07 outubro 2009

Cara fria

A dor permanece. Entranha-se cada vez mais no meu cérebro. Espero veredicto e fundamento. Desespero enquanto espero.
Dormir é um meio termo, descansar será o culminar deste tempo. Deitei-me cedo. Zangada com a dor e com a que acrescento, zangada pelo poder do julgamento. Zangada por me sentir invadida por quem mal me conhece.
Sou traidora, mentirosa e criminosa. Não sou boa pessoa. Assim seja...
Sigo em frente. Sempre soube que de algum lado viria. Não respondo, fecho-me, cada vez mais em mim. Tenho a minha cara gelada, sinto-me num dos polos ausentes, nesta cidade que nunca foi minha. Mudei de padeiro e de qualquer sitio onde ia, novelo enrolado de crónicas doentes, sem cara, as histórias correm mais céleres que o vento que fustigou hoje as minhas janelas sombrias.
Engulo um soluço, lembro-me de quem sou e sigo em frente.
Queria mudar tudo, tudo mesmo, menos o que guardo cá dentro, mais luminoso que qualquer um destes dias que percorro em esforço. Ironia, o que mais temo é o que mais me anima, o que me ergue, e faz crente é o que encolho numa caixinha de medo em expor. Tão minha...
Neste vale doente sob cume já morto, nesta cidade que não vive, nestes esgares que me apontam, sem mais nada, pelo simples arrojo de se esboçarem, aceito, por mais saber, por ainda acreditar, nem que seja em mim.
A meio da noite, o meu amigo acordou-me ganindo, seguido de um ribombar violento que me fez saltar da cama. Abri a porta e, no mesmo instante o céu clareou em mil feixes, o meu coração batia ao soar da trovoada. Senti, debaixo do alpendre a cara molhada, um focinho tremente encostado a mim. Finalmente, momentos em que a minha cara fria me devolveu expressão, os elementos orquestrados, presenteavam-me com harmonia. Fiquei sentada à espera, ouvi o silenciar do vento uivante, a despedida dos tambores e da chuva de luzes.
Adormeci-me.

De manhã, o meu amigo desapareceu da aldeia. Percorri todas as estradas que desconhecia, apitei, chamei, perguntei a quem não sabia. Adiei tudo à procura. Ao meio dia, um vizinho avisou-me. Tinha ido visitar a aldeia vizinha, persistente nos instintos que eu própria admiro. Fui buscá-lo.
Mais uma lição de vida...

À tardinha, vou-me mascarar de laranja, despentear o cabelo e vestir-me de preto. Apurar os meus sentidos e reinvindicar-me. De resto, quero que todos se lixem!
Obrigada minha mana.

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