15 junho 2010

Assim

Tinha um bilhete pequeno, preso com íman na porta do frigorífico, antigo, cheio de cores e letras desenhadas com o jeito que só uma criança teria. O íman perdeu força e o bilhete caiu, e nesse instante, as minhas mãos leram o sentido mais que as palavras : " Não te esqueças de gostar de mim", dizia..
Esquecida na algazarra urgente, distante da calmaria que aclara o brilho nos olhos, da procissão temente de julgamentos e condões que separa o vibrar do compasso de cada coração, dos batentes crueis de cada porta que se fecha em ar de ignorância e cegueira de alvorada sem partida nem chegada. Lembrada das madrugadas em que só a soma de cada parte em mim ecoava, lembrada da pressa de me sentir por dentro e dos meus passos tropegos em busca de mero afago de alma, perdida numa estrada iluminada, despida de todas as historias que em mim embarcaram, fugida na pressa de chegar a nenhum lado, na obra de me deixar onde nem me conheço.... Embarquei num momento que encantada, me ouço. As migalhas que fui deixando, sem o medo de as não ver mais, as pegadas que cada maré levou, guardando na minha memoria mais forte ainda, as vozes que de mim sairam, soando mais fortes na minha garganta a cada soar do tempo, são agora a orquestra que ouço bramindo, são os gestos mais simples que a mente não é capaz de ofuscar. 
Lembro-me agora das questões mundanas de deve e haver, de ser e não ser, poder, fazer, como se a construção se erguesse nas vozes mais altas, nas escotilhas abertas de costas para o mar. Lembro-me agora de cada gesto que não se anuncia ou se ve chegar, lembro-me da urgencia nas palavras.
Não me posso esquecer de gostar de mim, nunca nunca, assim... Se em mim, guardo tanto de sorriso como de lagrima.
I

2 comentários:

Miguel disse...

"Não te esqueças de gostar de mim". Uma simples frase pode ter as mais variadas interpretações e, no entanto, tem uma força que não deixa ninguém indiferente, como se vivessemos numa época em que, afogados num denso turbilhão de egocêntrismo, da lufa-lufa do stress e da globalização que tende a passar por cima das nossas características individuais tivessemos de mendigar o amor, porque, na verdade, podemos viver a leste de quase tudo, despojados de bens materiais, de ideologias, mas sem amigos não somos nada.

Moi disse...

Amiga,

Os teus textos sempre profundos, e de uma pequena frase se agigantou uma panóplia de emoções...
"Não me posso esquecer de gostar de mim..." real , sincero e verdadeiro, não podemos acima de tudo nunca deixar de gostar de nós próprios, porque só assim, podemos gostar também dos outros, como a nós mesmos.

Um beijito
Angel