21 abril 2010

Escrever para mim, seria antes de mais conversar comigo, enquanto as teclas se vão calcando, ver-me-ia, não pelos olhos, ou pelas palavras em si, pela expressão do sentido, pelas vezes que choro ao mesmo tempo, ou pelas palavras que me desperto, ou pela saudade de mim. Outras sorriria, desabafos, parvoíces ou imagens, como pedaços de vida que me fazem desperta, sempre. Escrever tem mais de mim que as palavras.
Por um tempo, não sinto o que escrevo, escrevo de um lago negro, sem refracção, do fundo do corpo, feito de raizes deformadas e veias secas, de sementes de uma raiva que reclama, uma capa, uma trama, que me cega. Talvez por isso, as cores, as pinceladas dos meus olhos, o calor das minhas mãos, obra dispersa a minha que não quero mais que uma prosa nas palavras que me fariam, mais que isso,
Por um tempo, reclamo-me, digo-me alto, que as palavras, têm face, uma história que faço, viva, reclamada da névoa que me cobre e só a mim me avista. 
Há muito tempo, despertei um dia, era um despertar meio cinzento, meio a medo, era um querer tremendo somado ao descrédito e ao medo. A madrugada chamava-me o sonho, cada um que esquecera, haveria de ser tida, pensada, sonhava ver-me no fundo de uns olhos verdes que já antes não me vendo, tinham um sorriso, como o meu, tinham pedaços criados, um dia somados, foram tendo a caminhada ferida e a descoberta da vida. Enquanto me deixava, caminhava, sem quedas, quase perfeita, cada vez mais distante da alma calada que nunca me deixou ser plena, dada. Despi-me do horizonte e construí o que as minhas mãos me  davam, 7 anos de sorrisos e uma musica de fundo que nós cantavamos juntos. Fiz disso o suficiente, sabendo não o ser. Abri feridas rasgadas, 7 anos que nem notei, na obra de me esquecer, calando. Fui carinho, companheira do tudo e do nada, nas sobras de mim, mais tempo ainda que, comigo me desacompanhava. À noite, à lareira, lia livros e acreditava, enrolada no embalar do tempo, acreditava que um dia o universo mudava, que os meus olhos dementes veriam, e de madrugada, quando me sentava no alpendre e aguardava o dia, empreendia as viagens, a obra que era só minha, arriscava o sonho, pedia, não esperava, fazia, calava.
 Lembro-me de um dia, ter vindo de Lisboa, já nem me lembrava que nessa altura, andar sempre sozinha era o prolongamento da noite que antes deixara. Era assim, já não me importava. Nesse dia, chorei do fundo, pela primeira vez, tinha-me despedido da minha irmã, cujos olhos brilhavam por quinze minutos com a vida, o resto era pleno, pensado em conjunto. E o meu telefone mudo, significava a distancia real, entre o sonho e a vida da minha caminhada. Amar, não seria assim, nas paginas que me enchiam, nas viagens encantada, da minha essência encerrada, amar deixou de ser conceptualmente, a partilha, seria unidade.
A traição veio, como um episódio do quotidiano, não significava nada nas palavras, como nada significava o nome que lhe dei e a porta escancarada que de repente, me cegava da vida. E eu, pequena, gasta, olhei para ela e nem vi o que me dizia. O nada era a unidade. Ouvia que me cabia fazer por mim, perdi a conta às vezes que me fui embora, de mala vazia. Mas voltava, sem mim, voltava ao mundo que construira e que julgava ser o meu universo. Fiz uma casa, aceitei o conselho e dei as boas vindas ao meu amigo, aprendi a pintar, a pregar, a desculpar-me a quem me via e nem perguntava, sabendo a resposta. Aprendi a não ver, nada.
Outro dia, do outro lado do mar, o meu pai, olhou-me por uns momentos, raramente isso acontece, no entanto, saberia sentir o mesmo olhar, em tudo o que vejo. Aquele momento, foi um tempo cheio de palavras, de respostas que eu não tinha, a minha foi só "queria ficar aqui contigo"....
De repente, de manhã à noite, entendia a palavra prostituição no sentido mais pleno. Prostituta de mim, dava, dava simplesmente, não comia, não dormia, não esperava mais nada, não via. A vida cantava lá fora, eu sentia-a, bebia-a nos complementos, nas migalhas que me dava da minha essência.
Tenho feridas, tenho vergonha, o verde não se reflectia nos meus olhos castanhos. Os teatros, as viagens, a riqueza dos meus dias, eram meus, sem mais nada. Conjuntamente despropositada, recordo o dia seguinte, numa cama branca, cheia de gente em volta, na minha cidade, com palavras acerca de morte, caras preocupadas comigo mais que eu ou o meu mundo. Estalei os dedos e fiz um som, ouvi-me entre baforadas de cigarro no telhado do hospital, numa noite quente, sentada na companhia de um estranho que me falava das visitas e da sardinhada que ia fazer quando estivessemos "bons". Eu sorria apenas.
Havia trabalho, degraus e promessas que me transcendiam. Havia a solidão não só feita de corpo mas principalmente de alma. Havia o reflexo da minha negação, naquela noite tão clara. Que de noite se fez dia, um dia claro. Não importa, nem se percebia, que de repente eu sorria, saboreava a vida mais que a morte há tanto tempo pronunciada. A minha vontade era força, percebia que durante esse tempo aprendera-me, sem reparar em tal.  
A porta insistia em chamar o meu nome e, por um acaso, as palavras levaram-me a uma margem que me conhecia, sem olhar. Por acaso, havia vida e retrocesso, palavras que falavam de mim, sem ser minhas, havia tudo aquilo que calara julgando ser fruto da minha mente, apenas. E mesmo assim, eram as palavras mais sentidas que ouvidas, por acaso, havia vida no silencio de me deixar ser, uma vez que fosse.
Por um instante, acreditei ser vista, as viagens tinham retorno, mais que as palavras, já não era só eu a ver as cores, a contar as ondas e a tecer teorias no voo das gaivotas. Já não era só eu que queria ajudar alguém com filhos, não era só eu que chorava de mim nas praias despidas de gente, e nas searas quentes que me fizeram assim. E eu não sabia do medo das palavras. Eu não sabia como se fazia para levantar-me da soleira da porta, se o dia carregava-se de histórias repetidas, de um marejar de textos, de um avo de mim por enquanto. Eu não sabia pretender ser mais que isto, o meu equilibrio não era uma corda. Traì mais que os olhos, que esses não viam outras coisas. Trai a essência de mim, os valores que me erguiam. Destrui as palavras que se fizeram soltas, destrui o sonho e cada elemento que tinha guardado nas mãos fechadas.
Ergui antes a demência plena. Não sabendo, sabia, não crendo teci sonho. Perdi-me, prostituta de um sentido que me transcende. Tive medo, de tudo, tive um medo atroz de uma mesa e 4 cadeiras e mais nada, já não me via em lado nenhum, via ao longe o desencanto igual a tantos, via a mentira colocada na minha boca e a cegueira. Via-me em três em quatro, escrita que não era só minha, palavras entoadas mais feridas, via a ironia, não via nada.
Fim, não creio. Fim de tudo.
Hoje vivo numa aldeia, sou metade da população, de vez em quando cruzo-me com a outra metade, calei-me da essência, tendo mais que cadeiras, pintadas por mim, já não me sento no alpendre de manhã, já não canto mal desperto, vivo numa casa partida ao meio, silenciosa. Como sempre.  Herança do medo somado à esperança, o silencio fez-se um grito, e calma, pôs-se um ponto no fim da história.  Faço sentido ao que sentia, sou mais que isso, há tanto tempo, desfocada, cresço, comprometi-me com a solidão que afinal tem vinda e que me acompanha há tanto tempo.

