17 junho 2010

Verdade distante, invisivel

As viagens feitas comigo, companheira, traiçoeira tantas vezes do que transparece em mim, solitárias e acompanhadas de uma fantasia que não saberia descrever, distancias exequiveis ao preço de um cansaço, só sentido à chegada, é um tempo de embaraço nos laços que me libertam, nos quilómetros que me situam onde sei que me vejo.
Corro acompanhada de um perigo com que cresci, da ignorância e arrogância de mentes que, sem saber, julgam, de um abraço caloroso dos homens de mãos calejadas e tez queimada de jornas e suor, homens que me acalmam o medo e relembram que sou rija, que sou capaz e que a coragem se faz mais do que se diz. Outrora, não acreditaria no alento que isso me dá, no património que construí sem voz, nos entardeceres, no cimo onde o tempo espera, porque há respeito no erro, há coragem no medo, há força de um sentir que so ali entendo.
Corro de músculos contraídos, agarrada a um volante que manda mais que eu, e vou pensando, cantando, vou ensaiando comigo o que diria se houvesse voz onde me encontro.
Sinto no meu corpo, a cada dia que passa, o meu lugar desconexo, a minha praça repleta de gente sem cara, as varandas dançantes de rendas, as flores de papel nas ruas caiadas, as calçadas marcadas de passadas iguais às minhas, conversas que ninguém ousa ter, que falar de dentro é rasgar-nos da razão que os deuses oferecem, entendo as velas rasgadas, entendo a cara lavada em lagrimas com o farol urgente no horizonte, entendo a demência que encerra coerência de sentir, sem mais nada, entendo o bater de asas, reticente e atrasado do ensaio, entendo o nada que me rodeia.
Entendo as pinceladas cinzentas com que a minha imagem se desvanece aos poucos, vejo por detrás, a verdade muda que só eu via, entendo o desembargo fugidio e os passos despidos de imagem que o violino perpetuou. Tenho em mim, o silencio das lágrimas, tenho em mim a madrugada que não me deixa cegar, tenho em mim um mar azul que testemunhou mais que palavras. Tenho em mim, todas as histórias que falam de mim como ninguém falou e as musicas que cada abraço tornou mais límpidas e, se por um instante, um segundo, alguém tivesse olhado mais fundo que os meus olhos, saberia o sentimento, muito mais que o desencanto.
Passado este tempo, sofri, sofri como não julgava poder ainda, sofri por mim e por tudo, sofri e marquei no meu corpo o desalento do silencio que antes me trouxera tanta paz. Entendi o caminho que percorri até me ferir tanto, entendi o medo e a solidão, a minha cara numa multidão mascarada, pintalgada e oferecida sem preço, e eu não me reconheço assim. Entendi poder ser como não, que não há uma mão capaz de me tocar cá dentro e sentir, entendi a promiscuidade e o alento de um pedido maior que eu, e o violino toca ainda na minha alma, despido para sempre do som distante e invisível que em mim habita a cada instante.
Passado este tempo, alem de lágrimas tenho mais que isso, tenho as mãos cansadas de uma guerra solitária, de uma pedra batida por cada maré revolta, de consciência e razão, de medo e vontade, de fé e descrédito, de sentimento e alucinação. Passado este tempo, tenho na memoria uma vela içada ao vento, mais que desencanto e riso, tenho um livro sem capitulo que o descreva mais que o sinto.
Entendo o cinzento, reduzido a um conto. Parece não falar de mim, mas é assim escrito, e logo, quando o dia findar e eu me sentar numa pedra qualquer, num entardecer alentejano que nunca me deixará de encantar, talvez me saiba dizer afinal, o que me doi e o que me existe.

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