09 abril 2010

Ode ao vinho

Despertei ainda com o sabor das iscas, que na tua boca foram um segundo apenas. Desliguei, ferida ainda com a saliva que corria sedenta de também eu saborear aquele jarro de vinho branco fresco, na Adega de Arcos, jorrado das pipas de carvalho em volta da tasca. Também eu me sentei nos bancos de vime, pousei os cotovelos nas mesas de mármore e sorri para o velhinho careca que ainda hoje guarda a herança que se perde.
Cada palavra minha, rasgava-me o peito, demência consciente de ser preciso, sou tão menina quando o que sinto me cala a mente. 
Em silencio, percorri hoje um campo florido, com os meus amigos à frente, sorrindo à vida que ainda acredito jorrar nas minhas veias como a falta desse trago ébrio que atormenta. Em cada passo, fui lembrando, o silencio que sopra por entre as oliveiras que em tempos guardaram um sorriso tão quente, nas tardes comigo. Fiz um ramo pequeno de papoilas e aquelas flores amarelas que, juntas com o trigo, se vendem nas ruas cinzentas lembrando a ausência. Voltei a beber as palavras que dirão um dia este sentimento. Espero por ti, crendo, espero por ti, como me prometo, um brinde fresco às almas errantes que sonham. 
Tenho as mesmas cores ainda, tenho este fascinio pelas coisas que não cabem nas doutas conversas que já nem ligo, tenho os livros que me separam das horas, sentada à sombra neste campo verde, onde me vejo mais a mim que outra coisa qualquer. Tenho nas mãos ainda a cor dos sentidos que um dia me despertaram, quentes na minha cara que a frieza arrefece. 
Hoje acredito, amiga, que a voz é mais que um som, que a essencia das coisas está demasiado longe da mente, desdigo-me nas reservas que fazem as encruzilhadas, reservo-me num medo que antes já sabia perverso, uma ode à vida mais que ao vinho que bebo de um trago onde já não moro senão no desespero.
Preciso de ti, como preciso de crer no amor, preciso de te dizer que a razão é mais que a explicação desconexa. Preciso de te ver, brilhante, como sempre te vi, tão bonita, tão serena.
Ergo a minha taça por ti!
Tanta gente, Marta, tantas faces que passam, tantos mundos e parvoices, tanta treta, e esta sombra, esta oliveira, é a verdade de cada erro, cada trapalhada, cada reserva, que guarda somente, sentimento.

1 comentário:

Menina do cantinho disse...

Uma simples frase deste belo texto fez-me recuar à minha infancia. Quando era bem pequenina adorava correr pelos campos e fazer ramos de papoilas.
São momentos deste que fazem de nós felizes e que nos fazem sorrir e sonhar.

Beijinhos.

PS. A música que aqui tem é capaz de me acalmar.
Obrigado por a partilhar.