19 junho 2010

Marguerite

"A felicidade é uma obra-prima: 
o menor erro falseia-a, 
a menor hesitação altera-a, 
a menor falta de delicadeza desfeia-a, 
a menor palermice embrutece-a"

Marguerite Yourcenar "Memórias de Adriano"

Desde nova, desde que os livros se tornaram vivos mal os abria, desde que escolhi entre eles, amigos, que me acompanham, que descobri nas palavras, nascentes de imagens que sonhava saber manejar, que a admiro, como uma estrela que me ilumina o caminho, fonte de agua fresca onde me encontro, a cada momento em que a minha alma me pede, caminho.

O primeiro livro que li, numa viagem de comboio, fez da distancia mais viagem ainda, "Contos Orientais", eram migalhas lendárias, historias pequenas de um mundo que imaginava, sublime como só nos seus olhos, vivi a caminhada buscando mestria, bebi o leite dos seios empredrados, ergui sonhos feitos de homens cujos olhos me veriam, e de mãos quentes nas minhas, abrindo-me a mente de uma vida que não encontrava nas escarpas cinzentas das ruas, nas palavras ditadas, iguais, dos casais que se amavam, sem que esse amor me tremesse a alma, sem que a claridade da calçada fosse assim adivinhavel. Queria mais... Não era um tuareg secreto e esbelto, montado num cavalo árabe cinzento, que me salvasse de mim mesma, era mais que isso, era uma voz de dentro que me brilhava nos olhos de busca, era um silencio mais profundo de entendimento, era um despertar num segundo, com a vontade una de não ficar, era uma historia que escrevia antes de saber não existirem palavras que a descrevessem. Por isso, adormecia no desejo.
Fui maga de erros e hesitações, fiz delas pedras no meu caminho descalça, embruteci as palavras e julguei-me guerreira, desprovida de imagem e de lua que me alumiasse caminho. Tive tanto medo do silencio e das feridas que me correm nas veias, neguei sentir-me menos ou limitada, como se o silencio fosse a arma para a força que precisei, em momentos que me levaram, sonhos e imagens.

Na minha mala, por encher ainda, fui lendo cada livro, como se faltasse sempre o motivo de um encanto crescente, uma porta entreaberta ao lado escondido do meu horizonte. Leio ainda, quando me sinto assim, meia despida, meia perdida, quando o silencio não me abraça nem me avista, quando me pergunto, mal acordo se ainda é tempo de mergulhar na delicadeza dos gestos, na sapiência da alma, e na minha essencia impensada.


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