23 outubro 2009

Esta noite li-me como uma estranha. Soava-me a mim parecendo tão negra.
Zangada, distante dos sorrisos que me constroem, dos quadros, mesmo que fantasiosos, com que me ilustrava, saudosa da neblina que o mar emana e das planicies que sei verdes, reticente em me refazer falsamente ou ainda esboçar raios de luz, preencho-me em memórias do que hei-de ver. Lembro-me das imagens que me precedem, recordo sons quentes, calmantes e a não necessidade de palavras.
Tenho tão presente em equações as horas em que me transformo, ambulante.
Construo o meu amanhã, num raciocinio consciente, vislumbro o meu exemplo nos actos migratórios de seres que mais sabem de mim.
Chorar faz-me bem, não é um soltar de lágrimas piedosas, é um sopro de sentido, alivio cheio de sentimento. Nestes tempos tenho chorado por musicas que ouço, por memórias e silencio, por mais cheia que egoista, arrecado o meu espaço ermo, em palavras alexitémicas intransigentes, com que me esconde do mundo.
Este meu espaço tem sido o meu companheiro de pensamento, revejo-o em conflito, tão certa do meu desnorteio. Sem inicio, sem fim, com a sensação de um compasso entre dois tempos por demais importantes para me adormecer.
Desconfio da coerência de raciocínios e da fluidez de sentires. O meu silencio é sentido e as palavras remoinhos.
Há um grito enorme cá dentro que sei ter de soltar, não quero esta angustia, não quero tanta coisa que me encerra agora. O meu egoismo levou-me a julgar merecer o equivalente ao meu sonho, em gestos concebo a fraqueza de os não saber alcançar, mesmo sabendo. Aprendo, todos os dias, calando a certeza que a dor nos engrandece, sinto elevar-me de um vale adormecido, de um passado julgado esquecido que agora percebo o tanto que me arrebatou. Quero as minhas raizes ancestrais, quero a essência de mim, protagonista do meu presente. Está aqui, sinto-a cá dentro, sinto-a presente nos momentos comigo, rasguei-a, menti-lhe confiando-lhe condicionantes, descrédito e medos.
Ontem, cheguei a julgar-me incapaz, duvidei da minha inteligencia, da minha capacidade de lutas que travo comigo.
Quem me julgo eu para duvidar de mim, sendo eu própria culpada do meu descrédito?
Quem me julgo eu, nas palavras que não me pertencem, nos sentidos esquecidos e na distancia que passivamente adoptei ?
Sou eu quem me enfraquece, sou eu que se esquece de mim.
E, porém, sabedora em caminhos e sentidos, do incomportavel alcance de assim ser.
Assistem-me os meus passos, cada horizonte, cada poente e nascente do meu dia, o direito de sentir, sem julgar, sem me ofender, assiste-me a obrigação de aprender, de me encontrar, seja onde for.
Não me vejo arquitectada, não me imagino no final de um dia, igual aos outros todos, não me imagino sem sonhar, sem conhecer, sem viajar, sem amar depois de saber que sinto, não me quero albergada numa vivência enquadrada, por mais "correcta" que seja.
Ontem, rodeada de um molho de gente gritante, aos quadradinhos, limpinha e em coro, olhei as minhas botas enlameadas, o meu cabelo desgrenhado, as pernas cruzadas e uma vontade de chocar.. E gostei tanto de mim.
Gostei de me lembrar da D Lucia, da força da admiração mutua, da vontade expressada e marcada, gostei de me embrenhar nas pedreiras castanhas da serra, do carinho que me envolve de gente simples e plena. Gostei de não perceber nada de matemática, de não dormir a pensar nisso, de me sentir sozinha por significar estar verdadeira, gostei de, em vez de esconder, perceber o privilegio desta minha forma de sentir que não sabia haver em mim. Doi de verdade, mas é minha. Viva.
Não tenho espaço de aceitação. Não sou de trato facil. Sou apenas a vontade de caminhar.

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