há um instante, de vez em quando, em que tudo se confunde e se torna tão claro, na percepção de um erro tremendo, de me ter deixado algures, longe, e desta voz de dentro que me diz conhecer o caminho certeiro à encruzilhada futura onde, me espero.
Grata, sempre desassossegada, na necessidade de me ouvir, de não me calar, horas que passo, conversas comigo, interminaveis e caminhos bravios de descoberta de tudo, de nada, de saber e desentender, o tempo, o espaço, este cheiro, o passado futuro...
Como sempre, a minha vontade desvia-me da estrada direita, percorro de madrugada o rio que passa, que corre com pressa de naufragar, de se fundir como as histórias do mundo. 
Liberdade, escrevi esta palavra num texto, há pouco. Escrevi acerca de liberdade de conhecimento, mais que de expressão, ser livre de errar, pensar, temer, pedir, receber, saber, não saber, ser presa do erro de me ferir na inexpressão. Sinto-me presa aos laços apertados, cravados da desigualdade, da terra que piso e me trava, pergunto-me sem resposta, sou livre do medo escancarado na minha cara, escondido entre expressões confiantes, medo.
À minha frente, forma-se um contorno na estrada escura, uma carroça de ciganos movimenta-se, deixa-me imaginar o destino, o ser desviante... Meu Deus, como sempre admirei esta gente, gritados de um ser que nos afronta, nas normas patéticas que me sujam ainda. Não as quero, nunca as quis, quis viajar primeiro dentro de mim e partir, ser capaz, ser-me inteira, não aqui, no fim desta estrada, numa encruzilhada onde a minha alma espera e me acena.
Ainda me quedo por vezes, em palavras intencionadas, hoje não, hoje fui bebendo este silencio, esta imagem que é a minha face inundada de tantas estradas, e da pressa que passa, sabedora, liberta.

As minhas mãos vazias, apertam-se, preciso de ir ver o mar, quero sentar-me encostada a uma rocha listada, saborear esta chuva solarenta, perder-me em mim, escrever, estudar e acabar o negro de Yourcenar. 

4 comentários:

Moi disse...

Nada melhor do que viajas dentro de nós quando nos encontramos numa encruzilhada!...

Manuel disse...

Neste entardecer, de tarde primaveril, ler os seus pensamentos é como viajar num mundo imaginário.

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Minha querida
Muito belo o teu texto, transporta-nos para longe...lindo.

Beijinhos
Sonhadora

Siouxie disse...

Ler todos estes sentidos é sentir-me também, é viajar dentro de mim como se nada mais houvesse para além destas palavras que deliciam qualquer ser que vive em cada um nos seus sentires.