31 julho 2009

Lamento

Ser boa pessoa, já não faz parte. Não fica bem dizer que se ajuda e, ter pena, é ofensivo. Por definição, ter pena é lamentar, e eu lamento. Lamento a ausência de sentimentos mais que possessivos.
Desde que me lembro que ser popular era ser rebelde, apalpar o rabo das meninas atras do ginásio da escola e gozar com o gordo e o caixa de oculos. Ser atraente era ser arrogante e altiva. Eu tinha mais jeito para ser boazinha.
Deve ser por isso que nunca deixei de me sentir estranha no meio das multidões, era a sabichona e a boa aluna, por isso, não tinha piada nenhuma, sentia-me confusa porque lamentava e desenquadrava-me. Era bonitinha, mas boazinha, sossegada e gostava de estudar.
Hoje, desenquadro-me de outra forma, cada vez mais me encontro e mais estranha me vejo, cada vez leio mais e sei menos, mas como tu me dizes, o que sinto não pode ser mentira e eu ainda lamento.
Lamento não ter sido boazinha com mais gente, lamento não ter esvaziado o meu carrinho de supermercado nas mãos daquele ciganito descalço que julguei que me ia roubar, lamento não ter alimentado todos os cães famintos cujo olhar neguei, não ter dado um abraço apertado ao rapaz do violino e não te dizer mais vezes o que sinto. Lamento às vezes embarcar na maré.
Sei o que sinto.
Sei o quanto lamento.
Gostava de ter um sorriso para oferecer a toda a gente e uma lagrima para partilhar com quem sente, gostava de ter um ninho para albergar os mendigos e uma brincadeira nova todos os dias, gostava de entender o que escondem as ironias e saber ainda menos de mim. Gostava de dançar mais à chuva e de poder correr para onde o vento me levasse, gostava de lamentar ainda mais a desgraça de quem não sente e de disfarçar a dor que não me faz falta, gostava de rir de mim e de te amar para sempre.
E lamento não ser ainda mais assim.

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