31 outubro 2009

Horizonte



Era aquela altura em que a noite e o dia se cruzam e cumprimentam, um tempo envolto em movimento astral, aspirei o ar da lua recém nascida, passara outras  noites  ausente numa estrada perdida e empoeirada, parada muitas vezes em encruzilhadas, sem estrela do norte, enveredei por atalhos desabitados, conheci caras novas, presentes, outras que apenas guardo uma imagem esbatida. Aprendi a fazer o meu pão, a beber de um riacho raso, lavei-me de orvalho e fui deixando o peso da minha mala, em cada arvore que marcava o meu passado.
Envolvida num mundo novo, que sempre me acompanhara desde criança, a minha caminhada era tão só a despedida de vestes arcaicas de pensamentos e adornos elaborados, ricos de imagem falseada da minha alma distante.
Barrei o meu pão com a minha construção, bebi agua com casca de sobreiro em honra de todas as canções que conheço, esfreguei os pés com pedras pome e folhas verdes e enfeitei-me com uma flor do campo.
Cantei e chorei todo o caminho, de saudade do meu horizonte e dos meus contos tão cheios de vida e tão distantes, adormeci muitas vezes ao vento quente do entardecer, lembrada do meu crescimento em terras morenas de sabedoria. Fiz fogueiras de gravetos, espreitei nas encostas, ainda com medo, resvalei em pedras soltas, fiz da vontade a minha unica companhia. Não corria, sentia cada passo, atordoava-me o silencio por detrás das sombras.
Castelos assombrados pareciam erguer-se à passagem da minha vida. À sua volta dançavam moças bonitas, de braços soltos e passos leves, acenavam-me em jeito de coragem e eu agradecia.
Parei um dia, sentei-me à porta de um velhote de capote e cajado. Tinha os olhos raiados de um azul esverdeado, um sorriso desprendido e uma historia bonita que precisava de me contar por não ter tido tempo. O meu despertar havia sido o seu sono eterno. Falou-me da vida, do lugar a que pertencemos, falou-me de amor, tocou-me por dentro e deu-me um chouriço e uma pouca de azeitonas verdes já talhadas, De dentro, emanava o cheiro de bolo de amendoa, uma caricia, uma festa na cabeça e uma frase engraçada, para despedida. Disse-lhe que o levava comigo para sempre.
Ao longe ainda me virei uma ultima vez, dois vultos pequenos, de mãos dadas e um sorriso do tamanho do mundo.
Foi grande a minha estrada, cortada numa margem verde, onde se banhavam casais desalojados. Faziam amor com os sentidos; sentei-me na areia solta e molhada e admirei-os. Os corpos fundiam-se, dançavam e expressavam sorrisos, fecundos de verdade, soltos de pensamento, sentiam, por isso, quando me olharam, sabiam ver mais que aquela imagem parada. Perguntei-lhes o caminho depois do rio.
Num cais tosco de madeira, já gasta, um barco à vela. Olhei em volta na esperança de o ver ainda, imaginei a espera de um velejador de sonhos sabedor da semente semeada na minha essência, havia de saber sempre que chegaria. Agradeci ao meu pai e soltei as amarras, hasteei uma vela e rumei ao meu porto. Pássaros migrantes furavam a nevoa solta, curiosos, recordações de passagens da minha vida, viagens, conquistas e histórias cheias de mim.
Cheguei antes de o sol se pôr. De mansinho, deixei solto o meu barco, senti os meus pés descalços numa areia branca e grossa, na curva da terra, desaguavamos, eu e o rio, num mar azul de fundo, imenso, ventoso e expectante.
A flor que trazia no meu cabelo, soltara-se em petalas de cor, as gaivotas loucas chegavam de uma pescaria farta, os  barcos balançavam ao som do vento, aspirei um cheiro eterno que de mim emana, fruto de um sentir de luas e prazeres. Vesti um vestido laranja, honrada pela beleza da dádiva da terra alentejana que me concebeu, reconfortada de palavras serenas e cheias de amor.
As  minhas mãos soltas tremiam, inspirei ao mais fundo de mim, enterrei os meus pés na areia fria e aguardei em silencio. De repente, cada elemento parava, aspirava ritmado, só a luz de um farol distante, esboçava um quadro de movimento.
Tudo o resto esperava comigo.



Senti as tuas mãos grandes percorrerem cada fio do meu cabelo, a tua respiração, senti o teu peito suado no meu, sem uma palavra, as minhas mãos bebiam cada pedaço de ti. As nossas caras salgadas, a estrada sentida, o teu olhar no meu.
Não era um abraço que pedia, era a minha vida inteira, chegada.


1 comentário:

Anónimo disse...

O maior elogio que recebi na vida veio encontrar-me as duas da manha entre o bar e a agua 15 metros á direita. Trazia os stilletos nas mãos um vestido comprido de uma alsa so e o cabelo em desalinho
-Calculei que te encontrava aqui
-Pois previsivel, idade
-Que estás a beber
Era demanha quando deixamos dois copos vazios na areia
-É melhor assim sabes parar com isto
-Isto?
-Uma forma de dizer. Vais estar sempre comigo
- E tu.....Tu fazes-me bem


Luis