19 fevereiro 2010

Vou construir uma casinha de granito com paredes de contos antigos, janelas abertas à vida, com cortinados de jasmim, soleira de terra batida, e um murinho caiado por mim; uma porta de coragem e uma lareira pequena para me sentar em frente e aquecer os  pés descalços enquanto asso castanhas,  uma cama de penas de pássaros que hão-de retornar na Primavera e  desenhos de cada memória pintada a carvão e todas as cores lembradas. 
Um tapete de retalhos das histórias que hei-de contar um dia e um radio antigo que ainda toque as musicas que me fazem chorar. Uma arca de mogno onde hei-de guardar, embrulhadas em papel de manteiga, as vozes alucinadas que me ditei e as feridas lambidas que tardam em sarar, abri-la-hei de vez em quando, até sempre. Uma gaivota que pouse na janela e me acorde antes do sol nascer e o som do mar presente me adormeça e adorne de sonhos e vida.

Assim, o medo não tem morada , nem cadeira, e nunca estarei sozinha, acenderei uma vela de companhia com cheiro de flores do campo e visitarei as vizinhas de lenço aos quadrados na cabeça e rodilha. 
Direi bom dia mal acorde, abrirei a janela da vida e cantarei ao pastor no alto e ao faroleiro na enseada, dançarei com as moças na eira do largo, com uma azinheira no meio. Vou escrever as musicas que a minha avó cantava, sentada à beira do ribeiro fresco no vale fronteiro à casa.

Farei um carreiro de pedras pequeninas, semeadas e beijadas, uma a uma, um caminho soalheiro e bonito, sombreado de alecrim e rosmaninho, de onde o vento traz o som dos sinos que tocam a cada hora, e sentar-me-hei nas tardes quentes, à porta, de livro na mão, à espera, à escuta!
Pedirei noticias aos ventos de Norte, às vagas cheias e às cegonhas. Terei água fervente no canto mais quente da lareira, misturado de fumeiro e brasas.  Terei as faces vermelhas de vida e da terra que semeio, trarei nos lábios as viagens que faço, nunca sabedora, sedenta de subir mais além e espreitar o que os cumes escondem.


Os meus olhos hão-de brilhar de cada vez que a neblina acordar no horizonte e o canto dos passaros embalar a minha escrita, feita de sopros e sorrisos, feita de mais que palavras.

Em frente à casa, hão-de haver crianças e brincadeiras, gritaria misturada com terra e violas anunciadas e há-de haver sempre pão com azeitonas e manteiga na mesa de madeira por debaixo da amoreira verde, sempre fresca.  Há-de haver uma escada de xisto que dê para o largo da aldeia, e as noticias serão cantadas de boca em boca.

O cais meio, reconstruir-se-á por força do meu engenho, de mãos amigas do sul que trarão centelhas nos olhos e ajuda nas mãos rudes da vida. Também ai me hei-de quedar, nas tardes mais frias, envolta na manta colorida, de olhar brilhante na luz que traz cada dia.
Quando a minha cara quente se soltar, será madrugada, será una, será, só uma face, uma alma, uma vida, e as palavras que guardo serão ditas sem uma palavra, sem um silencio, estarão escritas em cada pedra, em cada lágrima, em cada sorriso e gargalhada.


Estou cansada, vou sorrir, vou sorrir, vou-me lembrar de cada passada, de cada queda e dos moinhos de vento que hoje sei o que são, era cada medo e descredito, era eu mais que tudo, perdida na multidão da razão envenenada, perdida nas casas brancas e na fumarada, era eu alucinada de sentir mais que eu, era a minha alma desgarrada que entoa tão alto, ainda agora a voz mais clara que de mim saiu. Já não servem as vestes ornamentadas, esta calma amargurada é agua, é sede, é face tão clara que me aguarda. 

1 comentário:

Miguel disse...

parece um cenário perfeito, um quadro cheio de vida, embora trocasse a gaivota por um pássaro mais delicado que me acordasse ao som de uma maravilhosa melodia.