23 fevereiro 2010

Aperto o casaco até ao pescoço, escorre-me água das mãos e da cara, os meus pés sulcam valas na lama castanha e branca, o céu irrompe de cores e o vento solta rugidos. É Inverno, pois então! 
E a serra parece soltar gemidos de um prazer só dela, de contornos definidos, sentida e beijada pelos elementos, tocada por fios de vento, percorrida pelas correntes da névoa anunciada e sedenta. Sonhada das marés que a habitam, das histórias que mal se ouvem e se sentem, tão fortes, tão quentes. Sonha, abraçada às nuvens carregadas de vida, e sente...
Em baixo, ao longe, distingo vales cinzentos, transpiram uma saudade de visibilidade que me custa explicar. Para quê? sendo Inverno, aceitam a agua que escorre das escarpas e apregoam firmamento, frios e zangados, soam vozes alucinadas de descontentamento. São as falésias precoces e os pescadores que aguardam, sentados, enfeitados de redes que as mulheres tecem, agradecidas pela presença dos seus homens à beira da praia tantas vezes olhada.
Não vejo as gaivotas em terra, e habita-me a tempestade que espera, vida.
Do cimo da serra, visito os lugares onde me vejo, beijo com a alma que me fala tão mais alto que a história que mal teci, sinto o meu mundo na metade que a noite reclamou, e tocada pelos gemidos da serra, gemo eu também.
E vou riscando as linhas do meu papelinho.

3 comentários:

Helena Teixeira disse...

Sim.Um texto muito profundo que me fez recordar as vezes em que me sentava numa pedra,no alto da Serra,a olhar o horizonte.

Abraço
Lena

Aproveito e deixo um convite: participe na Blogagem de Março do blogue www.aldeiadaminhavida.blogspot.com. O tema é: “Onde cresceu o meu Pai”. Basta enviar um texto máximo 25 linhas e 1 foto para aminhaldeia@sapo.pt (+ título e link do respectivo blog) até dia 8 de Março. Participe. Haverá boa convivência e possíveis prémios (veja mais no dia 28/02 no blog da Aldeia)!

Anónimo disse...

Tão bonito! Tanta coisa para dizer!

Manuel Poppe

Sonhadoremfulltime disse...

“Não vejo as gaivotas em terra, e habita-me a tempestade que espera, vida.”

Que frase amiga do desassossego, uma cadeia de palavras que me levaram às profundezas do meu ser.

Um texto que me deixou em sereno desassossega porque não ver a tempestade que me habita, a dissipar…



Beijinho