06 maio 2010

Anglesey


Segundo me disse, algures no Sec xvi, era um viajante de sonhos, um homem de mente e de escrita, solitário por opção, vivia num cabo na Escócia, viuvo e sem filhos. Deixei a vida inteira escrita, de fronte para um farol, escrita de mar e marés. Vivi meio século acompanhado de mim, porque algures a meio, abandonei a terra que não me pertencia, ferido por qualquer devaneio, ou uma verdade maior. Segundo dizem os olhos fechados e as mãos, fundir-me-ia na energia que o mar me fazia, talvez por isso, escrevesse tanto.
Sentada, a minha mente divagava nas questões do descrédito, mas devagar, fui deixando-me ouvir, fui fechando os olhos se me pediam. O silencio fizera a minha entrada, contornava-me uma sede estranha de me ouvir, quem sabe, da boca de uma estranha. As primeiras direcções afugentaram a guerra descrente, um por um, os passos que trouxera, eram falados como se aqueles olhos entrassem e me despissem do mais fundo de mim. Deixei de ouvir os sons da rua, a musica e o presente. Extasiada de um conhecimento crente, ouvia de mim, de outro tempo, não sei, não sei nada disto.

Sem tempo, era india, de uma cor mais escura, numa terra costeira, vivi uma felicidade imensa que me fere agora, que me espanta da terra que sabe nunca me ter acolhido. Abri os olhos e os olhos choravam e diziam que tinham aberto uma porta e era belo o que viam, de um azul que não existe nas cores, de uma força escondida que eu grito não ter lugar, sim? E eu, embargada, assustada, sentia mais que ouvia, temia também palavras que me falavam, não sei, sentia.

Correram-me as lágrimas que retive tempo demais, um sabor adocicado foi aquecendo a minha cara. Em silencio, dei as mãos e as lágrimas, abri o peito de mais, sedenta de entender este compasso, e os olhos diziam que na garganta, eu corria, como se perdida, faltasse o tempo de semear na minha vida, o que já floriu por dentro. Senti o meu corpo abandonar-me, senti um segundo, a leveza de me ter, vi a fogueira violenta onde joguei um por um, cada laço, vi-me com uma vontade gigantesca de ser. Não tive os sentidos mais claros, esqueci a vergonha e o medo e chorei e ri, não sei, não sei mais nada.

O mar real ao longe, chamava quando saí, os meus passos já não me pesavam, o meu corpo era mais que uma massa tratada e esquecida, não percebi a viagem até sentir os pés molhados. Claro, silencio, pedi perdão, perdão pelos laços, pelas marés, pela inexactidão dos meus passos,  pedi perdão aos sentimentos, e sorri e dancei e abri os braços, e aquele momento entrou em mim, e eu não sei o que foi. Não sei ainda agora, o que foi isto.

3 comentários:

justme disse...

Para já foi um texto lindo, um momento cheio de momentos, um deixar-se levar algures entre o sonho e o devaneio.
Bjs.

Eli disse...

Quando entrei aqui e comecei a ouvir a música, também algo se revelou. Não sei se tenho algo a dizer, ainda.

:)

medeixagozar@ disse...

Adoeri o post...

Bjs,
http://medeixagozar.blogspot.com/