24 dezembro 2009

Quero o meu sorriso de volta

Este vento forte que varre o que sobra e o que não habita aqui, esta agua mais fria que fresca que hoje cai aqui, esta neve, esta nevoa que enebria, reclamam e devolvem, gritam e choram e brincam no palco dentro de mim, cheia de nada.
Cheia de nada, vazia, vazia!
Sentidos, caminhos, palavras, esvaziada, errada...
Acredito agora, vejo, ouço, cheiro, cada sentido desperto, cada retrato, cada imagem carregada de madrugadas e silencios, de circulos fechados, de razão adaptada, de convicção ajeitada, de razão...
Pareço ouvir aplausos por detrás desta palavra, razão...
Tenho os meus dedos engasgados de vontade, semblante distante, cara fechada. Vontade de chorar, vontade de rir ao espelho, vontade de ser tonta, de ser nada, mas nada mesmo, que eu sou tudo e não vejo.
Prefiro ser equação, soma não, quero dizer alto, o mais alto que a minha voz soar que sou livre para gritar, sou livre para sair de qualquer lugar onde a cegueira enalteça a repetição, sou livre para o meu sim e o meu não, que a desilusão assina as minhas mãos, o meu medo e pecado, que não gosto de pessoas, não gosto de faces, não gosto de gente.
Quero na minha boca o sorriso que guardo cá dentro, quero nos meus gestos o primeiro sentido, quero ver-me no meu reflexo, que eu quero-me tanto...
A minha obra, a minha ponte, a minha guerra, o meu norte...
Tal como o vento, varro o que sobra, para longe, deito fora com as duas mãos, sem sentir cheiro, sem nada, varro-me, deixo-me, rebusco-me e relembro numa rajada o que me constroi, o que me faz de mim, o que me há e o que não tenho.
Quero o meu sorriso de volta, o meu tempo, a leveza de crescer e o peso da revolta, o desencanto misturado com um pranto que me solta, quero musica, quero ciganos, quero catraios, quero velhos, quero o que me encontrar.
Quero um Natal e deixar de me querer sem lugar.
E agora que a minha voz se eleva num murmurio tão forte, quero o meu sonho de criança, ser amada por inteiro, ser esperada, entendida, seguida e lembrada, quero ser vista, ser sentida, quero o lugar que é só meu, quero o tempo que me lembra, quero ser do meu tamanho.
Estou cansada desta cegueira e desta guerra nesta terra de ninguém.

1 comentário:

Manuel disse...

Gosto tanto do lirismo da sua prosa. Adoro esse brincar com as palavras, como se fossem peças de um puzzle que maneja de uma forma tão hábil.
Gosto da essência e da mensagem de esperança.
Mantenha esse sorriso, que adivinho, radioso como as palavras.