05 janeiro 2009

Sonho!


Hoje tive o mais estranho sonho:

Assistia, sentada na primeira fila ao filme da minha vida… Critica, curiosa, expectante e simultaneamente conhecedora profunda da protagonista.

À minha frente desenrolavam-se continuamente imagens e episódios que, de tão familiares , se tornavam estranhos e distantes ao meu espírito observador… Curiosa, a minha perspicácia imparcial, despida de emoções, sentada, sem intervir…
A protagonista caminhava, corria, às vezes, parava a escutar… Quando corria, normalmente tropeçava e caia… Mas havia qualquer coisa, para alem do ecrã em que ela fixava o olhar e, levantava-se, sempre, desajeitada, dorida e, mordendo a sua própria dor, seguia…..

Cada projecção do seu ser em mais um passo, era como que uma conquista ou um retrocesso, e ela nunca sabia.. Pisava terrenos escorregadios, mas preferia esses porque a obrigavam a olhar mais atenta, mais alerta, sentindo na pele cada obstáculo no caminho. Sabia, já conhecia as estradas que a conduziriam seguramente a cada horizonte, sem explicação, tinha medo dessas; no fundo, as suas primeiras pisadas tinham-lhe ensinado o quão despida chegava ao destino, vazia de si mesma e cheia de uma qualquer sensação de futilidade… Era tão mais que isso, e estes caminhos pedregosos pareciam-lhe ideais para transpor cada fantasma, cada noite fria, cada vontade de parar e desistir. Ela era assim…

Havia por vezes, barreiras, cercas, algumas imaginárias, penso eu, por vê-la hesitante e, lembro-me agora de a ver parar junto a uma imensa extensão de agua azul, fria por isso.. Só se lembrou de aquecer ao sol e esperar… Enquanto isso, vi-a olhar em redor, aquele sitio era-lhe familiar (murmurou ela) e isso chateava-a, será que tinha andado às voltas?

Sentada na minha confortável cadeira de cinema, recriminei-a logo… Que disparate, porque é que ela não percebe que só tem que fazer um barco e atravessar?
Demorei a perceber que, ao olhar em volta, ela não se interrogava, chateava-a a aventura ter ficado para trás, se era igual, sabia o que estava do outro lado, tantas vezes tinha transposto mares muito maiores, aquele não tinha magia e os sons que ouvia, eram iguais a tantos outros que já tinha parado a escutar…

Esta parte cansou-me.
O meu distanciamento, enquanto trincava uma pipoca e lembrava-me que sou contra pipocas em cinemas, abstraiu-me do enredo e pensei que tinha mais que fazer e que aquele parecia um filme francês que só nos atrai quando acaba. O cinema era escuro e aproveitei para me acomodar melhor na cadeira e observar um casalinho, daqueles de mãos dadas aos fins de semana, que com os telemóveis silenciosos mandavam mensagens e esperavam as resposta como se disso dependesse mais um minuto ao lado de quem haviam prometido o que ninguém pode aspirar ter. Olhavam depois no mesmo sentido mas o olhar não me parecia convergente, era um olhar fútil, de quem sente que tudo passa sem sentido… Olhavam na mesma direcção porque assim tinha que ser e, enquanto a falta de resposta esvaziava o seu sopro de vida, abraçavam-se e beijavam-se… Um casal bonito, sem duvida… Ainda bem que vim sozinha!!! Ahh, finalmente os telemóveis iluminavam-se e os beijos cessavam imediatamente com gracejos necessários e os olhares voltavam-se em direcções opostas em busca de oxigénio!!! O xico ia gostar de estar aqui, ele adora pipocas!!...

Olhei de novo para o ecrã.
A protagonista tinha apanhado uma flor qualquer. E saboreava-a com os seus sentidos.. Não… Não tinha estado ali… A caminhada por vezes iludia-a.. Aquele cheiro, aquela textura, aquele sabor, eram novos afinal… O Hoje e o amanhã tinham-na feito parar no medo de se perder de si mesma, da necessidade de conquistar o desconhecido, de continuar por não saber. O sol tinha-a aquecido … Ainda tinha “reservas” face aquele mar, se calhar era frio… apetecia-lhe acampar ali, refrescar-se talvez com umas braçadas, mas voltar a terra firme depois de ter percorrido tão grande caminhada… Voltou a olhar em volta e não viu ninguém, há um tempo que não se cruzava com ninguém, pelo menos, não se lembrava, não devia ser importante… Boa altura para se despir e tomar um banho purgante…
Não se sentia com muitas forças para aventurar-se mar adentro, a verdade era essa, afinal tinha sido importante ter alguém ali ao seu lado.. Não qualquer um… Nestas alturas, continuava a sonhar com o confronto com o oposto de si mesma, com o antagonismo da sua vontade… Talvez alguém que lhe sossegasse o espírito inquieto e a ajudasse a dormir e a satisfazer-se com a simples flor que já não sabia onde estava … Enquanto sonhava com D Quixote (afinal invejava não ter vivido aquelas grandes paixões de que tanto se fala), não se apercebeu que uma barreira de nevoeiro baixava lentamente em seu redor (tinha que haver nevoeiro). Ocupada em mergulhar e tentar apanhar uma pedra brilhante no fundo, não viu que o sol tinha dado lugar a um mar cinzento, muito maior do que aquele… Olhou em volta, quando emergiu, radiante de ter finalmente nas suas mãos uma pedrinha de quartzo que podia guardar ou atirar de volta, e teve medo… Um medo do mais fundo da sua alma.. Um grito apavorado mas tão cheio da vida que buscara sempre… Estava ali, sozinha, o sol tinha desaparecido, tinha frio, já não via o punhado de gravetos que tinha apanhado para fazer a sua própria fogueira, mas, no seu espírito nascia uma felicidade plena, cheia da sua própria luz, da surpresa que a vida lhe prometera desde pequena quando aprendera que o sonho nunca a trairia… E voltou a mergulhar..
O casalinho, saiu da sala, compras de Natal, o shopping ia fechar.. O filme também não tinha piada nenhuma, deviam ter escolhido o 007… ele bem a avisara.
Mas eu sustinha a respiração.. Ela não está a ver o perigo? Voltou a mergulhar???
Nem a ideia de voltar à margem para recolher as suas roupas a fez perder um minuto, a agua gélida tinha-a aquecido por dentro… Ela era grande, fundia-se com a imensidão do nada que os seus sentidos captavam, sabedora da imensidão de vida que a percorria… Virou costas em direcção ao que continuava sem ver no fim do ecrã e nadou… ainda se virou uma ultima vez e pude vê-la.. A sorrir, feliz !!!!....
Fim
Sai desconcertada do cinema… à minha espera estava tudo aquilo que havia construído com os mesmos sonhos mas, invejava o sorriso… a nudez invencível e, principalmente, aquele mar!!!
E acordei finalmente..
Vou ver o mar !!!! Talvez me apeteça mergulhar…

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