29 abril 2010

Cais de pedra

Tinha escrito no espelho, que o meu bem meu mal, estaria num prato servido numa mesa posta por mim, com dois copos, duas velas e um ramo de alecrim, para não me esquecer de onde venho. Tinha uma foz no olhar, sem ter visto de onde vem a agua que me corre no pensamento, engano tremendo que precisei sentir. Estar sozinha era uma imagem desfocada, vazia, sem cheiro nem eco,  era qualquer coisa infernal, uma saliência na pedra que dizia "não mereço, não tenho..." .
Nas minhas mãos, escondia um querer só meu, uma fonte de vida que nunca encontrei por igual, nunca soube afinal, este meu cheiro, esta vontade, eram pedaços deixados na beira de uma estrada, sem retorno nem fundamento, e eu ouvia falar da vida, como um voo de pássaro, como um grito, e eu pensava, não tendo asas, serei eu que minto? Vendi-me em troco da terra, onde pisava calçada, terra estranha, sem semente, sem o horizonte desperto sempre me saudou. Medo, era a angustia de me saber presa e fugidia, enfeitada de uma magia, que só ela me dizia, por os passos serem só passos, e os actos não mais que isso.
Espreitei uma esquina, uma musica nova, de uma angustia que me secou a cara, um gesto de ensaio, face de outra lua que me ilumina.
Saudada a saudade, um molhinho de penas, um ensaiar de asas, encantada com uma sensação nova, tão estranha, uma vontade só minha, ninguém me espera, nem me pensa, e eu pus-me bonita, e lavei a cara que não pinto, e trouxe uma roupa que escolho pelo reflexo no espelho, e andei a distancia que nem sabia, e trouxe os meus amigos, e trouxe o que me habita, e vim aqui conversar com o mar, neste sitio que mal conheço.
Tem silencio e o marejar como um conto, tem o retorno do meu sorriso, nas faces de estranhos que vão passando, tem os meus amigos que correm alegres com medo das ondas, e se dantes me quedava em palavras, mensagens e adereços, aspiro este cheiro, respiro fundo, ajeito o vestido que trouxe. A arriba já não me tapa a vista, deixa-me adivinhar o futuro, as marés serão como vierem, e os pássaros não partiram.
Uma senhora dinamarquesa, sentou-se à minha beira, pela conversa, a descoberta parece a minha, procura sem esperar que encontre, e as palavras dispersas falam do mesmo. Num segundo, conto-lhe a versão sentida da minha história, do outro lado do mundo, não sou estranha afinal, e o que sinto é uma vergonha tremenda... 
Como me fiz capaz de doar a vontade? Como me pude prometer tão pouco?
Retornei estranhamente contente, fui cantando pelo caminho, percebi, percebi, esta descoberta sabe a mim, está no gesto.. Está em mim.

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