03 outubro 2009

Solidão

Noite tão clara, esta, tão sossegada e iluminada.
O Alentejo hoje, recebeu-me ameno, castanho, envolto em cheiro a erva, vivo de manadas andantes. Percorri-o de janela entreaberta, percorri caminhos que me inundaram de memórias que iluminam e entristecem.
A Liberdade e a vida que a solidão desperta, não encerra, uma sensação nova, desconhecida para mim. Refazer conceitos adquiridos e tão pouco certeiros.
Foram tantas as vezes que me senti só numa multidão entusiasmada, foram tão poucos os momentos em que me senti tão viva e liberta numa solidão bem vinda. Este Alentejo habita cá dentro, sem pressa, sem horas, destinos marcados de um sorriso e de uma açorda.
De manhã falavamos de percursos paralelos, à noite, em contares entusiasmados da mesma história, revivi a essencia do silencio harmonioso, dos percursos que não vislumbramos e limitamo-nos a percorrer, devagar.

Na minha mente, palavras, instantes, vislumbres de um olhar que finalmente me alcançava, um veneno que me encanta, um soluço de saudade e raiva misturadas.
Percorrem-me palavras que se trocam silenciosas, a paz do entendimento, a voz que me vê e que fere, em mim, descubro a magnificência de as ter. Imagino as migalhas humanas que percorrem uma vida sem sentir.

A solidão tem uma palavra, tem uma descoberta que cala o medo. Tem a fronteira entre o antes e o depois, linha ténue, de mil cores que já não me ofuscam.
Trago comigo esse sorriso que me recebeu numa cidade de sonho. As pedras iluminadas, as conversas que se prolongam sem expressão no tempo. Cada conceito parecia ser hoje revisto em mim.
A minha solidão foi hoje companhia, amizade verdadeira, foi despedir-me do Alentejo, quase nos ultimos minutos do dia, sem pressa, sem medo da estrada escura ou da distancia que nem sinto.
Escrevo à toa, cansada.
Sinto-me.

Poucas coisas me importam, sinto uma leveza nova, uma proximidade de mim que nunca senti. Reconheço-me pouco experiente no quanto me devo e não vi. Tenho engenhos automáticos para todo o tipo de deficiencias, sou amiga, faço-o por mim. O que me move não tem retorno, pouco espero dos outros a quem dou sem hesitar, faz-me falta aprender a dar-me a mim. Pensamento simples que deixei passar.
Os termos esvaziam-se na minha experiência, as distancias, não as sinto, o vazio é ilusão, o preenchimento é uma solidão tão rica e o tempo é o caminho até aqui.

Deixo os meus dedos expressarem-se, soltos, não penso, mais uma sensação que pouco conheço, o dominio reduzido a este momento em que me faço, grande, pequena, como for.
Prometi-me o Marvão Mouro, prometi-me experimentar, acreditei no que sinto. A mistura das cores e conceitos, elabora-se sem o meu gesto contido.

A minha solidão está tão cheia de vida. Tão cheio de vida está afinal o meu coração.
Gostei de cada minuto deste meu dia, de cada conversa com as duas amigas que me conhecem, cada uma, tão diferente na forma de esconder a luz que as ilumina, como eu. Gostei de me cansar ao ponto de não pensar, das horas com a Marta que nunca vejo passar.

Estou tão cansada que me apetece acordar, não pensar, um sentimento que calo e reformulo mas que é meu, memórias que doem mas que guardo, só minhas, sei o valor que tiveram. É neste processo que me encontro. Aceito não gostando deste medo tão guardado de me deixar ser, quem sou.
Descobri-me, despertei-me, cansei-me de me cegar. Devo-me tanto quanto o que sinto.

1 comentário:

PAS[Ç]SOS disse...

Há na vontade de voar um poema de cores por descobrir. Ao olharmos para dentro de nós, umas vezes perdemo-nos no vazio, outras somos tanto no meio duma multidão de quereres e sentires. São essas ruas que precisamos percorrer até chegarmos à praça que sentimos nossa, de onde partem as imensas avenidas, vielas e becos que teremos de escolher para trilhar o caminho duma vida que também se fará, necessariamente de [re]encontros.