Não me interessam conceitos, dei um nome a esta história, mesmo perdendo, caminho, não me troco nem me vendo ao preço do medo, sofro porquanto me conheço agora, historia que deveria ter escrito há muito tempo. Já não choro por ninguém, choro pelo erro e pela magoa da minha fé, em tanto que não a voz que me conhecia e não me deixou nunca sossego. A meio da minha vida, aprendo, que a diferença entre o aqui e o meu horizonte, está no caminho que sigo, cheio de mim, por enquanto. nem conheço ainda o meu tamanho.
É cedo ainda, mal me conheço, piso um caminho onde as palavras são minhas, e escrever há-de ser como agora , uma conversa comigo, de lágrimas e sorrisos, de erros tremendos e de uma vida que me faz, pequena, grande, o que for..
Fechei as mãos, quentes de mim, aprendo a saborear os retornos, as viagens, iguais de tão diferentes agora, perdi o medo, sou a Sandra, enchi o peito de alegria e sofrimento e abraço-me com um carinho que renovo. Sozinha mas comigo.




1 comentário:

Luis Mota disse...

Uma doçura impressionante de novo.
Fiz um amigo ontem. Procurava o visco nos jardins do Paddington recreative ground, perto de casa. Um velho.Com um cão.Acabámos por nos sentar a falar de plantas. Uma hora e tal depois :adeus foi um prazer. E já agora, como te chamas?
Um perfeito estranho pode levar muitas vezes tantos dos nossos passos. Ou gritar mesmo tantos dos nossos próprios gritos.