24 novembro 2009

Instinto IV

Um conto de Guerra:


Toques monocórdicos, que soam em descompassos, opostos, os gestos salientes não são mais que continuidade. Erguem-se armas já gastas, num campo empoeirado, sem som, sem espaço, só as vozes de outrora. O caos trouxe a desordem e a passagem foi uma mera fronteira, grosseira de mão forte.
Campo envenenado de orvalho seco e corpos mortiços que aguardam a noite. A história é pequena, fala de uma guerra de ser e de estar, fala de lágrimas pequenas à chegada. Fala de decretos vigentes acerca de povos desconhecidos e julgados. fala de agora como sempre.
O general prostrado, mastiga tremoços que cospe e, aflora, firmemente convicto que a razão impera deste lado da trincheira. Apoquentado, no seu âmago uma azia continua não o deixa. Em tempos foi rapaz, tambem ele, travou guerra, pediu paz. Decreta agora a ordem.
Na sala, um batalhão resguardado das feridas impostas e emprestadas, lembra dias, cala horas, assente. O homem forte fala, e no que não esboça chora, ama não querendo. Guerra igual. 
Recorda que em tempos, sabia mais que isto, sabia o preço das horas, das conquistas e das derrotas, sabia oferecer o gesto preciso. Em tempos, uma palavra significaria a vitória do que valia, do que se sente e não se entende, nunca.
Hoje mastiga e ordena. Hoje as mãos rudes acenam e omitem. Hoje há apenas silencio e guerra.
Pobre homem que sente e não fala, que sabe e não geme, não chora, não erra.




Um Conto de Terra.


Lá fora, um sorrisinho pequeno, um olhar miudinho, um piscar de vida que se descobre. Tropeça, sem sequer perceber muito bem se o caminho se faz ou se ainda agora deriva numa enchente que a leva deixando o que resta , o que a faz. Umas mãozinhas pequenas com recordações pintadas e um arquejar estranho. 
Não sabendo porquê os olhos ainda brilham, teve três filhos, cada um mais bonito que o anterior, um partiu sem voltar mas deixou-lhe um sorriso que dura até hoje, os outros seguiram-no reticentes, descrentes, não chegaram ainda.
Na ausência descobriu vida, perdida pediu água, pediu terra para semear, pediu ar, perdeu ar, ganhou terra.
Lá fora, não espera, vive, vive os tempos que a guerra lhe deixou, vive ainda agora o sabor de um ventre nascente, e de uma aurora qualquer. 
A marca ficou, guarda paz e guerra, guarda cada lagrima que ficou num sorriso que encerra. Já não espera, vive.


Lá fora, esta guerra morre, com ela morreu a paz e a ordem. 
Por detrás de um monte desfeito pelo rebuliço dos estilhaços, sopram brisas sonoras, restea de história. Armas depostas no horizonte e uma aposta, dedos cruzados em jeito de esperança, troca duas mãos cheias de paz guardadas no olhar por uma só de guerra, verdadeira.

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