03 junho 2010

Sitio

No ponto mais fresco e doce que conheço, por entre rasgos de pedra branca e o horizonte entrelaçado ao longe, lá em cima, onde se ouvem sons sibilantes e se sentem cores dançantes, num bailado encantado de flores e palavras que me avistam, deixei a minha voz, num brado baixinho que soaria a uma prece, não fosse ser descrente por ruidosa a minha mente. Deixei sossegada a vontade de mil palavras caladas na minha garganta, deixei o brilho das rugas que o meu pai oferece, a força das palavras ditadas sem tempo... Lá em cima, deixei uma lágrima misturada com um sorriso que só me conheceria se fosse visto numa madrugada clara, deixei um tempo sentada numa pedra solta, tentando adivinhar os contornos da ilha que avisto sem visão, deixei um respirar fundo que guardei tanto tempo e mil pensamentos que me invadem e me pareciam atropelados, calados pela gritaria dos dias. 
Por entre a brisa que esconde a minha cara ardente, deixei-me ali, partida de uma realidade ofuscada e descabida, de guerras ensanguentadas de mim, sem retorno ou evasão, deixei-me como me encontro, num instante que só a mim pertence.
Como estava enganada ao precisar preservar, se de ausência, a minha alma enraíza presença, se de amarga, a minha boca tem sede e os meus pés descalços não sentem pedras ou agua, sentem a maciez da poeira, o silencio como um livro e aquela ilha, companheira.
Enroscada no meu colo, avistava o passar dos instantes como se deles pudesse colher frutos, deixava-lhes em troca memorias de um futuro que me chama, e do presente que, urgente, diz tudo. Ali no cimo da serra, onde a arte toca nas mãos, os contornos são esboços fluidos e as cores... As cores fantasiam-me e descobrem-me, lá no fundo, onde me escondo e desabrigo. 
Enroscada no meu colo, chamei... Deixei-me ali, na esperança de ouvir, um sussurro, um raiar madrugador, a ilha clareada, brilho, presença, sentir.  Que ao fundo, ofusca o caminho, claro, tão claro!

4 comentários:

justme disse...

lindo o teu texto. Por vezes o caminho afigurasse-nos claro e ainda assim hesitamos em segui-lo!...
Bjs.

Moi disse...

E os instantes que vivemos a sós com nós mesmas é mais precioso que temos... sinto-me presa nas metáforas do teu texto.

Beijo
Angel

Moi disse...

Amiga,

Obrigado pelas tuas palavras!

Bom fds
Angel

PAS[Ç]SOS disse...

Quantas vezes nos enroscamos na procura duma fuga para o exterior? E quanto mais nos procuramos, menos diligenciamos a saída, pois mais ao fundo de nós vamos e mais nos enlameamos nos limbos que nos prendem, menos encontramos as asas que alam os sonhos e nos fazem esquecer de quem somos… apenas do que precisamos ser.