28 dezembro 2009

Escrevo sentada num campo verde qualquer, num tempo qualquer que é agora, escrevo da minha forma, deixo os dedos seguirem contentes ou tristes, deixo a minha cara quente de um rol de imagens e pensamentos, deixo-me em pedaços de terra que remexo, enquanto o meu amigo de sempre me chega de vez em quando e retorna.
Sopra um vento forte nas árvores em frente. Há um som distante, cinzento, o cheiro forte da terra que promete e encanta quem pára.
Escrever faz-me tão bem, neste dia de silencio, que me revejo num ano quase findo, sem metáforas nem prosas, lembro os meses que passaram, lembro um sol desconexo, uma praia ventosa, lembro a minha obra e a minha ruína, lembro as pedras com que me faço, lembro os erros, os traços do meu querer sem manejo, aprender o vazio das minhas mãos, reconhecer cada inicio e apoderar-me do fim que nunca ordenei, por fraqueza ou embaraço, lembro as palavras que me não dizem e o aceno não esboço.
Lembro o fim, e o meu despertar, o afago de um sentido que me atormenta há demasiado tempo, uma guerra sem paz, que me nego sabendo-me capaz, mais que qualquer analise ou razão, lembro as rajadas de ensinamento, como se as portadas da vida se me abrissem de par em par. Ofuscada, desgarrada, numa encruzilhada de olhares e demencias, numa busca incessante de sentido. Lembro a loucura da minha instancia, perdida em palavras iluminadas e afinal multiplicadas, lembro a estrada, a madrugada que me clareou e cegou.
Fiz-me menina de repente, fiz-me gente sem estrada, vi estrelas que me visitavam, descobri unidade e guerreei-me sem razão. Joguei cada pedaço da minha construção, brinquei com astros e verdades, chorei este ano mais que me lembro, perdi-me do tempo, pedi mãos, pedi abraços, dei nada, atolada na minha criação.
Neste campo, choro, por me não conhecer agora, pela vergonha de me entender, semelhante a outro tempo de escuridão. Lembro a mágoa e a dor que não quis causar por não ser capaz, lembro a doença que me assola e o medo agora de a enfrentar, lembro as amarras apertadas que soltei à dentada, calada, sem ninguém ver. Lembro os silêncios, os momentos, as viagens que fiz rindo alto ou chorando de louca, convencida que nada em mim se mostra.
Lembro a dormência induzida em mim pela convicção de se tornar apenas crónica, como se nada mais fosse, nada mais me fizesse, rotina de vida que me não cabe, a vontade que tenho de gritar alto. Se eu pudesse pedir um desejo, seria apenas o alivio de me esvaziar gritando, limpar esta mão pesada, esta alma criada sem expressão.
Foi forte o meu ano, feito de inicios e de fins, feito de rédeas soltas e sentidos desfeitos de normas e padrões, feito do mais fundo de mim, de um reflexo num espelho que nunca antes soubera ver, fez-me pequena este ano, no medo e na vergonha de não me entender. Desta mente desperta que não se cala, que não me deixa simplesmente ser.
As palavras nada valem, valem tudo neste instante, ou noutro qualquer como agora, em que nada é nada, silencio é só silencio e maldade nos envenena. Sou cabra cega e presa na minha mão.
Amanhã, bem cedinho, antes do dia despontar, estarei na estrada, no caminho que me dita e não me faz, que o meu norte e o meu rumo, não o vejo, não sei se mora, se me vê.
O que essencial, transforma-se em mim, neste ano em que me vejo, perdida e encontrada, iluminada e unica na diferença de me encontrar, de errar, de sobrar no que me falta. Agora aqui, já não reparto a encruzilhada, já não vislumbro nada, aceno a meu jeito, cumprimento o cenário que me engendra, a cama em que me deito.
Agora aqui, neste instante, arrogo-me a façanha de me olhar , de me rever, sou capaz, sou forte, sou grande ou sou apenas mais uma madrugada por terminar?

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