23 abril 2010

Fechei os olhos à pergunta, tenho dificuldades nestas coisas, três cheiros... Escolhi terra, mas ainda perguntei se não podia misturar o oriente, não dava, então é só terra, mas muitas. Tinha saudades de me tratar bem, cortei o cabelo, mais comprido de um lado que do outro, para me parecer igual afinal. Escolhi terra pela palavra, e deitei-me num ambiente quente, de aromas e de um sabor refrescante que me entrava na boca, Beijei os cheiros de saudade, senti um arrepio na espinha ao toque dos dedos, e uma musica, Deep Forest, que ia e vinha, como me iam os sentidos, um a um, voltariam mais despertos.
Parti de mim, um momento, um prazer profundo das pedras quentes que adormecem a mente, o cheiro da erva, o granito negro nas paredes, escondiam um qualquer branco, por um instante, senti a loucura da profusão do género, fez-me feminina um corpo igual. Bebi vinho da terra, adormeci as revoltas e os desnorteios, reconheci cada musculo cerrado, cada pedacinho de mim beber a agua, jorrada de algum lado que preferi imaginar. 
A pequenês dos sabios, lá fora na algazarra, diabos volantes, dançantes em volta, o barulho da cidade, a guerra e a paz, pensei num mundo.
Um mundo pequeno, feliz, de gestos meio secos e poupança, poupar de palavras e dádivas, um caminhar repetido nas calçadas. pensei nos maridos, companheiros, nas telenovelas e lava louças, pensei nos sacos do modelo ao fim da tarde, nos passeios na margem nos fins de semana, nos filhos de rosa e bola, nos pedidos satisfeitos que preenchem o vazio. Pensei nos casais que se beijam, nas ferias na Tunisia, uma vez que seja, em bicicletas e gavetas, nas revistas e pescada cozida ou carapaus laminados. Pensei na Caparica e em toalhas de praia e sombrinhas. Pensei que um dia, teria entendido, ser capaz de entender. Questionar um mundo em que um gesto dura tanto. Depois pensei num livro, viagem e alto mar, pensei nos fins de tarde, das conversas excitantes, palavras novas e sentidos. Pensei numa infancia de perguntas mais que respostas, no nunca chegar, ter um 18 poderia ser um vinte no degrau mais alto, pensei num caminhar fora da porta de abrigo, pensei no amor tanto que conheci, nas faces, culturas. Pensei no Monte Branco, no Alentejo, nos bares de oitenta sem horas, no vinho branco das Primas, nas horas sentada no Adamastor a ler mais que sabia, na Bolsa de valores, pensei na droga, na vida alta e escura.... E o meu corpo era um todo, um instante, e eu pensava, divagava, laços de medo que se espraia, e a agua aquecida do centro da terra, a cascata, a vida de um mundo exigente de pergunta. E eu lembrava, ser um dia uma cachopa que sabia precisar de saber mais. O desvio é da igualdade, o que me soma da verdade são as calçadas que me ferveram nos pés, sou a adição de cada verão, a lição ferida em cada estação.
Aquecida, calma, o meu corpo ainda dorme no tempo que me conquista a mim mais que passa. Não sei por fim saborear as despedidas, "desapetece-me" a agonia da igualdade ofensiva, sei-me fraca ao ponto de pretender o sabor da descoberta em tentativa, espreito as esquinas, as janelas, ouço as conversas, conheço caras novas que como eu são gente pequena à descoberta. Dá-me a sensação de um dia, que deixei que se atrasasse à espera. Atraso de sabedoria que a experiência me falha. 
Há tanto tempo que não sorria, sem que alguém me pense, é como uma oferta digna do erro e da desordem, esta calmaria sofrida feita de esperança. Atrás da porta ficou vida, morte, que eu preciso sorrir às manhãs às pessoas que ainda não conheço, preciso de estar presente nas conversas, nas noites quentes de palavras que perguntam como eu, sem resposta, por isso se vive, se perde e aposta, por isso se cai, se nega e se pinta, que não basta a resposta da mentira, e a justificação na boca.
Penso na herança desta história, na minha, liberdade de expressão, penso na destruição do vazio, se mentira havia era essa, olho ao longe o sabor da lição, nomes estranhos, perdidos, uma relação nunca sida, negação,    a culpa imposta das palavras e mestria cegas, a gargalhada da estação, um atear de um ego somado,  uma ferida que me cresce na mão, que lambo com carinho,a medo. O "atravancar" do património, e das questões que não cabem na soma. Penso no medo que não falo, que me acompanha, em cada direcção, já o conheço, "E agora? Não vejo? Estou cega neste nevoeiro mais claro?"
Por isso, agradeço, ser a soma disto tudo, ser pegada desconexa e esquecida, ser sim ou talvez, ser um não fora de época que   lhe dá razão, subtraída, sou o que fica, tirando o que não me pertence. Sou por isso, lingua de fora, silencio e riso, inteira de um todo, afinal. E lavo o meu carro sozinha, e se não lavar não faz mal. Perdi o sono que tinha, desperta, tenho pensamentos que me fazem rir, colmatados nas conversas, de corpo, tardias, na rua. E penso ainda, mais ainda. E quero, porque me devo e não chega.


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