20 janeiro 2010

Divagação

Acordava com o acordar do Sol. Ele podia chegar como quisesse, escondido por detrás do nevoeiro, com cheiro de erva molhada, fresco, quente, iluminar-me-ia sempre, menos pelo contexto, mais pela forma que os meus olhos o admirassem.
Com ele, conseguiria ver o levantar dos pássaros que aguardavam no beiral das casas e dos alpendres, veria as primeiras vozes das esposas nas portas, o acordar do dia, e ainda teria tempo para acenar à restea de lua imaginada ,que me teria acompanhado nessa noite serena.
A partida, teria o mesmo gosto que qualquer chegada, o anteceder de um caminho que começa, onde outro termina, beberia a viagem, os contornos que passam, as faces que acenam, as imagens que imagino e junto à passagem, numa tela desenhada de traços sentidos.
A chegada seria um momento pequeno, de face marcada, livre de conceitos, apenas o suficiente para reter no meu peito qualquer vontade guardada, qualquer segredo ou palavra por dizer. Nesse instante, seria um nada diferente, um átomo de vida na magnifica junção dos elementos. Seria uma página em branco e um lápis de carvão.
Aquela varanda de cor azul salgada de maresia, pouco varrida, uma toalha bordada, e um vaso pequeno com uma flor no meio, que eu diria ter sido escolhida por alguém que sussurra com o vento e conhece segredos que um dia hei-de também conhecer. Daquela varanda não se vê senão o mar, imenso, tremendo e inconstante, como o vento que brinca com as talhas do alpendre antigo.
Sento-me e espero o que me falta, só isso de tanto que trago comigo, o meu passado, a minha cara quente, e uma vontade de mundo, que me estremece, que me faz gente nas palavras ditas sem pensar e noutras que calei em tempo, nem sei porquê.
E aguardo, aguardo o tempo de cada chegada, carregada de sentido
Chegada eu, espero deslumbrada...


Se divago, é esta vontade de ser tudo do nada que já não sinto.
É esta força de escrever o meu abrigo de ser, o que trago cá dentro

1 comentário:

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Lindissimo texto.
aguardar o tempo...é resto de tudo.
Beijinhos
Sonhadora